Artigo de Fernando Gabeira
Esta era a filosofia da mãe da atriz Charlize Theron, que
matou o marido bêbado e agressivo. Foi o que disse à filha quando a tragédia
aconteceu.
É uma frase dita num contexto familiar e definindo uma
reação individual. Mas pode ser aplicada ao momento em que o país anda tão
decadente.
O que fazer diante de tantas notícias ruins no campo da
política e dos vários níveis de governo? Nadar talvez signifique o que fazemos
cotidianamente: trabalhar, tentar os melhores resultados possíveis, avançar.
Ao deixar a esfera individual e aplicar a frase à trágica
situação do Rio de Janeiro, o que significa afogar-se ou nadar? Creio que uma
braçada inicial seria encarar de frente o problema da segurança pública. O
ministro da Defesa, Raul Jungmann, descreveu a situação de segurança pública no
Rio como o “coração das trevas”.
A cidade tem mais de 800 comunidades, a maioria sob domínio
territorial do tráfico. Este domínio acaba se refletindo na própria política:
traficantes elegem aliados em vários níveis.
O ministro advertiu que não são todos, mas muitos políticos
do Rio eleitos, de uma certa forma, em sintonia com o mundo do crime, pois
dependem dos traficantes para fazer campanha nas áreas dominadas.
A proposta de criar uma força-tarefa federal para o Rio
parece muito sensata nesse contexto. Jungmann propõe a articulação de vários
órgãos, PF, Ministério Público, Polícia Rodoviária, entre outros. E um prazo de
alguns anos para corrigir essa situação tenebrosa, na qual o crime não só
domina territórios, mas, no mínimo, aniquila a vontade política de combatê-lo.
Minha suposição é de que uma força-tarefa desse tipo encontraria um amplo apoio
social. Não me refiro apenas a um apoio do tipo que a sociedade brasileira dá à
Lava-Jato. As pessoas comuns rejeitam, mas desconhecem os mecanismos de
corrupção nas altas esferas de governo.
No caso do Rio, trata-se de algo palpável, um drama que
atinge a todos no seu cotidiano. As pessoas têm boas ideias, informações.
Alguns países vivem o mesmo problema. No México, discute-se uma lei que cassa o
mandato de um partido caso um de seus candidatos tenha relações com o crime. Em
Medellín, que tive a oportunidade de visitar, também houve uma experiência
vitoriosa de pacificação. O período inicial foi o enfrentamento ao cartel de
Pablo Escobar, no qual a Colômbia contou com o apoio dos EUA.
Trabalhei com Jungmann por muitos anos no Congresso. Ele era
um dos melhores formuladores em política de segurança pública, uma referência
na área. Deve saber muito bem que o enfrentamento é só a primeira fase.
Medellín compreendeu que a saída a longo prazo era política, envolvia outras
dimensões além da policial. Tanto que, quando se fala em milagre de Medellín,
as pessoas contestam. Foi preciso muito trabalho, liderado por um grupo de
sonhadores em torno do prefeito Sergio Fajardo, um professor de matemática.
Adotaram uma tríplice prioridade: educação, cultura e urbanização. E definiram
como lema empregar o dinheiro público onde fosse mais necessário.
Uma força-tarefa atuando com eficácia no Rio não terá vida
fácil. Mas certamente vai polarizar a esperança da sociedade e estimular o
desejo por soluções mais duráveis. Isso certamente passa por melhores escolhas
políticas. E pode ser também o começo de uma revolução cultural no Rio. Uma
reavaliação das tênues fronteiras entre o crime e a cultura.
É de um dos mais talentosos artistas que viveram por aqui,
Hélio Oiticica, a célebre frase: “Seja marginal, seja herói”. Isso comporta uma
discussão em alto nível. No entanto, para simplificar, no estado a que
chegamos, basta virar a frase de cabeça para baixo: os policiais que atuam
dentro da lei são os heróis de uma sociedade aterrorizada.
Uma força-tarefa eficaz seria um marco nessa transformação
simbólica. A única dificuldade que vejo é a financeira. O governo é rejeitado,
vai mal das pernas. O pouco dinheiro que lhe restou, pensa em aplicar nas
escolas de samba. Mas um grupo de instituições que funcionem pode conquistar
uma legitimidade própria. E até pensar, se isso não for ilegal, em receber
contribuições espontâneas.
O projeto das UPPs foi parcialmente financiado por
empresários. Ele também deveria ter o seu lado social. Mas ali, em termos de
segurança, visavam-se os grandes eventos. E em termos de política social
apenas, alguns votos a mais para a gangue no poder. É possível refazer o
caminho se o longo trabalho de uma força-tarefa se complementar com mudanças
políticas e culturais. Pelo menos é uma ideia de braçada. Há outras,
certamente. Há quem nade crawl, peito, costas, borboleta.
Do jeito que está, afundamos. Outro dia, o vice-governador
errou ao abotoar o paletó e apareceu meio estranho em público. Isso acontece
com qualquer um. Mas no momento pareceu um inconsciente pedido de socorro.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 30/07/2017
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