Por Arituza Timbó, direto de Fortaleza, Terra
O professor universitário, consultor de empresas e escritor
Gonzaga Mota, 70 anos, não pensa em se aposentar. O economista, apaixonado por
futebol, ostenta em seu escritório bandeiras do time do coração, o Flamengo, e
não nega o bem querer pelo time cearense Ferroviário. Reconhecido por muitos
pela sua atuação como governador do Ceará, Gonzaga vive ainda a ignorância de
alguns, que não associam sua atuação política a dois fatos que marcaram os
últimos 25 anos do século XX: a redemocratização do Brasil e a relatoria do
projeto que criou Plano Real. Veja a seguir os principais trechos da entrevista
ao Terra, neste especial sobre os 30 anos da posse dos primeiros governadores
eleitos diretamente após o golpe de 1964.
Terra - Como o senhor se tornou governador do Ceará?
Gonzaga Mota - Por sugestão do então ministro Mário Henrique
Simonsen ao governador eleito Virgílio Távora fui convidado e aceitei coordenar
o Segundo Plano de Metas Governamentais (1979-1982). Após a conclusão do texto – realizado por uma
equipe de técnicos cearenses – assumi a Secretaria de Planejamento do Estado.
Saí da pasta para me candidatar a deputado federal, mas em meados de março, de
1982, vi que minha candidatura era inviável porque não tinha condições
logísticas para fazer uma campanha de deputado federal. Então, desisti.
Comuniquei ao governador Virgilio Távora. E retornei a minha carreira de
origem, que era de técnico do Banco do Nordeste. Antes disso, havia uma disputa
muita intensa na candidatura ao governo do Ceará pelo Partido Democrático
Social (PDS) entre Adauto Bezerra e Aécio de Borba - dois homens de bem, mas a
disputa estava muito grande. Depois de reuniões em Brasília, com o ministro
Leitão de Abreu, então chefe da Casa Civil, foi constatada a necessidade de um
tércius para unir o partido. Esse tércius fui eu.
Terra - Acordos políticos foram firmados para sua campanha?
Mota - Passei a trabalhar com as três forças políticas do
Ceará: a do governador Virgílio Távora, de Adauto Bezerra (meu vice) e do
ministro César Cals. Durante a campanha, trabalhei normalmente, comecei a fazer
viagens, principalmente com Virgilio, que era candidato ao Senado. Em 15 de
novembro de 1982, fui eleito com a maior votação relativa do Estado do Ceará,
com apoio das três lideranças do PDS.
Terra - Quais foram suas principais dificuldades durante o
governo?
Mota - Minha grande dificuldade foi administrar as três
tendências, de tal maneira que não contrariasse as bases de cada um. Mas tive
uma assessoria de um grande amigo, Aldenor Nunes Freire – já falecido – que foi
de uma amizade e lealdade fantástica. Eu era neófito em política, com 38 anos,
e me saí bem. Consegui contornar - com muita dificuldade – com ajuda do
Aldenor.
Terra - Como foi sua
atuação no início da campanha das Diretas?
Mota - Eu era muito ligado ao vice-presidente Aureliano
Chaves. Fui o único governador ao lado dele no início do processo de
redemocratização que teve a coragem de ir à Sudene (Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste) defender o nome de Tancredo (Neves) para presidente
da República. Nessa época, tive uma boa amizade com Ulysses Guimarães. Fomos eu
e Aureliano que criamos a dissidência do PDS. A partir daí, foi criada a
Aliança Democrática, oriunda dos dissidentes do PDS com o PMDB, que depois
passou a ser chamada de Frente Liberal. Fui o primeiro governador do PDS a
levantar a bandeira de Tancredo Neves. Até hoje recebo manifestações de carinho
pela minha atuação há 30 anos.
Terra - Como era sua relação com o presidente João
Figueiredo?
Mota - Rompi com o regime militar, chefiado pelo general
João Figueiredo, ao negar apoio ao candidato do PDS, Paulo Maluf, e paguei um
alto preço por essa destemida e republicana decisão. Minha relação com
Figueiredo era muito boa, mas depois que fui para dissidência do partido com
seu vice, Aureliano Chaves, nossa relação ficou estremecida.
Terra - Durante o processo de redemocratização o governo
federal bloqueou as transferências de recursos para o Ceará. Como fez para
movimentar a economia?
Mota - Com problemas de toda ordem, criei com meu secretário
da Fazenda, Firmo Fernandes de Castro, as Gonzaguetas - símbolo da resistência
democrática. Não tínhamos dinheiro para nada e precisávamos dar assistência à
seca. Emitíamos um documento e, com ele, pagávamos contas – inclusive de funcionários
- e quando o funcionário comprava, a empresa que fosse pagar o ICMS usava as
Gonzaguetas. Acredito que ideia do banco comunitário, que opera sob o princípio
de economia solidária surgiu a partir dessa iniciativa.
Terra - Como era sua relação com os militares?
Mota - Tive uma relação muito boa com os militares. Eles me
ajudaram bastante, sobretudo, nos períodos de crises naturais, como a seca e
1983 e a enchente de 1985. Nunca houve por parte deles qualquer conflito com
relação a minha posição política. Eles já sabiam quem era o (Paulo) Maluf...
Houve ofertas de toda natureza para apoiá-lo e recusei.
Terra - Quais foram os momentos mais difíceis do seu
governo?
Mota - Enfrentamos duas crises naturais: uma seca cruel, em
1983 e 84 e uma enchente cruel, em 1985. Com isso, demos um apoio substancial à
população do Interior. Sempre eu digo que a lógica da Bolsa Família começou
nessa época, quando criei frentes de trabalho, dava cestas básicas e pagava
salários. A ideia em tese da Bolsa Família começou comigo no Ceará. Associado a
isso, houve a participação da minha mulher Mirian na Missão Asa Branca, quando
ela mobilizou vários segmentos da sociedade e levava apoio às comunidades
carentes do Interior, tanto na seca quanto na enchente. Nos dos eventos cruéis,
nenhum cearense morreu de fome.
Terra - Quais ações marcaram sua gestão no Estado?
Mota - Rompi com o
regime militar ao negar apoio ao candidato do PDS, Paulo Maluf. Isso foi muito
significativo durante meu governo. Além disso, construímos cerca de três mil
salas de aula e a maior rede de transmissão elétrica do Ceará; batemos recorde
na construção de açudes, onde aproveitávamos a mão de obra da seca; fizemos e
reformamos vários hospitais em Fortaleza e no Interior. Na Agricultura, fizemos
um bom trabalho na recuperação do algodão e no tocante à agricultura de
subsistência. Vejo que, resumindo, foi um grande trabalho de largo alcance
social, infraestrutural e econômico. Fui um governador extramente humilde, fiz
um trabalho participativo convocando a sociedade para me ajudar sempre. O lema
do meu governo era “Participação e Bem-estar”.
Terra - Depois do governo estadual o senhor foi por três
legislaturas deputado federal. O que destaca do mandato?
Mota - Sempre realizei campanhas eleitorais com muitas
dificuldades em razão de não possuir a necessária estrutura logística para
tais. Na Câmara, fui presidente das comissões permanentes de “Finanças e
Tributação” e de “Economia, Indústria e Comércio”. Já presidi comissões
especiais e fui relator de projetos importantes para o Brasil, como o que
previa a criação do Plano Real.
Terra - Aquele foi um período conturbado. Hoje a democracia
se consolidou. O que mudou, na prática, na política cearense?
Mota - Não pertenço mais a nenhum partido. Larguei a política
e não pretendo voltar. Eu aprendi muito com aquelas pessoas que fiz política há
30 anos. Virgilio Távora, Aureliano Chaves, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves,
Leonel Brizola, Franco Montoro, José Richa, dentre outros. Não sei se hoje não
sei se conseguiria aprender algo. Apesar de ser professor, gosto muito de
aprender, me considero um eterno aprendiz. Lamentavelmente na política quem
manda hoje é o poder e o dinheiro. Sempre digo que os desvios de conduta se
ampliaram no nosso País quando as estratégias tendenciosas de “marketing”
político substituíram os planos de governo.
Terra - Uma frase ficou famosa no Ceará pelo senhor: “a
política é dinâmica”. Essa ideia
persiste?
Mota - Sim. Justifico essa frase pela pequena consciência
crítica que se tem da democracia. Quero justificar sua dinâmica no sentido de
ideias – até o Vaticano hoje é dinâmico. A frase completa é: “a política é
dinâmica e a ética é permanente”.
Terra - Como o senhor avalia sua passagem pela vida
política?
Mota - Fui vítima de muita inveja, ciúmes. Tancredo chegou a
me convidar para ser vice-presidente da República. “Meu filho, você quer ser
meu vice?" Eu, com 40 anos, recusei: “Doutor, sou muito novo”, eu disse.
Hoje, me encontro aqui com a consciência tranquila, olhando nos olhos de cada
cearense. Quem me difamou e teve inveja de mim, eu perdoo. Não tenho raiva de
ninguém. Por sua vez, ao longo da minha vida pública, fiz grandes e leais
amigos.
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