Artigo de Fernando Gabeira
Um amigo me contou que muda de canal no horário político
gratuito. E sempre para ver “Os Simpsons”. Argumentei que ele acabaria votando
no Homer Simpson, e ele respondeu:
— Homer é produto de uma frenética fantasia: no entanto,
parece mais real que esses candidatos.
O Brasil não é Springfield, a cidade da família Simpson,
reconheço. No entanto, as coisas que acontecem aqui dariam um desenho animado.
Não me refiro só aos candidatos pitorescos, nem àqueles que
apontam o dedo para a tela e dizem: “você me conhece”. A própria corrida
presidencial, às vezes, me confunde. Há duas candidatas que vieram de uma
tradição marxista, teoria que vê a Humanidade em permanente movimento,
impulsionado pela luta de classes. Alguns afirmam até que a luta dos opostos é
também o motor dos fenômenos naturais.
O irônico é que, banhadas, na juventude, por uma teoria que
disciplina as leis do movimento, elas se acusem agora precisamente de terem
mudado, não de serem as mesmas. Marina mudou de partido. O PT e Dilma mudaram
de projeto ao chegarem ao governo.
O mais interessante ainda, expliquei ao observador de
Springfield, é que o outro candidato, Aécio Neves, afirma que é o único que
pode mudar, pois sempre foi o mesmo.
Que aventura, essa da palavra “mudança”. Num momento,
aparece como um estigma, num outro como subproduto da estabilidade.
Na mesma campanha, os candidatos importantes cortejam as
religiões, rezam, comungam, leem a Bíblia, usam quipá nas sinagogas. E criticam
Marina porque é religiosa.
Um homem simples como Homer Simpson não entenderia isso. Nem
como uma campanha que mobilizou até agora mais de R$ 1 bilhão consegue
estigmatizar os banqueiros.
Os candidatos gostam do leite, mas não gostam da vaca. Os
banqueiros, no imaginário da campanha, parecem velhas caricaturas: gordos, de
casaca, segurando uns sacos brancos com cifrões desenhados em preto.
Talvez Homer Simpson aprovasse essa frase de Albert Camus:
— Se houvesse um partido para aqueles que não têm certeza de
estarem certos, eu seria dele.
Vivemos uma época de incertezas, ironicamente agravada pelo
grande fluxo de informações. Os dados brotam na tela dos computadores, mas o
conhecimento e a sabedoria nem sempre acompanham essa torrente que circula na
rede.
Algumas trilhas precisamos encontrar nesse labirinto de
signos. O que dizer de gente do governo que se veste de laranja, uniforme da
Petrobras, e faz protesto contra supostos inimigos da empresa? E isso na semana
em que ficou mais claro o gigantesco esquema de assalto que o próprio bloco do
governo montou na Petrobras.
Em Springfield, seria fácil representar isso em desenho
animado. Homer Simpson faria melhor que Lula. Mesmo com as mãos sujas de óleo,
ele sairia com a bandeira laranja, gritando “pega ladrão”.
E com os recursos do desenho animado, ainda poderia
reproduzir aquela cena de “Tempos modernos”, em que Chaplin pega uma bandeira
caída de um caminhão e, acidentalmente, é empurrado por uma multidão que grita
palavras de ordem. Para a polícia, parece ser um líder comunista marchando à
frente da massa.
Quando os assaltantes da Petrobras se vestem de laranja e
gritam “o petróleo é nosso”, sabem que vivemos num mundo confuso, soterrado por
versões que desprezam as evidências.
Às vezes, os grandes analistas também escorregam. Dizem
agora que um presidente sem partido forte não governa bem. Isso não bate com
minhas lembranças.
Entrevistei Itamar Franco antes de assumir. Estava inseguro,
mas acabou formando uma coalizão que lhe permitiu trabalhar, deixando de fora
apenas o PT.
Ele tinha suas manias retrô, queria reviver o Fusca, tomava
uma sopinha à mesma hora, mas era um homem correto. Afastou um chefe da Casa
Civil até que se apurassem as denúncias contra ele. Voltou atrás na indicação
de um ministro, ao descobrir que o candidato se hospedava em hotéis pagos por
empreiteiras.
Trabalha-se muito com o medo. Aborto, casamento gay e drogas
são usados, de um modo geral, para espantar. É importante que se saiba a
posição pessoal de um candidato. Mas alguém precisa lembrar que presidentes não
resolvem essas questões. No Brasil, elas dependem do Congresso, que consulta a
sociedade.
Sempre tive minhas reservas quando se afirma que o problema
econômico determina todos os outros. Mas, neste momento conjuntural do Brasil,
saber o que fazer com a economia e quem deve conduzi-la são fatores essenciais.
Meu amigo tem suas razões em emigrar para Springfield e
conviver com os Simpsons durante o horário gratuito. Mas, se observar bem,
poucos desenhos animados seriam interessantes como as eleições brasileiras.
Há personagens, truques e manobras patéticas. Faltam alguns
diálogos inteligentes e irônicos como os de “Os Simpsons”.
Com a permanência da democracia em cartaz, talvez possamos
chegar lá. Há sempre uma esperança no ar quando você diz: um dia ainda iremos
rir disso tudo.
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