segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A DAMA DO ACHAQUE

Por Alan Rodrigues, da ISTOÉ
A investigação sobre o escândalo do pagamento de propina a auditores fiscais da Prefeitura de São Paulo, operado por grandes incorporadoras em troca de desconto no recolhimento de tributos, subiu alguns andares na semana passada e chegou à porta do ex-prefeito Gilberto Kassab. Em conversas telefônicas interceptadas pela polícia, com autorização da Justiça, um dos auditores fiscais do esquema afirma que o secretário e o prefeito com quem trabalhou “tinham ciência de tudo”. Para quem investiga o caso, a revelação do diálogo entre os fiscais não foi nenhuma novidade. No dia 6 de setembro passado, a testemunha-chave da investigação da quadrilha, Vanessa Alcântara, ex-companheira de Luís Alexandre Magalhães, um dos quatro fiscais presos, revelou à Corregedoria-Geral do Município (CGM), ao Ministério Público Estadual e à polícia como o grupo do ex-marido operava. Ela entregou também uma pasta recheada com 150 folhas de documentos,que comprovavam a participação do ex-companheiro no esquema de fraude no recolhimento de tributos e gravações que revelaram os bastidores do esquema. A denúncia de Vanessa, movida por um desejo de desforra contra o ex-companheiro, foi fundamental para os investigadores fecharem o cerco sobre os fiscais. “Eu alertei os investigadores sobre quem era quem. O grupo não sabia que estava com os telefones grampeados. Contei que o Luís Alexandre tinha horror à cadeia e que o monitorassem com muita atenção, pois ele sempre disse que iria denunciar todo mundo se um dia o esquema ruísse”, disse Vanessa em entrevista à ISTOÉ.
Diante das investigações e dos depoimentos de Vanessa, Luís Alexandre resolveu fazer uma delação premiada. Ou seja, topou fornecer informações sobre a máfia da qual fez parte em troca da redução de sua pena. Ele levava uma vida de magnata ao lado de Vanessa. Ela relembra passeios de iate, jantares caríssimos regados pelos melhores vinhos e fins de semana em luxuosos hotéis. A proximidade fez com que a ex-companheira se familiarizasse com a maneira de agir dos integrantes da quadrilha. Vanessa contou que ela e Luís Alexandre sentavam-se no tapete de casa, espalhavam a dinheirama da propina e separavam em pacotinhos iguais para os quatro integrantes do esquema.
Nos últimos dois meses, ela refugiou-se no silêncio. Nesse tempo, ela manteve conversas com integrantes da máfia fazendo uma espécie de jogo duplo. “Simulei pedidos de carros. O grupo discutiu a ‘compra’ do meu próprio bebê, enfim, tudo para comprar meu silêncio”, revela Vanessa. “Se deram mal. Comemorei a prisão deles como um gol”, diz. A fraude na arrecadação dos impostos, que consistia no pagamento de propina em troca de abatimento para construtoras em taxas como o ISS, provocou um prejuízo de cerca de R$ 500 milhões nos cofres públicos. Pelo menos cinco secretarias estariam envolvidas: Cultura, Meio Ambiente, Subprefeituras, Finanças e Habitação. Nas gravações interceptadas pela polícia, com autorização da Justiça, o subsecretário da Receita na gestão Kassab, Ronilson Rodrigues, um dos apontados por Vanessa de participar do esquema, reclama com a auditora Paula Sayuri Nagamati, ex-chefe de gabinete de Finanças do ex-prefeito, que foi intimado a prestar esclarecimento à Controladoria-Geral do Município (CGM) sob suspeita de corrupção. A conversa aconteceu no último dia 18 de setembro; portanto, 12 dias após as denúncias de Vanessa. “É um absurdo, Paula. Tinha que chamar o secretário e o prefeito também, você não acha? Chama o secretário e o prefeito com quem eu trabalhei. Eles têm ciência de tudo”, afirmou Rodrigues sobre a investigação da CGM.
Outra gravação em poder dos promotores foi feita pelo ex-companheiro de Vanessa, Luís Alexandre. Na conversa com Ronilson Rodrigues e Carlos di Lallo, ambos presos, eles tratam dos possíveis desdobramentos da investigação. Em clima tenso, Magalhães mostra preocupação em ser o único a se dar mal. “Eu não estava nessa sozinho. Eu tenho todos os números de certificado. Eu não vou ser bode expiatório”, disse Magalhães a Rodrigues, considerado pelos promotores o chefe do esquema. “Isso aí pra mim é uma ameaça”, retrucou Rodrigues. “Não, é um aviso. Eu não vou sozinho nessa p...”, rebateu Magalhães. “Não vai. Porque eu vou estar contigo”, disse Rodrigues. “Eu, o Lallo e o Barcelos não vamos pagar o pato nessa p... toda.”, ameaçou Magalhães. Procurados, os advogados de Rodrigues e Lallo não foram encontrados. Mario Rica, defensor de Luís Magalhães, disse que ia falar com seu cliente sobre as acusações da ex-companheira, mas não havia retornado até o fechamento desta edição.
Os investigadores do caso foram alertados por Vanessa sobre as desavenças entre o grupo. “Apesar de acharem que nunca iam ser pegos, eles andavam preocupados com as novas investigações. Diferentemente da época da gestão Kassab, quando o grupo saiu rindo da sala em que prestavam depoimentos, ultimamente eles estavam com medo”, relata Vanessa. Kassab negou na semana passada que soubesse do esquema. A prefeitura confirmou a denúncia e agora os investigadores estão fazendo um pente fino sobre as centenas de edificações fiscalizadas pelo grupo e em 15 construtoras para rastrear os corruptores, além de focar em outros 40 funcionários públicos que estão sob suspeita.
Na terça-feira 5, Vanessa Alcântara recebeu ISTOÉ na casa de amigos na cidade de Campinas. Testemunha-chave do escândalo, ela revelou na entrevista como agia o grupo acusado de desviar cerca de R$ 500 milhões dos cofres públicos. Vestida sobriamente, bem maquiada e como uma voz firme, ela diz que o ex-companheiro sempre afirmou que, se um dia o esquema ruísse, iria entregar todo mundo, sem poupar ninguém.
Clique aqui e leia a entrevista na íntegra.
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