A investigação sobre o escândalo do pagamento de propina a
auditores fiscais da Prefeitura de São Paulo, operado por grandes
incorporadoras em troca de desconto no recolhimento de tributos, subiu alguns
andares na semana passada e chegou à porta do ex-prefeito Gilberto Kassab. Em
conversas telefônicas interceptadas pela polícia, com autorização da Justiça,
um dos auditores fiscais do esquema afirma que o secretário e o prefeito com
quem trabalhou “tinham ciência de tudo”. Para quem investiga o caso, a
revelação do diálogo entre os fiscais não foi nenhuma novidade. No dia 6 de
setembro passado, a testemunha-chave da investigação da quadrilha, Vanessa
Alcântara, ex-companheira de Luís Alexandre Magalhães, um dos quatro fiscais
presos, revelou à Corregedoria-Geral do Município (CGM), ao Ministério Público
Estadual e à polícia como o grupo do ex-marido operava. Ela entregou também uma
pasta recheada com 150 folhas de documentos,que comprovavam a participação do
ex-companheiro no esquema de fraude no recolhimento de tributos e gravações que
revelaram os bastidores do esquema. A denúncia de Vanessa, movida por um desejo
de desforra contra o ex-companheiro, foi fundamental para os investigadores
fecharem o cerco sobre os fiscais. “Eu alertei os investigadores sobre quem era
quem. O grupo não sabia que estava com os telefones grampeados. Contei que o
Luís Alexandre tinha horror à cadeia e que o monitorassem com muita atenção,
pois ele sempre disse que iria denunciar todo mundo se um dia o esquema
ruísse”, disse Vanessa em entrevista à ISTOÉ.
Diante das investigações e dos depoimentos de Vanessa, Luís
Alexandre resolveu fazer uma delação premiada. Ou seja, topou fornecer
informações sobre a máfia da qual fez parte em troca da redução de sua pena.
Ele levava uma vida de magnata ao lado de Vanessa. Ela relembra passeios de
iate, jantares caríssimos regados pelos melhores vinhos e fins de semana em
luxuosos hotéis. A proximidade fez com que a ex-companheira se familiarizasse
com a maneira de agir dos integrantes da quadrilha. Vanessa contou que ela e
Luís Alexandre sentavam-se no tapete de casa, espalhavam a dinheirama da
propina e separavam em pacotinhos iguais para os quatro integrantes do esquema.
Nos últimos dois meses, ela refugiou-se no silêncio. Nesse
tempo, ela manteve conversas com integrantes da máfia fazendo uma espécie de
jogo duplo. “Simulei pedidos de carros. O grupo discutiu a ‘compra’ do meu
próprio bebê, enfim, tudo para comprar meu silêncio”, revela Vanessa. “Se deram
mal. Comemorei a prisão deles como um gol”, diz. A fraude na arrecadação dos impostos,
que consistia no pagamento de propina em troca de abatimento para construtoras
em taxas como o ISS, provocou um prejuízo de cerca de R$ 500 milhões nos cofres
públicos. Pelo menos cinco secretarias estariam envolvidas: Cultura, Meio
Ambiente, Subprefeituras, Finanças e Habitação. Nas gravações interceptadas
pela polícia, com autorização da Justiça, o subsecretário da Receita na gestão
Kassab, Ronilson Rodrigues, um dos apontados por Vanessa de participar do
esquema, reclama com a auditora Paula Sayuri Nagamati, ex-chefe de gabinete de
Finanças do ex-prefeito, que foi intimado a prestar esclarecimento à
Controladoria-Geral do Município (CGM) sob suspeita de corrupção. A conversa
aconteceu no último dia 18 de setembro; portanto, 12 dias após as denúncias de
Vanessa. “É um absurdo, Paula. Tinha que chamar o secretário e o prefeito
também, você não acha? Chama o secretário e o prefeito com quem eu trabalhei.
Eles têm ciência de tudo”, afirmou Rodrigues sobre a investigação da CGM.
Outra gravação em poder dos promotores foi feita pelo
ex-companheiro de Vanessa, Luís Alexandre. Na conversa com Ronilson Rodrigues e
Carlos di Lallo, ambos presos, eles tratam dos possíveis desdobramentos da
investigação. Em clima tenso, Magalhães mostra preocupação em ser o único a se
dar mal. “Eu não estava nessa sozinho. Eu tenho todos os números de
certificado. Eu não vou ser bode expiatório”, disse Magalhães a Rodrigues,
considerado pelos promotores o chefe do esquema. “Isso aí pra mim é uma
ameaça”, retrucou Rodrigues. “Não, é um aviso. Eu não vou sozinho nessa p...”,
rebateu Magalhães. “Não vai. Porque eu vou estar contigo”, disse Rodrigues.
“Eu, o Lallo e o Barcelos não vamos pagar o pato nessa p... toda.”, ameaçou
Magalhães. Procurados, os advogados de Rodrigues e Lallo não foram encontrados.
Mario Rica, defensor de Luís Magalhães, disse que ia falar com seu cliente
sobre as acusações da ex-companheira, mas não havia retornado até o fechamento
desta edição.
Os investigadores do caso foram alertados por Vanessa sobre
as desavenças entre o grupo. “Apesar de acharem que nunca iam ser pegos, eles
andavam preocupados com as novas investigações. Diferentemente da época da
gestão Kassab, quando o grupo saiu rindo da sala em que prestavam depoimentos,
ultimamente eles estavam com medo”, relata Vanessa. Kassab negou na semana
passada que soubesse do esquema. A prefeitura confirmou a denúncia e agora os
investigadores estão fazendo um pente fino sobre as centenas de edificações
fiscalizadas pelo grupo e em 15 construtoras para rastrear os corruptores, além
de focar em outros 40 funcionários públicos que estão sob suspeita.
Na terça-feira 5, Vanessa Alcântara recebeu ISTOÉ na casa de
amigos na cidade de Campinas. Testemunha-chave do escândalo, ela revelou na
entrevista como agia o grupo acusado de desviar cerca de R$ 500 milhões dos
cofres públicos. Vestida sobriamente, bem maquiada e como uma voz firme, ela
diz que o ex-companheiro sempre afirmou que, se um dia o esquema ruísse, iria
entregar todo mundo, sem poupar ninguém.
Clique aqui e leia a entrevista na íntegra.
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