Um negro que nega o racismo, uma índia contrária aos
movimentos indígenas, um diretor da Funai aliado aos ruralistas, a estrutura de
Meio Ambiente descolada do Meio Ambiente, um secretário de Cultura que xinga
Fernanda Montenegro, uma secretária de Audiovisual distante do cinema e da
televisão. Sem falar em ministros.
O que que é isso, minha gente? O presidente Jair Bolsonaro
vive criticando os antecessores pelo “excesso de ideologia” e rejeita
indicações de políticos eleitos tão democraticamente quanto ele próprio, mas
não faz outra coisa senão nomear pessoas que simplesmente se classificam “de
direita”, mesmo que não tenham nada a ver com os cargos. Boa governança?
O que dizer de Sérgio Camargo, que foi nomeado para a
Fundação Palmares, apesar de negar o racismo, atacar a “negrada militante” e
reduzir a injustiça e as humilhações contra os negros a um “racismo nutella?”
Até o próprio irmão desse senhor, o músico e produtor cultural Oswaldo Camargo
Júnior, abriu um abaixo-assinado contra a nomeação. Para Oswaldo, Sérgio é um
“capitão do mato”. Um capitão do mato na Fundação Palmares…
Assim como pinçou um negro para desqualificar os movimentos
negros, Bolsonaro levou para a abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova
York, a youtuber índia Ysani Kalapalo, que vive entre São Paulo e sua aldeia no
Xingu (MT). Isso tem nome: “Lugar de fala”. Brancos não podem atacar os
movimentos, mas um negro contra negros e uma índia contra índios faz toda a
diferença.
Tratada como troféu, a jovem se diz “80% de direita”, considera
as queimadas “um acidente” e ataca os líderes como “índios esquerdistas que
fazem baderna em Brasília”. Exultante, Bolsonaro decretou o fim do “monopólio
do sr. Raoni”. Referia-se a um ícone, indicado para o Prêmio Nobel da Paz.
Famoso por chamar Fernanda Montenegro de “sórdida e
mentirosa”, o diretor de teatro Roberto Alvim foi nomeado secretário de Cultura
e não apenas define a política cultural como nomeia direitistas por serem
direitistas. Exemplo: Katiane Gouveia, da Cúpula Conservadora das Américas,
manda na estratégica área de audiovisual.
No prestigiado ICMBio, o PM Homero de Giorge Cerqueira. Na
resistente Funai, o delegado da PF Marcelo Augusto Xavier, com apoio da bancada
ruralista – amiga de Bolsonaro, inimiga das comunidades indígenas. Ele substituiu
o general Franklimberg Freitas, que é indígena.
O embaixador júnior Ernesto Araújo virou chanceler depois de
sabatinado pelo filho do presidente e jurar que é a favor de Deus, da família e
de Trump e contra o “globalismo” e a China (que, segundo ele, quer destruir os
valores cristãos do Ocidente).
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi escolhido
por conhecer pouco o setor, não saber nada de Amazônia e se comprometer a
entupir o ministério de militares da reserva, escanteando ambientalistas
atuando há décadas em mares, rios, florestas e reservas. Ruralistas e parte do
empresariado estão felizes. Não se pode dizer o mesmo de especialistas e da
comunidade internacional.
Damares Alves deu um salto de uma obscura assessoria do
Congresso para um ministério que reúne Direitos Humanos, família, mulher e sei
lá mais o quê. Assim, roda o mundo com visões muito peculiares, não raro
estranhas, sobre família, gênero, educação infantil. Todos eles têm a mesma
credencial poderosa: são “de direita”.
Na era Lula e PT, “nós contra eles”, “cumpanheirismo”,
ideologia e aparelhamento do Estado, que deu no que deu: desmandos,
incompetência, corrupção. Saiu o aparelhamento de esquerda, entrou o de
direita. A esquerda pela esquerda, a direita pela direita. Pobre Brasil.
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