Notícias falsas e comentários alarmistas de cunho
islamofóbico alimentam a rede virtual de simpatizantes de Jair Bolsonaro
(PSC-RJ), em um ambiente similar ao da campanha que elegeu Donald Trump nos
EUA.
Muitas vezes, os conteúdos giram em círculos, mesmo depois
de contestados, abastecendo grupos por semanas.
Em junho, ocorreu um caso exemplar. Viralizou um áudio
atribuído ao senador Magno Malta (PR-ES) –ele nega– em que o narrador anuncia
"a invasão de 1,8 milhão de muçulmanos" ao país.
Seria supostamente estratégia do governo Michel Temer para
agradar a ONU, "que é completamente islâmica", para obter assento
permanente no Conselho de Segurança do organismo, que se define pela
neutralidade política, geográfica e religiosa.
Não há sinais de "invasão" no Brasil. Segundo a
Polícia Federal, 399 sírios pediram refúgio ao Brasil de janeiro a maio deste
ano. Somando-se solicitações do Líbano e do Iraque, há 1.094 pedidos em 2017. A
entrada é controlada.
Mas a mensagem pede "intervenção hoje".
"Bem-vindos ao Brasilquistão, a nova Turquia da América Latina. Espero que
Bolsonaro ganhe, pelo amor de Deus. Espero que as Forças Armadas façam algo,
porque [senão] o nosso país estará destroçado", diz o narrador.
Bolsonaro está em campanha para viabilizar uma candidatura à
Presidência em 2018. Desde o ano passado, quando foi batizado pelo pastor
Everaldo no rio Jordão, faz acenos ao eleitorado evangélico enaltecendo Israel.
Essa agenda acabou por aproximá-lo de parte da comunidade
judaica.
TERRORISMO
Em um vídeo na semana passada, uma simpatizante de Bolsonaro
que se identifica como Jane Silva, "pastora e presidente da Comunidade
Internacional Brasil-Israel", afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) "deu de presente" uma embaixada para a Palestina.
"E para quê? Para trazer o terrorismo, eles financiam o
terrorismo no Brasil", disse.
O país condena o terrorismo e aprovou lei no passado que
tipifica o crime. Tem como praxe doar áreas para embaixadas, como foi feito com
a Palestina em 2010. Em reciprocidade, recebeu doação, em 2015, de terreno em
Ramalá. A construção é custeada pelo país estrangeiro.
"O Brasil dá tudo de graça, pega o nosso arroz e manda
para a Faixa de Gaza, pega o nosso dinheiro e investe numa embaixada caríssima,
e nós passamos necessidades", reclama essa pastora, em possível referência
à doação de R$ 25 milhões anunciada por Lula à faixa de Gaza em 2010.
Em seguida, ela mira o ministro de Relações Exteriores:
"Aloysio Nunes recebe ordens no Itamaraty daqui".
O ministro entrou na rota dos ataques virtuais quando da
tramitação da Lei de Migração, de sua autoria, que estabeleceu regras mais
flexíveis para imigrantes.
"Embora meu Facebook tenha sido inundado com esse tipo
de conteúdo falacioso, o impacto fora da rede foi mínimo: meia dúzia de gatos
pingados foi às ruas protestar", afirmou à Folha.
"Os fatos desmentem o ridículo, mas é importante
encontrar mecanismos capazes de frear a disseminação de notícias falsas. Porque
se consolidou a ideia de que notícia falsa é a notícia com a qual não se
concorda, e isso é perigosíssimo", concluiu.
Procurada, Jane Silva não respondeu à reportagem.
VIAGEM AOS EUA
Em sua campanha à Presidência dos EUA, Trump fomentou a
islamofobia ao generalizar a associação de terrorismo com muçulmanos.
Bolsonaro, de sua parte, concorda com a "preocupação" do americano.
"Junto com as laranjas boas vêm as podres e podemos,
mais cedo ou mais tarde, ter essa preocupação", disse o deputado sobre
refugiados.
Quanto a notícias falsas e alarmistas, ele diz que "não
estimula nada, cada um é responsável pela opinião que emite". Mas, na
retórica, vai na mesma linha.
"Agora, eu te pergunto: se chegarem dez milhões [de
refugiados] em navios, eles vão poder entrar aqui? O Brasil é muito
complacente. O governo não se manifesta, o pessoal acaba ficando no
Brasil."
Bolsonaro planeja percorrer cidades americanas em outubro
para tratar dessa e outras agendas em comum. Diz que tem uma rede de apoiadores
no país.
Para Salem Nasser, professor na Fundação Getulio Vargas que
estuda o direito islâmico e sua relação com o direito internacional, o discurso
conservador brasileiro contra muçulmanos demonstra "ignorância
absoluta".
A comunidade islâmica brasileira é sensivelmente diferente
da americana e europeia, uma vez que é formada sobretudo por sírios e
libaneses, enquanto nas outras regiões há muitos africanos.
"Nossa leitura sobre o tema não é fina, não é sofisticada",
afirmou Nasser. "Dá uma abertura muito grande para teorias
conspiratórias."
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