Por Diego Escosteguy, Época
Em abril deste ano, a jovem Anne Paiva, secretária da
empresa Partners, que detém contrato de assessoria de imprensa com o
Ministério da Fazenda, dirigiu-se à agência do Banco do Brasil onde mantém sua
conta bancária, na cidade de Sobradinho, nos arredores de Brasília. Contratada
pela Partners desde janeiro, Anne cuidava das tarefas burocráticas da empresa
na capital: atendia telefonemas, pagava contas, encaminhava documentos para os
clientes. Ganhava R$ 1.300 por mês. Naquele dia de abril, disse Anne a ÉPOCA,
ela sacou em dinheiro vivo, da mesma conta em que recebia seu salário, R$ 20
mil que haviam sido transferidos pela Partners de outra conta no Banco do
Brasil – a conta em que o Ministério da Fazenda deposita, todo mês, o que deve
à empresa. Anne afirma que acomodou o dinheiro num envelope, atravessou a
cidade e subiu ao 5º andar do Ministério da Fazenda. Segundo seu relato, Anne
encontrou quem procurava numa sala ampla próxima ao gabinete de Guido Mantega:
o economista Marcelo Fiche, chefe de gabinete de Mantega e, hoje, segundo homem
mais poderoso da Pasta. Entregou-lhe o envelope, como se fosse um simples
documento. De acordo com Anne, Fiche não conferiu o conteúdo do envelope.
Apenas sorriu e agradeceu.
“Manda um abraço para o Vivaldo!”, disse Fiche ao se
despedir, segundo o relato de Anne. Vivaldo Ramos é o diretor financeiro da
Partners, uma empresa de Belo Horizonte. Era chefe imediato dela. Fora Vivaldo
que avisara Anne, para sua perplexidade, que a Partners acabara de fazer um
“depósito de suprimento” na conta dela. De acordo com Anne, fora Vivaldo que a
mandara sacar o “suprimento” e entregá-lo a Fiche. Aquela foi a primeira das
quatro vezes em que, segundo Anne, ela aceitou distribuir dinheiro a Fiche e a
outro assessor de Mantega: Humberto Alencar, chefe de gabinete substituto e
fiscal do contrato do ministério com a Partners – cabe a Alencar autorizar os
pagamentos da Pasta à Partners. Ainda de acordo com Anne, Fiche e Alencar
receberam, das mãos dela, um total de R$ 60 mil. Sempre em dinheiro vivo. As
entregas, segundo Anne, aconteceram ao lado do gabinete de Mantega e no
escritório da Partners em Brasília. Depois de fazer o quarto repasse de
propina, Anne comunicou à Partners que não faria mais pagamentos. Temia o que
poderia lhe acontecer se as autoridades descobrissem.
Na manhã do dia 11 de setembro, Anne esteve na sucursal de
ÉPOCA em Brasília para contar o que sabia. Por que ela decidira fazer isso?
Anne afirmou que se casaria em breve e que, em seguida, se mudaria para a
cidade natal do noivo. Em razão dessa mudança, deixaria o emprego na Partners.
A princípio, narrou Anne, a Partners topara, em virtude dos bons serviços
prestados por ela, pagar-lhe como se a tivesse demitido. Em seguida, a empresa
mudara de ideia, sem dar explicações. Anne, portanto, estava indignada com o
que considerava ser uma traição da empresa pela qual se arriscara. Temia ser
obrigada a pagar mais impostos por causa da pequena fortuna que fora depositada
em sua conta. “Diante de todo o estresse que passei, não quero ficar calada”,
disse. “A pessoa que entrar lá no meu lugar (na Partners) passará por isso
também. No dia em que a bomba estourar, quando alguém descobrir, lembrarão só
da secretária.”
Retribuição não parecia ser o único motivo de Anne. Ela
também demonstrou, em diversos momentos, indignação moral com o esquema: “Não é
justo o que eles (Partners e assessores da Fazenda) fazem. É dinheiro público,
dinheiro seu e meu”. Ela repassou a ÉPOCA uma extensa documentação interna da
Partners. Os papéis corroboravam seu depoimento. Tratava-se de e-mails,
extratos de mensagens via Skype, comprovantes bancários, planilhas de
pagamentos e cópias das prestações de contas da empresa ao Ministério da
Fazenda.
Comprovavam, entre outras irregularidades, que a Partners
transferira altas somas para a conta dela e a orientara a entregar o dinheiro
aos dois assessores de Mantega. Numa das mensagens de Skype, datada do dia 4 de
julho deste ano, Vivaldo pede a Anne para entregar R$ 15 mil a Alencar. “Em
Brasília, eu era o braço direito e esquerdo da Partners”, disse. “Servi de
laranja por quatro vezes, para a empresa poder passar (dinheiro) ao chefe de
gabinete do ministro.”
Anne afirmou que tomou um susto ao descobrir o primeiro
depósito em sua conta: R$ 20 mil. Para Anne, correspondia a mais de um ano de
salário. “Não avisavam que o dinheiro entraria. Nunca me pediram autorização. O
Vivaldo dizia apenas: ‘Tem quantia x na sua conta. Vá ao banco retirar e
entregar para o Marcelo (Fiche)’”, disse Anne. As comunicações entre ela e o
chefe transcorriam sempre por mensagens de texto no Skype, conforme comprovam
os documentos apresentados por ela.
Como é comum em situações desse tipo, Anne pediu anonimato a
ÉPOCA, por temer represálias num possível novo emprego. Pediu também que ÉPOCA
não publicasse uma reportagem sobre o assunto até que ela conseguisse receber
uma indenização da Partners. Em troca do anonimato, comprometeu-se a não
chantagear a Partners com o que contara a ÉPOCA, de modo a receber a
indenização que esperava – situação, infelizmente, também comum no mundo do
jornalismo. Anne, também em troca do anonimato, se comprometeu a repassar a
ÉPOCA uma cópia completa de seus extratos bancários e a colaborar com a
reportagem até o fim da apuração.
Nos últimos dois meses, ÉPOCA cumpriu sua parte no acordo.
Esperou que Anne recebesse o que ela dizia lhe ser devido em indenização
trabalhista. Manteve-a no anonimato. Anne, porém, passou a evitar os contatos
de ÉPOCA. Não disse quanto recebera posteriormente da Partners. Recusou- se a
fornecer os extratos bancários que prometera. Em seguida, disse que não fizera
isso porque fechara a conta que mantinha no Banco do Brasil. ÉPOCA descobriu
que isso não era verdade. Confrontada, ela não explicou seu comportamento. Diante
desse conjunto de fatos e a consequente quebra do acordo, ÉPOCA comunicou Anne,
há dez dias, que ela perdera a proteção do anonimato e que seu nome seria
publicado.
Apesar da súbita desistência dela em colaborar, ÉPOCA
descobriu evidências, nas últimas semanas, que reforçam a verossimilhança e a
consistência factual do depoimento de Anne. Durante semanas, o Ministério da
Fazenda negou-se a franquear acesso à íntegra dos documentos internos da Pasta
sobre o contrato com a Partners, como ordens de pagamento e as prestações de
contas da empresa. Em determinado momento, os documentos chegaram a ser retidos
no gabinete de Fiche. ÉPOCA conseguiu cópia dos papéis somente depois de
recorrer à Lei de Acesso à Informação. Os documentos, além de corroborar o que
Anne contara, revelam fortes evidências de que o contrato é superfaturado e
que, para receber além do que lhe é devido, a Partners frauda a prestação de
contas que apresenta todo o mês ao ministério. Há, ainda, indícios de que Fiche
nomeou uma prima e uma ex-namorada para trabalhar como assessoras da Pasta. A
facilidade com que a Partners extraía dinheiro da Fazenda demonstra, portanto,
que sobravam razões para os pagamentos de propina narrados por Anne.
Os documentos obtidos por ÉPOCA revelam que partiu
precisamente de Alencar, com a anuência de Fiche, a ordem para contratar uma
assessoria de imprensa para a Fazenda. Em setembro do ano passado, ambos
assinaram um “termo de referência”, em que argumentam que o serviço de
assessoria de imprensa da Pasta, até então feito por quatro funcionários com
cargos de confiança, precisava ser ampliado e profissionalizado, por causa da
alta demanda da imprensa. Nenhum burocrata se opôs. Tudo transcorreu
rapidamente. Em dezembro, a Partners venceu o pregão promovido pela Pasta,
mesmo sem apresentar seu balanço patrimonial, como determinava o edital. Ainda
em 2012, o Ministério da Fazenda assinou com a Partners o contrato de R$ 4,4
milhões por um ano de serviço. “A empresa apresentou os documentos
necessários”, diz o pregoeiro Idênes Silva.
Ao contrário de contratos semelhantes na Esplanada, em que o
governo paga pela mão de obra fornecida, o acordo assinado pela Fazenda com a
Partners previa o pagamento por horas trabalhadas. Estimavam-se 4.200 horas por
mês. No primeiro mês de contrato, a Partners contratou dez jornalistas para
trabalhar na Fazenda. Ainda em janeiro, Alencar foi nomeado fiscal do contrato.
Ele aprovou, em seguida, o primeiro pagamento mensal para a Partners. A
acreditar na prestação de contas aprovada por Alencar, cada um dos dez
jornalistas trabalhava, em média, 13 horas por dia – período distante das sete
horas por funcionário informadas pela Partners ao Ministério do Trabalho e à
Previdência.
Nos meses seguintes, o número de horas previsto pelo
ministério – e cobrado pela Partners – permaneceu o mesmo. Foram planejadas 300
horas para um “jornalista master”. Considerando um mês com 22 dias úteis, esse
profissional trabalhou quase 14 horas diárias. Em março, os funcionários
trabalharam, em média, 19 horas por dia. Como alguém percebesse que o número de
horas pago era fantasioso, a Partners passou a acrescentar contracheques de
novos funcionários. Os 13 funcionários de abril transformaram- se, ao longo dos
meses, em 21. A média de horas que cada um trabalhava, em tese, caiu para dez
horas diárias. Os funcionários que batiam ponto diariamente na Fazenda, porém, permaneceram
os mesmos. Quem eram os outros?
Eram fantasmas. Ao todo, aparecem na prestação de contas
nomes, valores dos salários e contracheques de 11 deles. Nenhuma dessas pessoas
trabalha ou trabalhou na Fazenda – ou sequer mora em Brasília. ÉPOCA ouviu quatro
funcionárias e uma ex-funcionária entre esses 11 profissionais listados pela
Partners. Três trabalham na Partners em Belo Horizonte, na assessoria de
imprensa da distribuidora de energia Cemig. “Estou assim... Nunca trabalhei no
ministério, não”, disse, após um longo silêncio, uma das funcionárias,
surpreendida pela informação. “Não sabia que meu nome estava na prestação de
contas do contrato com o ministério”, disse outra, que atende à Comissão de
Valores Mobiliários, no Rio de Janeiro. Em média, a Partnersnet recebe R$ 329
mil mensais da Fazenda e afirma gastar R$ 105 mil com salários. Na realidade,
os documentos revelam que a empresa gastou apenas R$ 63.700 com salários.
Enquanto Alencar sancionava as prestações de contas
fraudulentas da Partners, o diretor Vivaldo determinava, segundo Anne, o
pagamento das propinas. Depois da primeira entrega de R$ 20 mil a Fiche, em
abril, Anne disse que o pagamento seguinte, também a Fiche e igualmente feito
ao lado do gabinete do ministro, ocorreu logo depois. No dia 14 de maio, a
Partners depositou mais R$ 10 mil na conta de Anne. Num e-mail preenchido com
“suprimento” no campo do assunto, uma funcionária da Partners avisa a Anne que
o dinheiro foi transferido. Anexa o comprovante da transferência. Nesse caso, Anne
diz que sacou o dinheiro, como das outras vezes. Afirma que, sempre por
orientação do diretor Vivaldo, entregou o dinheiro a Alencar – segundo ela, ele
foi à sede da Partners receber seu envelope.
O último pagamento de propina, narra Anne, aconteceu no
começo de julho. No dia 2, o Ministério da Fazenda depositou R$ 237 mil na
conta da Partners no Banco do Brasil, em pagamento aos serviços prestados – e
aos não prestados também – no mês anterior. Dois dias depois, o diretor Vivaldo
escreveu a Anne no Skype: “Sacar amanhã cedo os 15 mil que entrarão na sua
conta hoje e entregar para o Humberto (Alencar) no MF (Ministério da Fazenda),
por favor”. Anne diz que sacou o dinheiro, mas que, como da vez anterior,
Alencar buscou o envelope na sede da Partners. “Depois dessa vez, disse ao
Vivaldo que não adiantava mais depositar dinheiro na minha conta”, disse Anne.
“Eu não faria mais nenhum pagamento.” No dia 25 de julho, quatro meses antes de
o contrato vencer, o Ministério da Fazenda enviou ofício à Partners perguntando
se a empresa estava interessada em renová-lo por mais um ano. A Partners
respondeu que estava.
Procurados por ÉPOCA, Alencar e Fiche negaram ter recebido
propina. Ambos negaram até já ter visto a secretária Anne, embora ela
frequentasse as dependências da Fazenda e apareça em fotos no Facebook em
frente ao gabinete do ministro Mantega, ao lado de uma dezena de funcionários,
na festinha que lhe fizeram em sua despedida da Partners. “Dinheiro? Acho que
você está falando com a pessoa errada. Cuido da parte administrativa do
gabinete”, disse Alencar, antes de desligar o telefone. “Ela (Anne) nunca
esteve no ministério. Nunca recebi dinheiro nenhum. Estou preparado para
processar quem sujar meu nome”, disse Fiche. “O Humberto é o fiscal do
contrato. Não boto a mão no fogo por ninguém.”
O diretor financeiro da Partners, Vivaldo, negou o pagamento
de propina. “Desconheço isso aí no momento”, afirmou. “Isso aí são outras
despesas. Com certeza. Entendeu? Isso é desembolso de caixa para outras
despesas da empresa em relação ao cliente. Isso aí, com certeza, é em relação a
alguns objetos, alguns reembolsos do cliente. Existe a prestação de serviço com
o cliente, e o reembolso de algumas despesas que são feitas com o cliente,
despesas de viagem, deslocamentos. Isso é com certeza algum reembolso que foi
feito.” Vivaldo disse não se recordar das conversas por Skype com Anne.
O empresário Dino Sávio, sócio e diretor executivo da
Partners, confirmou que a conta da secretária Anne foi usada para transferência
de dinheiro para Brasília, mas negou que o destino dos valores fossem
servidores do ministério. “Era dinheiro para despesas administrativas com a
execução do contrato em Brasília”, disse, sem especificar que despesas eram
essas. Sávio negou o pagamento de propina a servidores da Fazenda. “Não há
motivo para isso”, afirmou. Sávio disse que a empresa “cometeu um erro” ao
enviar ao ministério contracheques de funcionários que prestam serviços para a
Cemig e para a CVM no Rio.
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