Artigo de Marina Silva, publicado na Folha de S. Paulo
O Congresso aprovou, a presidente homologou e o projeto da
deputada Janete Capiberibe agora é lei: Chico Mendes é patrono do meio ambiente
brasileiro. A homenagem é adequada, Chico tem posição ímpar entre os defensores
do meio ambiente e tornou-se símbolo mundial da luta dos povos contra a
devastação.
Está aí, entretanto, o detalhe cuja profundidade poucos
alcançam. Chico Mendes falava da planície, da floresta, do meio da sociedade
civil. Diferente do ambientalismo clássico que muitas vezes reforça a oposição
entre homem e natureza, foi um dos fundadores do socioambientalismo, incluindo
a experiência e a luta das comunidades tradicionais que, na Amazônia, se
identificavam como povos da floresta.
Aos homens e mulheres "de Estado" é difícil, no
sistema político atual, ouvir até mesmo as estridentes vozes das ruas, quanto
mais as do campo e da floresta, muitas vezes caladas pela violência dos que
detêm fatias consideráveis desse mesmo Estado. Aí estão os protestos indígenas
contra a maioria do Congresso que dificulta a demarcação de suas terras. É
grande a resistência dos movimentos sociais contra o retrocesso nas leis e na
gestão ambiental. E são incontáveis as manifestações de insatisfação das
populações urbanas, castigadas por catástrofes que são mais políticas do que
ambientais, tão evidente se tornou o descaso, a falta de planejamento e o mau
uso das verbas para a prevenção.
O Estado faz-se de surdo. Nesta semana, 42 organizações
assinaram nota questionando a falta de representantes da sociedade no Conselho
Nacional de Política Energética, que decide em gabinete fechado, privilegia
projetos de alto impacto socioambiental e, no interesse de megaempresas,
despreza as fontes alternativas de energia limpa.
Permanece viva em minha memória a imagem de Chico Mendes,
com projetos de desenvolvimento comunitário nas mãos, nos corredores das
instituições, pedindo apoio de cientistas, ambientalistas, sindicatos, partidos
políticos, órgãos de governo. Chico ouvia a todos, buscava o diálogo,
valorizava a informação e unia a ciência aos conhecimentos tradicionais das
comunidades. Não se afastava dos companheiros da floresta, com quem mantinha
relação não apenas de fraternidade mas também de respeito à democracia no
debate e nas decisões.
Sei que o sentimento profundo do povo é de concordância e
gratidão pela homenagem do Estado brasileiro ao líder seringueiro, mas, ao
mesmo tempo, de severa crítica, pois os 25 anos da morte de Chico se dão em
meio a um grande retrocesso na política ambiental. Talvez seja necessário
esperar que uma nova geração de governantes faça valer na prática a homenagem
que hoje é apenas simbólica.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na versão
impressa da Folha de S. Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário