Eduardo Suplicy entrou agora no 24º ano consecutivo como
senador. Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), ele se diz otimista
com as chances de reeleição da presidente Dilma Rousseff e faz um balanço
favorável do que representarem os onze anos da agremiação no poder federal.
Pronto para mais uma campanha de reeleição, Suplicy sustenta, com o entusiasmo
de quem parece estar iniciando sua trajetória política, a bandeira da Renda
Básica de Cidadania, iniciativa que domina seu discurso e, nos próximos meses,
o levará para debates e palestras no exterior. O senador paulista conversou com
O POVO em dois momentos. A primeira parte quando de sua passagem por Fortaleza
na última segunda-feira, dia 13; a segunda, por telefone, na tarde da quinta,
dia 16. Confira a entrevista na íntegra.
O POVO – O senhor é autor de uma proposta que cria a Renda
Básica de Cidadania no Brasil, aprovada há dez anos pelo Congresso. O que falta
para ela ser, enfim, regulamentada?
Eduardo Suplicy – Estou, justamente, propondo à presidenta
Dilma Rousseff que designe um grupo de trabalho com o propósito de estudar as
etapas de implantação da Renda Básica de Cidadania, conforme prevê a lei.
Definir como iremos fazer a transição de um programa que tem sido tão positivo,
o Bolsa Família. Há condicionalidades importantes nele, que até podem ser
vistas como um processo educacional interessante.
OP – O que muda, então, em relação ao que há hoje como Bolsa
Família?
Suplicy – Claro que só compensaria instituir a Renda Básica,
inclusive para os beneficiários do Bolsa Família, se começássemos de um patamar
superior a esse de R$ 70,00. Digamos que comecemos com R$ 80,00 por mês e que a
presidenta chegue à conclusão, a partir de um grupo de estudos que possa
realizar um trabalho e dizer: precisamos pensar numa fonte de financiamento
adequado para que o Brasil pague efetivamente o que está previsto na lei. Ou
seja, uma renda que, na medida do possível, consiga satisfazer as necessidades
vitais de cada um, mesmo que começando de um nível modesto. Digamos, o que
seria algo um pouco maior do que garante hoje o Bolsa Família, R$ 80,00 por
mês. Então, se surgir essa fonte de financiamento poderá ser objeto deste grupo
de estudos e, claro, com o tempo necessário, a partir de janeiro do ano tal,
quando se estiver pronto para isso, a presidenta, os governadores, os
prefeitos, anunciarão que todas as pessoas residentes neste município, neste
Estado, no Brasil, passaremos todos a receber, digamos, R$ 80,00 per capita, um
dia será R$ 100,00, um dia R$ 200,00, um dia R$ 500,00, um dia R$ 1.000,00,
mais e mais com o progresso da Nação a ninguém será negado. Até para aqueles
que recebem mais? Até para o Pelé, a Xuxa, o senador Eduardo Suplicy, o
governador Cid Gomes, para o mais bem sucedido empresário brasileiro, Antonio
Ermirio de Moraes, para a presidenta Dilma? Sim. Evidentemente que os mais têm
contribuirão mais para que todos nós venhamos a receber. Será muito mais
simples de todos compreendermos, eliminaremos qualquer tipo de burocracia
envolvida no sentido de buscar saber quanto cada um ganha no mercado formal ou
informal; eliminaremos o estigma ou sentimento de vergonha da pessoa precisar
dizer que só recebe tanto e por isso merece um complemento de renda;
eliminaremos o fenômeno da dependência que acontece quando se tem um sistema
que diz que quem não recebe até patamar tal tem dinheiro a receber um
complemento e a pessoa está por decidir se inicia uma atividade que vai lhe
render um montante ‘x’, mas se iniciá-la e receber aquele montante e vier o
governo e me retirar o que eu recebia naquele programa, talvez, então, a pessoa
opte por desistir dela e entre na armadilha da pobreza ou do desemprego. Se
iniciarmos da renda básica em diante, ao contrário, sempre haverá o estimulo ao
progresso.
OP – O senhor tem ideia de quanto custaria, hoje,
implementar no Brasil o programa da Renda Básica?
Suplicy – Permita apenas que eu aponte a maior vantagem, que
é do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano. Do ponto de
vista de que de que se o desenvolvimento for para valer deve significar maior
grau de liberdade para todos, para a jovem que por falta de alternativas para o
sustento de seus filhos resolve vender seu corpo, para o jovem que pela mesma
razão resolve se tornar aviãozinho da quadrilha de narcotraficantes, e tantas
pessoas mais que às vezes vemos se submetendo a condições de trabalho que
lembram a escravidão. Estas pessoas, uma vez que houver a renda básica para si
e para todos na sua família, ganharão o direito de dizer ‘não’ diante de uma
única alternativa que por ventura surja que possa ferir a sua dignidade,
colocar a sua saúde e vida em risco.
OP - Senador, apesar de todas as explicações que o senhor
apresenta sobre a ideia, as pessoas perguntam: por que pagar renda mínima para
quem não precisa? Como o senhor responde a elas de forma objetiva?
Suplicy – Há extraordinárias vantagens, até para essas
pessoas que têm mais e poderiam até abrir mão de receber, isso pode acontecer.
Mas, essas pessoas devem saber que para pagar a todos, claro, haverá um custo
bem maior do que hoje corresponde ao orçamento do Bolsa Família. O Bolsa
Família teve, em 2013, um orçamento de R$ 24 bilhões e, certamente, neste ano
ainda haverá um reajuste e deve passar de R$ 25 bilhões. Pagando-se R$ 70,00 ou
R4 80,00 para 201 milhões de brasileiros e brasileiras, inclusive para
estrangeiros com cinco anos ou mais de residência no País, conforme diz a lei,
pelos meus cálculos daria um valor seis a sete vezes mais do que o programa
Bolsa Família...
OP – De onde viria esse dinheiro?
Suplicy – Dai porque se deveria pensar bem quanto à fonte de
financiamento. Ora, o princípio é que de qualquer fonte gerada numa comunidade,
num município, num estado ou num país, teriamos que separar o suficiente para
ter esses recursos. Vamos supor o caso aqui de Fortaleza, que tem uma receita
muito significativa na área do turismo. Suponhamos que se dissesse a todos nós
que visitarmos a cidade que iriamos contribuir com uma experiência inédita no
Brasil. Digamos que o prefeito e os vereadores resolvam iniciar aqui uma
experiência pioneira, que poderia ser das riquezas geradas no Ceará e citemos o
turismo, pela força local que apresenta. Poderia haver uma boa vontade dos
turistas ao saber, digamos, que ao pagar os serviços de hotelaria,
restaurantes, aquilo que é próprio de suas programações de visita, soubessem
que parte dos recursos está sendo destinada a se financiar uma renda básica
para toda a população de Fortaleza. Para todos, a ninguém será negada por todas
as vantagens que acabo de descrever. Quando, no estado do Alaska, o governador
propôs, em 1976, que se separasse 25% dos royalties decorrentes da exploração
dos recursos naturais para instituir um fundo que perterceria a todos, sugeriu
um debate e uma votação. O resultado é que 76 mil pessoas votaram sim e 38 mil
votaram não, ou seja, na base de dois para um venceu (a aprovação do fundo).
Recentemente houve um novo referendo no Alaska e mais de 80% da população votou
pela sua continuidade e hoje se considera suicídio político no estado propor o
fim de um sistema que já dura trinta anos. A cada ano se paga no Alaska um
rendimento igual a todos os, hoje, 700 mil habitantes, e uma pessoa que ganhe
extraordinariamente bem pode até não preencher o requerimento que a cada
período entre 1º de janeiro e 31 de março todo cidadão tem o direito de
preencher informando nome, endereço, qualificação, dizendo há quanto tempo
reside ali, sem a necessidade de dizer qual seu rendimento, patrimônio etc.
Feito isso, lá pelo final de setembro, por transferência eletrônica ou cheque
enviado à própria residência, o cidadão vai recebendo 300, 400, 500 até o valor
máximo de 3.264 dólares anuais, o que fez do Alaska, em trinta anos, o mais
igualitário dos 50 estados norte-americanos. Deu certo, portanto, e, hoje, há
experiências locais positivas, em pequenas escalas, que têm acontecido na Namíbia,
em Uganda, na Índia. No Irã, acho que foi no ano de 2010, o governo resolveu
criar uma lei para extinguir os subsídios aos combustíveis, como gasolina, óleo
diesel, produtos que tinham preços muito mais baixos no país do que nos
vizinhos. Era muito subsidiado. Obviamente, quem usa mais o transporte são as
pessoas de maior rendimento, mas, ao elevar-se significativamente o preço e
terminar o subsídio, também houve um impacto importante para o pessoal da baixa
renda. O que fez o governo, então? Resolveu pagar aos 75 milhões de iranianos
40 dólares por mês, o que veio a beneficiar objetivamente muito mais a
população de menor renda. Preciso ir ao Irã para entender melhor como está
sendo feito, faltam-me ainda algumas informações, mas em 2012, parece, o governo
pediu às 12 milhões de pessoas com maior renda que abrissem mão voluntariamente
para continuar a universalidade do sistema. Parece que houve ali um pouco de
problema econômico.
OP – Existem outros modos de distribuir renda senador...
Suplicy – Claro.
OP – Por exemplo, o sistema de cobrança de impostos no
Brasil é bastante injusto. O senhor é economista e sabe, há taxas enormes em
cima do consumo e há menos taxas sobre renda, lucro etc. Não seria uma forma de
se fazer a correção, por que tão pessoas investem neste lado do problema?
Suplicy – Justamente, o grupo que estou propondo à
presidenta Dilma Rousseff que forme poderá estudar as inúmeras alternativas
para financiar a Renda Básica de Cidadania...
OP – Independentemente...
Suplicy – Uma alternativa seria um Imposto de Renda mais
progressivo ou, até, um imposto sobre grandes fortunas.
OP – Independente da proposta de renda básica, senador.
Suplicy – Mas, no caso do Alaska, por exemplo, quando se fez
com que 25% dos recursos decorrentes da exploração de recursos naturais fossem
destinados a um fundo que pertence a todos, este percentual, caso não tivesse
ganho esta destinação, provavelmente iria para os proprietários de grandes
empresas petrolíferas ou de recursos de exploração de recursos minerais que,
por sua natureza, seria altamente concentrado. Então, foi uma forma de
equalizar mais a renda, ou seja, é possivel caminhar mais na direção de ter um
sistema tributário mais progressivo, mas uma forma racional é distribuir uma
renda igual para todos. Claro que a distribuição de uma renda igual suficiente
para atender às necessidades de cada um precisa ter como complementação
políticas públicas, prover melhor oportunidade de educação para todas as
pessoas, de forma universalizada, também uma boa assistência à saúde e outros
instrumentos que assegurem maior equidade para toda a população.
OP – Vamos discutir política em outra perspectiva. O senhor
desde 1978 que tem mandatos...
Suplicy – Sou representante do povo.
OP – Enfim, foi vereador, deputado federal, é senador há
três mandatos etc. A política, dentro deste tempo em que o senhor atua dentro
dela, com mandatos, vive o seu pior momento? É correta a compreensão nesse
sentido que muitos apresentam hoje na sociedade?
Suplicy – A política sempre esteve sob crítica, mas é
importante ver que a população sempre reagiu à maneira de nós melhorarmos a
estrutura, a vida pública brasileira. Nós vivemos vinte anos de uma ditadura,
de um regime militar que deixou episódios tristíssimos, mas fomos capazes de
transformar as instituições e, inclusive, por meios não violentos. Quero sempre
conclamar os movimentos sociais, os jovens, inclusive aos Black Blocs, ao
Anônymus, que procurem sempre seguir os exemplos e as recomendações de Leon
Tostói, Mahatma Ghandi, Marthin Luther King, no sentido de não aceitar aquela
ideia de alguns de que as coisas se modificam com o tempo. É importante que
consigamos transformar as instituições por meio da não violência. Agora, é
preciso que no âmbito político-eleitoral os partidos se dêem conta da
necessidade urgente de transformar, apoio integralmente o diagnóstico e apelo
do Movimento por Eleições Limpas e Contra a Corrupção, que propõe o fim das
contribuições de pessoas jurídicas e a limitação das doações de pessoas físicas
para cada pleito. Proponho o limite de R$ 1.700 por pessoa para cada pleito e,
por exemplo, no caso agora de 2014, quando teremos eleições para presidente,
governador, senador, deputado federal e deputado estadual, seria R$ 1.700 como
limite para cada uma das campanhas por pessoa. Acho que também precisa aumentar
a parte do financiamento público, mas o essencial é que se garanta a
transparência ao longo do processo eleitoral e não somente depois dele, quanto
à natureza das contribuições. Ao lado do senador Petro Taques (do PDT do Mato
Grosso) apresentei uma proposição segundo a qual em, 15 de agosto, 15 de
setembro e no primeiro sábado antes do dia da eleição, que este ano acontecerá
em 5 de outubro, cada partido e candidato deve colocar na sua página eletrônica
todas as contribuições de qualquer natureza recebidas para financiar sua
campanha. Assim o eleitor poderá saber, e até eventualmente comparar
visualmente, o que foi o gasto de cada um em relação às contribuições
efetivamente realizadas.
OP – Há uma ideia no Nordeste, senador, de que existe uma
elite paulista que tem uma visão muito centrada no estado, naquela velha
compreensão de que São Paulo comanda a Nação etc e que seria, até,
antinordestina. O senhor que faz parte dessa elite, pela origem e não pela
política, vê de que forma a questão? Existe mesmo essa ideia de que o
desenvolvimento deve se dar por São Paulo?
Suplicy – Não sinto que haja da parte de nós paulistas, por
exemplo, estou no Senado, representando São Paulo, ao lado de Aluizio Nunes
Ferreira (do PSDB) e de Antonio Carlos Rodrigues (do PR), que assumiu em função
da licença da Marta Suplicy para assumir o ministério da Cultura, e nosso
sentimento ali tem sido de dialogar respeitosamente com todas as bancadas. Mas,
também, de resguardar o estado de São Paulo porque, às vezes, as formas de
criação de incentivos fiscais, creditícios, acontecem de uma maneira a
dificultar a continuidade do nosso desenvolvimento. É preciso que prevaleça uma
visão de harmonia, uma visão que permita ao estado de São Paulo continuar a se
desenvolver dentro de um processo de integração cada vez maior com todos os
demais estados brasileiros. Acho que uma proposta tal como a que defendo de
Renda Básica de Cidadania seria extremamente benéfica, acredito, para todos de
qualquer região do Brasil.
OP – O senhor é sempre muito elegante nas respostas, mas
qual sua opinião sobre a atitude do presidente da Federação das Indústrias de
São Paulo (Fiesp), Paulo Skaff, de ir à justiça contra o aumento do IPTU em São
Paulo?
Suplicy - Com todo respeito ao Paulo Skaf, com quem tenho
tido diálogo respeitoso, mas acho que os empresários paulistanos, os
industriais e comerciantes, precisam perceber que há certas medidas de reforma
do sistema tributário, inclusive do IPTU, que merecem a visão de maior equidade
e maior justiça fiscal. A proposta do prefeito Fernando Hadad (do PT) é,
justamente, de evitar um aumento alto do tributo em lugares mais pobres, até
baixando-o em alguns casos, aumentando um pouco mais, sem exagero, nos bairros
ou para estabelecimentos localizados em áreas melhores de São Paulo, já
beneficiadas por uma estrutura financiada por receitas municipais. É uma
questão de equidade, mas, acho, o presidente Paulo Skaf não entendeu isso
suficientemente...
OP – São realidades diferentes, claro, mas o senhor está
informado de que, em Fortaleza, o PT está do outro lado da trincheira? Ou seja,
foi à justiça contra reajuste de IPTU proposto pela administração municipal.
Suplicy – Não conheço bem qual é a proposta de IPTU da
prefeitura municipal de Fortaleza, mas acho que o PT deve estar defendendo,
também, uma equidade na forma de arrecadar os recursos, cobrando-se de quem tem
mais o suficiente para prover e equilibrar tudo que acontece em Fortaleza.
OP – Voltando um pouco a São Paulo, senador, o senhor acha
que existe um boicote à gestão Fernando Hadad, que parte da elite, da oposição
não saberia apontar exatamente de onde. Recentemente, o Tribunal de Contas do
Município proibiu a criação de corredores de ônibus, tem a história do IPTU...
Suplicy – Você sabe que o PT, ao vencer as eleições
municipais, uma vez em 2000 e agora em 2012, modificou a estrutura política e o
balanço dos agrupamentos em São Paulo. É natural, por isso, que aconteça uma
disputa bastante grande e que se espere críticas e oposição. É importante,
também, destacar a maneira habilidosa como ele vem procurando ouvir a todos com
muito respeito, inclusive as entidades empresariais, da indústria e do
comércio, e as entidades populares. Os movimentos populares não dão trégua, o
movimento por moradias populares tem realizado enormes manifestações nos
últimos dias na zona sul de São Paulo. Graças às atitudes do prefeito de tentar
ouvir a todos ele está conseguindo harmonizar toda a situação com grande
habilidade. Fernando Hadad, por exemplo, realizou um processo, pela primeira
vez, de eleições de conselheiros municipais em todos os bairros e distritos de
São Paulo. São núcleos que começam a se reunir agora, em janeiro, dentro de um
processo novo, de maior participação nas decisões administrativas. Esse é um
procedimento que vai colaborar para que as decisões tomadas sejam melhor
aceitas.
OP – O senhor falou antes nos black blocs e no Anonymus,
movimentos muito vinculados às grandes manifestações do ano passado que
aconteceram em todo o País. Já deu para entender tudo aquilo que aconteceu?
Qual é o fenômeno e para onde ele pode nos levar?
Suplicy – Tenho procurado conversar... Logo quando aconteceu
aquela manifestação de junho procurei saber quem eram algumas das pessoas e
marquei um encontro, na padaria que há em frente à Câmara Municipal de São
Paulo, com duas jovens que são lideranças, na verdade elas não se identificam
assim, dizem que o movimento é horizontal etc, e conversei longamente com elas.
Falei das minhas propostas, como o da renda básica, elas viram com simpatia e
tudo. A partir daquele momento elas foram convidadas para o Conselho Municipal,
participaram, a partir do diálogo houve a diminuição das tarifas em R$ 0,20,
foram ainda a Brasília, chamadas pelo Palácio do Planalto, para dialogar. Há um
mês a revista Época me pediu que escrevesse um artigo sobre uma dessas moças,
apresentando-a entre as 100 personalidades que mais contribuiram para
transformar o Brasil em 2013, a procurei e ela alegou que não poderia falar
(como liderança), e tive de escrever de uma maneira muito prudente e
respeitosa. Está lá publicado na edição de dezembro, podem ver um artigo meu
sobre a Mayara. Enfim, o que quero dizer é que tenho procurado dialogar com
esses movimentos diretamente e essas recomendações da não violência eu fiz a
todas elas. Como me disseram que entre as metas de 2014 está parar a Copa
lembrei que o futebol é algo que o povo brasileiro ama. É importante que isso
seja levado em consideração.
OP – O senhor, que é filiado ao PT desde a fundação,
considera que a experiência de Poder no País, que acaba de completar onze anos,
trouxe quais transformações para o partido? Boas e más.
Suplicy – Considero que o Partido dos Trabalhadores
conseguiu, no Governo, atingir grande parte das metas traçadas de combinar o
crescimento econômico com a realização de maior justiça social, incluindo a
população brasileira. Considero que isso está caracterizado nos dados do que
aconteceu desde o ano 2002 até hoje. Outro sentido importante é que o governo
contribuiu, em grande parte para que haja uma maior participação de todos os
segmentos da população nos destinos da Nação brasileira, seja no que é feito
com os recursos públicos, como também quanto aos princípios de procurar
assegurar maior transparência e participação da sociedade. Desde os movimentos
sociais que, até então, tinham acesso muito restrito ao Palácio do Planalto,
aos presidentes da República, como os próprios empresários. Tanto o presidente
Lula como a presidenta Dilma Rousseff sempre têm buscado dialogar, de maneira
muito significativa. Houve problemas, claro, e nós que sempre fomos muito
rigorosos e exigentes no trato da coisa pública, quando aconteceram os
episódios de procedimentos inadequados, de desvios de comportamento ou qualquer
ação, os responsáveis acabaram sendo afastados pela presidenta Dilma. Agora, é
preciso salientar que todos nós aprendemos com tudo que acontece em nossa vida
e, claro, nós, do Partido dos Trabalhadores, também temos muito a aprender
durante nossos governos. Se erros forem cometidos temos que pensar como
preveni-los e como acertar melhor.
OP – O episódio do mensalão, por exemplo, que não diz
respeito ao atual governo, mas é de uma gestão do PT...
Suplicy – É, do PT.
OP – Quais lições o episódio deixa? O senhor entende que o
PT cometeu os erros pelos quais está sendo punido, teve líderes importantes
condenados etc.
Suplicy – Nós queremos assegurar que cada um dos denunciados
na alção penal 470, também denominada de mensalão, tenham o completo direito de
defesa assegurado. E, pelo que percebemos, nas palavras de alguns dos
principais envolvidos, como o próprio ex-ministro e ex-deputado José Dirceu, o
ex-presidente e ex-deputado federal José Genoíno, o deputado federal João Paulo
Cunha, o Delúbio Soares, que foi tesoureiro do partido, tudo que aconteceu com
eles para nós representou uma dificuldade imensa. Todos nós sofremos com todo
aquele processo de julgamento. Nas palavras deles e de seus advogados, nem tudo
que foi colocado na defesa foi efetivamente considerado, mas, de qualquer
maneira, é importante se respeitar as instituições, a justiça em nosso País.
Agora, tendo em conta que estão ali petistas para cumprir suas penas, todas
elas, pelo que lembro e entendo, estão no regime semiaberto, o que significa a
possibilidade de realizarem trabalho, salvo engano, com a regra de poderem sair
às 8 horas da manhã do local onde estão detidos e voltar às 18 horas, ou algo
assim. No caso do Genoino, em virtude do seu problema de saúde, ele terá
direito, acredito, a prisão domiciliar...
OP – O senhor entende, como setores do PT, que a justiça tem
sido mais rigorosa dentro do processo com as pessoas filiadas ao partido?
Suplicy – Com os membros do PT houve o rigor máximo,
especialmente pelo presidente (do Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa,
que conduziu o julgamento. Mas, cabe agora assegurar o pleno direito de
esclarecimento, de defesa, acho que a história poderá revelar mais
aprofundadamente tudo que aconteceu e acho importante que seja dada a cada um
deles a oportunidade de realizar uma atividade produtiva, construtiva, e
acredito que eles venham a se recuperar. Todos têm uma experiência de vida e
uma dedicação ao partido, ao País e aos objetivos maiores de construção de uma
sociedade justa, de coisas boas para o Brasil que, acho, é reconhecido por
todos, até pelos adversários maiores, que exigiram o julgamento mais rigoroso.
Outro dia assisti pela televisão ao discurso formulado pelo deputado João Paulo
Cunha, ouvido com muita atenção pelo plenário da Câmara, quando ele teve a
prisão determinada, foram 45, 50 minutos e pessoas como o deputado Inocêncio
Oliveira, ex-presidente da Câmara como ele, que fez questão de apresentar um
aparte para registrar que por tudo que conheceu a partir da convivência entre
os dois na mesa diretora, João Paulo foi sempre correto, transparente. É um
exemplo. Da parte do Genoino temos ouvido pessoas de todos os partidos
reconhecendo que ele teve uma vida extremamente difícil, depois de lutar pela
redemocratização, fazer parte até do movimento no Araguaia, ser preso, ser
objeto de perseguição, tortura, e sou testemunha que desde quando se
transformou em parlamentar e passou a frequentar minha casa apresenta um padrão
de vida em nada caracterizado como enriquecimento ilícito. Da mesma forma que o
João Paulo Cunha.
OP – Qual a compreensão pessoal do senhor sobre tudo aquilo?
É caixa 2? É compra de voto?
Suplicy – Fui membro da Comissão Parlamentar de Inquérito
que ouviu essas pessoas e, por exemplo, o então tesoureiro do PT, Delúbio
Soares, quando depôs, reconheceu a utilização de recursos não contabilizados,
ou seja, o caixa dois. O próprio Lula, na oportunidade, observou que era uma prática
que acontecia com outros partidos. O que não ficou tão claro é em que medida
houve o chamado mensalão para que parlamentares fossem pagos para votar de
acordo com o governo. Dúvidas surgiram sobre isso, até porque parlamentares do
próprio PT, que, por tudo que conhecemos, nunca pediriam recursos para votar.
Esta é uma questão que não ficou tão evidenciada.
OP – O certo é que o senhor sempre defendeu a investigação
em qualquer circunstância, inclusive no meio da crise, naquelas horas mais
difíceis. Chegou a assinar um pedido de investigação...
Suplicy – É fato que, em abril ou maio de 2005, tinha
ocorrido o primeiro vídeo, aquele que flagrava um diretor dos Correios e um
assessor do Valdomiro Diniz passando dinheiro um para o outro. Tudo filmado. Quando
isso surgiu detonou-se a solicitação de apuração dos episódios naquilo que se
denominou requerimento da CPI dos Correios. Houve uma reunião do diretório
nacional que recomendou que os parlamentares do PT não assinassem. Acontece que
quando isso aconteceu, houve uma pressão enorme da opinião pública porque nós
sempre éramos a favor das apurações, algo que pudesse significar um
comportamento irregular, um mal feito. Na bancada do PT, salvo engano, éramos
13, havia uma divisão e numa proporção de sete contra seis defendiamos
investigar. Porém, diante da orientação do diretório houve uma decisão de que
assinaríamos caso ficasse inevitável a CPI. Veio então o dia seguinte e, olha,
há dias em que recebo 200, 300 e-mails, em situações de grande atenção o número
ultrapassa os 1.000, mas, neste dia chegou a maior enxurrada de mensagens que
já recebi. Todos conclamando que eu assine. Além disso, eram ligações a cada
10, 15 minutos, de gente perguntando se eu não assinar. Até de minha
companheira, Monica Dallari, recebi um telefonema, das pessoas assim, queridas,
da maior afetividade, na minha própria equipe. Daí aconteceu uma longa tarde de
debates, quando foi à tribuna o senador Pedro Simon (do PMDB-RS), com quem me
dou muito bem, historicamente, e disse: senador Suplicy, por tudo que fizemos
juntos, todos esses anos, agora que aparece isso espero que você assine o
requerimento da CPI dos Correios. E foi tal a energia na sociedade brasileira
para que assinasse que eu, de fato, pela primeira e única vez, assinei um documento
contra recomendação em contrário do diretório nacional. Era fevereiro, março,
daquele ano, e aconteceu que o Delúbio Soares tinha me convidado para fazer
parte da chapa do Campo Majoritário. Disse que aceitava e, então, integrava a
composição que seria liderada pelo então candidato a presidente José Genoino.
Quando aconteceu de assinar o requerimento o Delúbio voltou a me procurar e fui
até ele, na sede nacional do PT, em Brasília, quando tivemos um diálogo e fui
informado que em virtude de minha posição o grupo tinha avaliado que não era
mais o caso de integrar a chapa. Perguntei se podia explicar, mas ele disse que
todos já tinham ouvido meu discurso e não precisava mais explicar (risos).
Aconteceu de, no final de semana seguinte, vir a entrevista do Roberto
Jefferson, que resultou num novo pedido de CPI...
OP – Foi quando a história do mensalão, inclusive o termo,
foi introduzido no debate.
Suplicy – Exato. A primeira CPI foi a dos Correios e veio um
novo pedido, mas o certo é que a entrevista do Roberto Jefferson causou tal
efeito que a própria direção nacional falou que era melhor assinar. Então
aconteceu a assinatura do chamado mensalão, até o então líder da bancada no
Senado, Delcídio Amaral, tinha dito que não havia gostado da minha primeira
assinatura, mas no segundo caso iria assinar em consenso com o diretório
nacional. Foi ele, inclusive, quem presidiu a CPI do Mensalão. Não houve, além
da exclusão do meu nome da chapa do Campo Majoritório no diretório, qualquer
outra sanção do PT contra mim. Tanto é assim que em 2006, por consenso, fui
indicado para buscar meu terceiro mandato no Senado. Note bem que na
oportunidade disputarem prévias para candidatura ao governo de São Paulo o
Aloizio Mercadante e a Marta Suplicy. Houve, na época, mais de 20 reuniões nas
zonais, do interior e da capital, onde se preparava para o debate entre Marta e
Aloizio. O presidente estadual, salvo engano era o Paulo Frateschi, a cada
reunião informava que eu teria 10 minutos para expor minhas intenções como
candidato ao Senado e em seguida viriam a Marta e o Aloizio, como
pré-candidatos. Sempre fiz questão de dizer que era candidato mais uma vez, mas
considerava legítimo que qualquer filiado também buscasse a indicação, dispondo
a fazer debate e disputar prévia. Nunca nenhum membro do PT se dispôs, houve
uma vez uma ocasião em que o vereador Arselino Tato cogitou. Depois, porém, ele
próprio me procurou para falar que não iria. Agora mesmo, quando expressei
estar colocando meu nome à disposição para um quarto mandato, a base do partido
tem sido fortemente favorável à ideia.
OP – O senhor entrou no 24º ano consecutivo como senador e,
ao longo de tanto tempo, protagonizou algumas situações excêntricas. Já mostrou
cartão vermelho da tribuna para o então presidente do Senado, José Sarney,
costuma cantar nos microfones do plenário, certa vez vestiu uma sunga de
super-herói sobre o terno incentivado pelo pessoal do programa Pânico na TV. Há
algo do qual hoje se arrependa?
Suplicy – O episódio do Pânico, com a Sabrina Sato, foi o
seguinte: era ali por volta de seis e meia da tarde e eu tinha um compromisso
em São Paulo. Na saída do plenário apareceu a Sabrina Santo e equipe, com cerca
de 20 pessoas no entorno deles, e ela falou que precisava me entrevistar.
Expliquei que precisava sair rápido porque estava de saída para São Paulo, ela
alegou que era só uma pergunta e questionou se eu tinha um objetivo muito
grande na vida, pela qual batalho muito etc. Disse que sim, que ela já havia
conversado comigo e sabia de minha luta para ver instituída a renda básica da
cidadania. Ela disse, então, que eu era o seu super-herói etc (risos) e que
pretendia me dar um presente. E, exatamente, o assessor dela tirou da bolsa lá
um calção de super-herói, agradeci etc. Só que ela alegou que queria que eu
vestisse, mas argumentei que a última vez que um parlamentar havia vestido uma
roupa de baixo, como ela queria, perdera o mandato. Mas ela disse que eu estava
de terno, era só uma brincadeira, podia vestir por cima da calça. Resolvi
fazer. No dia seguinte, porém, sai na primeira página do jornal a foto e já uma
manifestação do senador Romeu Tuma, então corregedor, de que iria verificar se
havia ferido o decoro parlamentar. Fui fazer umas palestras em Araraquara,
lembro bem, e todo mundo, professores, estudantes, queria saber do episódio, o
que iria acontecer e tal. Refletindo, então, resolvi telefonar para o produtor
do Pânico, uma pessoa que trabalhava na rádio Jovem Pan, expliquei que tinha
procurado atender com todo o respeito, simpatia, mas era possível que o
epísódio me causasse algo que de maneira alguma estava pensando. Pedi, então,
que o material não fosse colocado no ar e ele, muito gentilmente, disse que me
respeitavam e convidou para eu ir ao estúdio onde estavam editando, assistir,
comprometendo-se a não passar caso eu considerasse que não deveria. O certo é
que, de fato, eles não veicularam. Então, com relação a esse episódio.....
OP – O senhor se arrepende?
Suplicy – Como eu disse na hora à Sabrina, seria melhor não
ter vestido... Mas, foi um ato de simpatia a ela, não teve nada grave.
OP – O senhor tem um bom relacionamento com a população das
periferias, especialmente de São Paulo. Então, qual sua opinião sobre o
fenômeno dos rolezinhos? Os governos, as polícias, estão lidando com eles de
maneira adequada?
Suplicy – Minha recomendação aos shoppings centers é que, ao
invés de solicitar à justiça que condene os jovens, como aconteceu outro dia em
São Paulo, a pagar R$ 10 mil porque fez um rolezinho... É uma contradição com
os princípios constitucionais, com o direito de ir e vir. Esses jovens
comparecerem aos shoppings para estar lá passeando, se reunirem numa boa, desde
que seja respeitando, que não estejam causando depredações, se não estiverem
realizando assaltos, roubos aos clientes, se é uma questão apenas de visitarem
o local, de ali ouvirem uma música, se confraternizarem, é um direito
constitucional porque os shoppings, afinal, são espaços abertos e públicos.
Acho que o que pode haver é um diálogo dos responsáveis dos governos,
municipais especialmente, procurando prover espaços adequados aos jovens. Tenho
observado que nas justificativas dos rolezinhos está colocado que eles nem
sempre têm espaços agradáveis suficientes para se reunirem.
OP – Nós tivemos uma discussão recente muito forte sobre o
público e o privado em torno da questão das biografias. O senhor é um homem
público, houve um episódio em que sua vida pessoal acabou exposta, na separação
com a ex-prefeita, hoje senadora licenciada e ministra da Cultura, Marta
Suplicy. Duas pessoas públicas, portanto. Como o senhor entende essa separação
entre o público e o privado?
Suplicy - Sinceramente, entendo que as biografias devem ser
livres. Agora, cabe responsabilidade a cada autor de procurar respeitar a
pessoa, procurá-la, também, e revelar os fatos de cada um, primeiro, que sejam
verdadeiros. A dificuldade está quando o autor acaba escrevendo algo não
verdadeiro e sem, até, como aconteceu algumas vezes, consultar o biografado
para saber se o que aconteceu foi de fato aquilo.
OP – Do ponto de vista do noticiário, já em relação à
imprensa, recorrendo de novo ao seu exemplo pessoal, o episódio da separação do
senhor com a ministra Marta foi tratado com correção, respeito?
Suplicy – Nunca considerei que a revelação da minha
separação com a Marta tivesse algo de desrespeitoso. Pra mim foi um episódio
difícil, eu era senador e ela prefeita, tinha acabado de participar
intensamente da campanha para eleição dela etc. Foi um episódio muito difícil
pra mim, para os meus filhos, mas encarei isso como uma das coisas que
acontecem na vida e respondi às perguntas que me foram feitas, a Marta também,
que era prefeita, era procurada diariamente pela imprensa, é a mãe querida dos
meus filhos, temos diálogo até hoje, e, ademais, somos até colegas senadores.
Confira vídeo em que o senador Suplicy canta, para diretores
e jornalistas do O POVO, Father and son, de Cat Stevens, e Blowin' in the Wind,
de Bod Dylan. Clique aqui.
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