Nos últimos anos, o exagero numa disputa política bipolar,
em que cada lado se considera o bem absoluto na luta contra o mal absoluto,
contaminou toda a sociedade brasileira e gerou um ambiente de discórdia no qual
a mais simples divergência é julgada e condenada como uma grave traição. O
debate político tornou-se estéril, pois todos gritam e ninguém escuta.
Qualquer atitude, decisão ou proposta é imediatamente vista
como uma reação emocional, de ataque e defesa. Se alguém tem um projeto, uma
ideia, um questionamento, é porque está atacando um dos lados,
"rompeu" com o outro, está se vingando.
É grave quando essa bipolaridade penetra em serviços e
procedimentos que deveriam ser públicos e isentos e os fazem sucumbir ao antigo
preceito antirrepublicano: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei. Dessa forma,
o regime democrático é enfraquecido por dentro.
Mas, como diz o poeta, "amanhã há de ser outro
dia". Podemos recuperar a política como atividade idealista, meio de
realizar utopias, ambiente de disputas leais na busca de novos consensos
capazes de unir (sem ter que fundir) os ideais da nação.
É necessário que cada um, principalmente as forças que se
forjaram na bipolaridade, busque um realinhamento interno e uma revisão de seus
princípios. Vale o que foi dito, nos últimos dias, por uma importante liderança
do PT, o governador Tarso Genro: a disputa não é em torno do passado, mas
voltada para o futuro.
É necessário, também, compreender que lutar pela democracia
sob uma ditadura é bem diferente de defender a democracia na democracia.
Pensemos em pessoas com histórico de luta pela democracia, como a presidente
Dilma. Não seria ofensivo pedir-lhe que proceda de modo democrático? A
democracia, nesse caso, é pressuposto básico, não temos que agir temendo que
ela nos seja negada.
Da mesma forma, talvez seja inútil esperar atitude
democrática de quem depende do autoritarismo e das decisões autocráticas, pois
só nesse ambiente pode prosperar sua política ou seus negócios. Porém, mesmo a
estes deve-se dar o benefício da dúvida e a margem para uma mudança que é
sempre possível pois, como temos visto tantas vezes, o tempo e a vida são bons
professores.
De todo modo, o Brasil fez nas ruas e faz todos os dias um
apelo que precisa ser escutado: recolher as armas. O tempo mudou. De nada
adianta soltar os cachorros, comer o fígado e outras expressões de uma política
feita com ódio. Quanto a beijar e abraçar, é bom quando é sincero.
Houve um tempo em que vivíamos insultados sob a ditadura. É
hora de nos sentirmos respeitados em nossa democracia.
Artigo de Marina Silva publicado na Folha de S. Paulo. Ex-senadora,
foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010.
Escreve às sextas na versão impressa da Página A2.
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