Artigo de Fábio Campos, O Povo
A política brasileira assimilou um vício degradante. Os
projetos de poder em vigor só se sustentam na base da negação do passado.
Tragados pela esquizofrenia da eterna disputa, os gestores remodelam a própria
História de acordo com as necessidades pragmáticas se suas trajetórias.
E essas necessidades pragmáticas costumam ser moldadas ao
sabor da dinâmica dos momentos políticos. Assim, de forma cruel, até um bom
aliado (ou sua virtuosa ação administrativa) de ontem será jogado no lixo se
assim for necessário ao projeto de poder vigente.
Desconfiemos do ser político que elege a palavra “gratidão”
para sustentar seus posicionamentos. Se for um político inexperiente, a palavra
deve ser vista apenas como um ato próprio do ingênuo. Se for um político
experiente, trata-se do exercício da demagogia.
Sempre me vem à mente o que os tucanos fizeram com Itamar
Franco, o presidente que teve o talento de entregar a Fernando Henrique Cardoso
e a uma equipe de respeitados economistas a tarefa de debelar o mal maior que
impedia o País de se tornar moderno. No caso, a inflação e a instabilidade
econômica.
No poder, os tucanos trataram de apagar da História o papel
preponderante de Itamar. E da pior forma possível: ridicularizando-o. Com um
projeto de poder planejado para durar 20 anos (não passou de oito), os (poucos)
tucanos remanescentes salivam o gosto amargo por terem engolido à força o
próprio veneno.
O veneno foi vertido gota a gota na veia tucana pelo
lulo-petismo, que tratou de “refundar” o Brasil ao seu gosto. O passado tucano
foi cientificamente execrado a ponto de, hoje, a geração nascida entre as
décadas de 1980 e 1990 não ter referência dos importantes significados de um
momento histórico.
Na verdade, o que houve de virtuoso foi solenemente
apropriado pelos novos mandatários. Afinal, era preciso “refundar” como forma
de se impor. Não tenhamos dúvidas: caso a nossa democracia, cedo ou tarde,
cumpra o ideal da alternância do poder, quem ficar pra trás experimentará
generosas doses do mesmo veneno.
No Ceará, também é assim. Tasso Jereissati e seu grupo de
empresários chegaram ao poder sob a égide da ideia de que era preciso
“refundar” o Estado. Então, o passado dos coronéis era o alvo a ser atacado a
todo custo, mesmo que as bases da gestão tassista tenham sido uma virtuosa
continuidade do que havia sido estabelecido no início da década de 60 por
Virgílio Távora.
Tasso foi agora obrigado a tomar do veneno que já havia
prescrito aos seus antecessores. Ciro Gomes, sua “cria”, carimba de “coligação
do ódio” uma possível aliança que pode ser articulada pelo tucano. Cid Gomes
desafiou Tasso e sua gestão a fazer comparações entre épocas e circunstâncias
imensamente distintas.
A mesmíssima coisa se reproduz no âmbito municipal.
Luizianne Lins passou anos e anos a deitar sobre as dívidas recebidas de Juraci
Magalhães. Roberto Cláudio, o jovem, demonstra que já aprendeu muito bem como
prescrever esse veneno.
Em meio a isso tudo, a verdade e a História são as vítimas.
A regra é aniquilar o adversário que foi ultrapassado eleitoralmente. A ordem é
reescrever a História ao modo do vencedor do momento realimentando a falta de
memória do eleitor.
Sem partidos, dominada pelo patrimonialismo, controlada
pelos projetos de poder pessoais, a nossa política só vive do momento. Reconhecer
méritos do passado é para os fracos, para os ingênuos, para os inocentes. A
natureza de nossa política tem má índole. Portanto, é o reino de caráter
duvidoso.
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