O ministro Celso de Mello definiu como “atrevimento sem
limites” porque o ministro é um homem educado e sabe o código de conduta no uso
das palavras por uma autoridade. O que o presidente Bolsonaro fez ao comparar o
STF a uma hiena da alcateia que ataca o “leão conservador e patriota” é muito
mais grave do que ele admitiu mesmo no pedido de desculpas. “Foi uma injustiça
sim, corrigimos e vamos publicar uma matéria que leva para o lado das
desculpas.” É bem mais que uma “injustiça”.
O presidente jurou respeitar a Constituição, e ela reconhece
o Judiciário como um dos três poderes, e o STF é o órgão máximo desse poder.
Tratá-lo com um achincalhe desrespeitoso em uma molecagem de Twitter é
descumprir preceito constitucional. Aquele é um canal oficial do presidente, e
portanto é sua palavra. A explicação de que várias pessoas têm acesso aumenta o
absurdo da situação. Com a mensagem ele açula os seus seguidores radicais que
têm defendido o fechamento do Supremo. Sem Supremo, não temos democracia. Isso
significa que ele está fortalecendo um movimento de ameaça à própria
democracia.
Cada cidadão é livre para ter críticas às decisões do STF.
Os ministros da Corte inclusive divergem entre si. Neste momento de decisão
sobre um assunto em que há uma divisão acalorada no país é normal que o foco
esteja sobre o Supremo. Os ministros Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Edson
Fachin e Alexandre de Moraes acham que deve-se manter o cumprimento da pena após
a condenação em 2ª instância, argumentando que neste ponto o mérito já terá
sido julgado e revisto por um colegiado. E que os recursos protelatórios têm
sido a arma do crime de colarinho branco para a impunidade. A ministra Rosa
Weber, o relator Marco Aurélio Mello e o ministro Ricardo Lewandowski sustentam
ser incontornável o princípio constitucional do cumprimento da pena só após o
trânsito em julgado.
A favor de Barroso, Fux, Fachin e Moraes existe o fato de
que essa interpretação extrema de trânsito em julgado, apenas após o último
recurso da última instância, não é seguida em inúmeros países democráticos. E
vai favorecer a impunidade da elite, num momento crucial do combate à
corrupção. Há muito que cada pessoa pode considerar sobre tudo o que está sendo
julgado. Está ficando claro que a possibilidade maior é de que prevaleça o
entendimento de que não pode haver cumprimento da pena após a 2ª instância.
Neste caso, fica ainda mais grave essa postagem do presidente Bolsonaro, porque
ele já está elevando a temperatura dos correligionários radicais que têm
atacado o Supremo em cada contrariedade. Essa é apenas mais uma postagem ou
declaração polêmica. Coincidentemente, elas saem sempre que o governo está em
apuros para explicar, por exemplo, o caso Queiroz.
A mensagem foi apagada, e o presidente disse que foi um
erro. Porém, nada atenua o que foi postado. Presidentes não têm palavras
extraoficiais, nem declarações para serem apagadas como se não tivessem sido
feitas. O governante tem que saber como se comporta. No início, alguns diziam
que haveria uma curva natural de aprendizado. Dez meses depois, qual é a parte
que o presidente Jair Bolsonaro não entendeu sobre como funciona uma república
democrática com independência dos poderes?
Bolsonaro é definido no filme como um conservador patriota.
Aí também cabe reparos. Pode-se ser conservador, liberal, progressista. Há
liberdade de opinião. Mas a melhor palavra para definir certos valores e
comportamentos do presidente é reacionário. Tecnicamente, reacionário é aquele
que defende um mundo que já morreu e gostaria de trazê-lo de volta. Suas
manifestações de saudosismo e de defesa da ditadura militar se enquadram nessa
definição.
Sobre o patriotismo, no sentido de amor ao Brasil, ele não é
monopólio de conservadores, muito menos de um grupo político. Essa terra comum
que nos abriga é um legado de todas as pessoas que integram o grande mosaico
étnico, de classe social, de idade, de regiões, de convicções políticas, de
orientação sexual, de crenças. Populistas manipulam o sentimento nacional para
confundir o amor à Pátria com o apoio a um governo. Autoritários definem-se
como reis da selva. Democratas entendem os limites institucionais e convivem
com as diferenças de pensamento.
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