sábado, 11 de janeiro de 2014

PAÍS DE INTOLERANTES MAQUEADOS DE POVO DO BEM

Por Cilene Victor, via Facebook
Foi com muita surpresa que recebi mensagens inbox sobre os meus comentários no Jornal da Cultura de hoje. Das 11 mensagens inbox, que acabo de ler, 8 são de pessoas de fora do meu Facebook - para a minha sorte.
Fui chamada de "demagógica", por um certo Celso, de "nojenta", por uma Iracema, de "petista radical, defensora de lésbicas e gays", por Silvana, e assim segue o alto nível da crítica.
O único adjetivo que dá para perder meu tempo é o de "demagógica". E a razão da minha demagogia seria o fato de eu defender os direitos dos animais, dos negros, dos nordestinos, dos transexuais, ou seja, da minoria historicamente sem voz?
Durante 17 anos, dos meus 18 de docência superior, formei muitos comunicadores (jornalistas e publicitários). Tive uma infinidade de alunos gays, um travesti, vários gordos, mancos, cadeirantes, negros e pobres. E sabem onde eles estão agora?
Boa parte não conseguiu colocação no mercado de trabalho que, raras exceções, reflete a intolerância desta sociedade que se faz passar por povo cordial, alegre, tolerante - o verdadeiro bom cristão.
O brasileiro assiste a tantas novelas que passa a maior parte do tempo interpretando quem ele não é.
Que tal assumir sua intolerância? Por que continuar dizendo: "eu não tenho nada contra, mas não aceito"?
A única diferença entre o Brasil e os países que surram os seus gays em praças públicas é que aqui, como sempre, desenvolvemos mecanismos perversos de segregação, de discriminação, aqueles que permitem dizer que aqui tudo é aceito.
Ora, aceita-se até um protagonista gay na novela do horário nobre, mas desde que ele morra depois, acabe louco ou vire uma pessoa tão boa, tão genuinamente boa que o homossexualidade ficará no último plano.
Vivemos o tempo todo a síndrome do espelho: somos tão feios que não reconhecemos o nosso reflexo, por isso fazemos de conta que somos legais, tolerantes.
Talvez um dia muitas famílias vão acordar e descobrir que um filho, um sobrinho, um neto é gay e que durante a sua adolescência inteira ou fase adulta foi vítima heteros truculentos, como os que me enviaram mensagens inbox pelo meu Facebook.
Não tenho medo de crítica, não represento ninguém. Falo o que penso e o que sinto e o faço com a propriedade de quem pisa e já pisou muito em barro, já subiu muito morro e dedica horas de um dia cheio para fazer trabalhos voluntários.
Não são os brasileiros com calos nas nádegas de tanto assistir a telenovelas que vão me intimidar.
Aceito pensamentos divergentes, como de três pessoas deste meu Face que temem o contato de suas filhas com um transexual - legalmente reconhecido como mulher, pois se submeteu a uma cirurgia e teve o direito a um nome feminino.
Meus cumprimentos ao shopping Barra, de Salvador, pela atitude de não acatar o pedido de proibição do uso do banheiro feminino por uma transexual, fundamentado nos "direitos e na dignidade humana".
Talvez agora, de fato, eu consiga entender o que levou Pedrinhas a ser realidade e não ficção.
É neste ritmo que, a cada minuto, seremos chamados para dar explicações à OEA pela violação dos direitos humanos.
Se conseguirem, um excelente final de semana. Eu, com a decisão sensata do Barra de Salvador, terei um dos melhores finais de semana.
Cilene Victor, professora de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e comentarista do Jornal da Cultura.
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