A Presidência da República sempre foi, historicamente, o
ponto focal da política brasileira. Os demais poderes atua¬vam, salvo momentos
de exceção, como coadjuvantes. Uma soma extraordinária de poderes dava ao
presidente uma situação hegemônica.
Além de poder editar medidas provisórias, cuja validade como
lei é imediata, o presidente controla não apenas mais de 50% do sistema
bancário, como também algumas das maiores empresas do país. Ainda pode nomear
mais de 25 000 cargos de confiança e, até há pouco tempo, possuía um elevado
poder discricionário sobre o Orçamento da União.
Para assegurar tal hegemonia, afora os instrumentos
existentes, as relações políticas eram formatadas por meio do conhecido
“presidencialismo de coalizão”, com indicações políticas para cargos,
distribuição de verbas e acesso à formulação de políticas públicas.
Quando funcionava bem, o presidente conseguia uma maioria
para aprovar parte expressiva de sua agenda e ficar protegido de tentativas de
desestabilização. Quando não funcionava, terminava em impasses ou em
impeachment.
De alguns anos para cá, contudo, o Congresso Nacional foi
ganhando terreno e ocupando espaços políticos predominantes. As liberdades de
edição de medidas provisórias foram limadas. As emendas parlamentares ao
Orçamento da União, que eram instrumento central do toma lá dá cá, passaram a
ter sua implementação obrigatória.
Temos um fato novo na política nacional: dois núcleos de
poder que transitaram entre o conflito e o consenso em 2019
Mais recentemente, o Orçamento como um todo passará a ter
sua implementação mandatória, o que poderá reduzir ainda mais a liberdade do
Executivo. O que for aprovado pelo Congresso terá de ser executado. Em tese,
sem uma maioria para proteger seus interesses, toda proposta orçamentária
poderá ser modificada pelos parlamentares.
Mas a questão — definida por alguns parlamentares como o
reencontro do Legislativo com suas prerrogativas — não para por aí.
Historicamente, o Poder Executivo tinha o controle e a iniciativa da agenda.
Hoje nem tanto.
Neste ano, o governo Bolsonaro assistiu, imóvel, à perda de
validade de oito medidas provisórias e à rejeição de uma. É o maior nível de
ineficácia de gestão de medidas provisórias verificado desde a criação do
instrumento. O Congresso não estará sempre na mesma página da agenda do
governo.
A reforma previdenciária aprovada foi a que o Congresso
quis, e não a que o Executivo queria. O mesmo se dará com a reforma tributária
e a admi¬nis¬tra-tiva. Ambas serão sobretudo expressão do Congresso a respeito
do tema.
Temos um fato novo na política nacional: dois núcleos de
poder que, no uso de suas prerrogativas, transitaram entre o conflito e o
consenso em 2019. É uma nova realidade, que causa certa estranheza. No entanto,
o mesmo quadro deve se apresentar em 2020.
Independentemente de como funciona o novo arranjo
institucional, o desejo dos brasileiros é que o equilíbrio e o bom-¬senso
prevaleçam nos debates que estão por vir. E que ambos os poderes saibam honrar
suas responsabilidades com plena consciência de suas competências e limites e,
sobretudo, prossigam na agenda de reformas de que o país tanto necessita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário