Se a chegada de um negro à presidência do Supremo Tribunal
Federal foi motivo de celebração em 2012, quando Joaquim Barbosa assumiu o
cargo, a ascendência negra do primeiro ministro era tabu. O mineiro Pedro Lessa
é apontado como o primeiro negro do STF, onde ficou de 1907 a 1921, quando
morreu.
O segundo foi Hermenegildo de Barros, ministro de 1917 a
1931. Barbosa, que na semana passada anunciou que vai se aposentar em junho,
foi o terceiro a ser ministro, mas o primeiro a virar presidente.
A Folha teve acesso a um baú de cartas de Lessa, sob a
guarda da bisneta Lúcia Lessa, 72. Os documentos, inéditos, serão doados à
Fundação Casa de Rui Barbosa. Rui Barbosa, que foi seu amigo e o chamava de o
"juiz mais completo", enviou telegrama à família na ocasião de sua
morte, em 1921. O rascunho da resposta dos parentes estava mantido até hoje em
segredo.
Coube ao genro Francisco Solano enviá-la: "Das
manifestações que temos recebido, nenhuma nos tocou tão fundo o coração como as
palavras de Vossa Excelência, nenhuma honrou mais, nem tanto, a memória do meu
sogro".
Há ainda correspondências do Barão do Rio Branco, do
romancista Coelho Neto, fundador da cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras,
do jurista e também imortal Clóvis Beviláqua, de Amadeu Amaral (também da ABL)
e do ex-deputado Plínio Barreto.
Nos papéis não há menção à ascendência negra de Lessa, e era
proibido falar do assunto na própria família.
O ex-presidente Epitácio Pessoa debochava dos traços negros
de Lessa, a quem acusou certa vez de "falar grosso para disfarçar a
ignorância com o mesmo desastrado ardil com que raspa a cabeça para dissimular
a carapinha".
Só na adolescência suas bisnetas souberam algo a respeito da
cor do bisavô. "Uma vez minha irmã perguntou à minha mãe se ele era negro.
Minha mãe tentou desconversar. Só com o tempo fomos entendendo isso",
conta Lúcia.
No livro "História do Supremo Tribunal Federal",
Lessa é descrito pela historiadora Leda Boechat como o primeiro de pele negra a
assumir uma cadeira: era, disse ela, um "mulato claro". A questão da
cor o levava, mesmo que inconscientemente, a ser ríspido com os colegas.
Em 6 de setembro de 1910, Lessa foi recebido como membro da
Academia. Um dia depois, recebeu bilhete de Coelho Neto lamentando ter perdido
a posse. Saudou o "formosíssimo discurso" de Lessa, mas confessou que
um desarranjo intestinal o "fez perder a admirável festa de seu
triumpho": "Foi pena".
A passagem de Lessa pela Academia teve um momento histórico,
o famoso discurso de recepção a Alfredo Pujol, em 1919. O poeta Roberto Moreira
então enviou-lhe uma carta: "A parte relativa ao Pujol é viva,
espirituosa, comovente e justa, nosso amigo teve o elogio que merecia".
RAIO-X
Pedro Lessa (1859-1921)
Nomeado, em outubro de 1907, ministro do Supremo Tribunal
Federal. Tomou posse em 20 de novembro seguinte.
Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e
da Academia Brasileira de Letras.
Conteúdo da Folha de S.Paulo - Leandro Colon
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