Artigo de Fernando Gabeira
Haverá fôlego para se investigar tantas frentes? Passei em
Brasília a trabalho. Não tive tempo de observar a atmosfera. Pedi ajuda a um
amigo que vive na corte, desde o governo Figueiredo. Qual é o clima? O amigo
pediu desculpas pela brevidade da resposta. Para definir o clima, a única
expressão que tinha era esta: bunda na parede. De fato, muitos estão saindo de
cena, governadores renunciando antes do tempo, viagens ao exterior programadas
para deixar passar a onda.
Mas a onda do Petrolão é gigantesca. Dois fatos da semana
contribuem para aumentála. Um deles: a aparição da planilha do doleiro Alberto
Youssef. Nela, figuram 170 projetos, uma grande parte deles fora da Petrobras.
Concessões de aeroportos e as obras do porto cubano de Mariel eram mencionadas na
planilha. Ao lado do nome do projeto em Cuba, uma quantia: R$ 3,6 milhões. Se
houver fôlego para investigar tantas frentes, ficará demonstrada a tese de
Paulo Roberto Costa de que a corrupção não se limita à Petrobras mas se
propagou por quase tudo no Brasil.
Uma outra frente importante: o Coaf (Conselho de Controle de
Atividades Financeiras) detectou um movimento de R$23,7 bilhões nas contas de
Youssef e das empresas que usaram seus serviços. É uma cifra astronômica que,
embora não possa ser considerada a soma do estrago que causaram, é digna de
entrar no rol dos maiores movimentos atípicos da História. As transações de
Youssef começaram a ser monitoradas porque eram muito altas e ele tinha passado
um período na cadeia. Vários relatórios sobre as transações das empresas da
Lava-Jato foram produzidos. Continuam a ser produzidos e beiram uma dezena de
textos. Não ficou claro para mim como esses relatórios não foram o estopim das
prisões. Aquilo era algo mais do que um movimento atípico: era suspeito. Meu amigo
de Brasília conhece como eu a grande força do “deixa disso”, dos caros
advogados, da teia de amizades que amarra as pessoas nesse universo. E sabe
como elas espalham suas teses: sempre foi assim, todos fazem, é a nossa
história. Mas as possibilidades de uma grande renovação nos costumes políticos
brasileiros estão dadas pela própria dimensão do escândalo. Leio sempre
tentativas de avaliar os custos desse processo de punição. O Brasil pode parar
se as empresas envolvidas forem consideradas inidôneas?
Na Itália, a operação Mãos Limpas acabou abrindo o caminho
para a ascensão do Berlusconi. Será que isso pode acontecer aqui? O país não
pode ser refém de um grupo de empresas. Nem, necessariamente, vai produzir um
Berlusconi. Para dizer a verdade, Berlusconi já se foi. Não creio que,
retrospectivamente, a Itália se arrependa da operação Mãos Limpas. No momento,
há um grande silêncio no bloco do poder. O próprio Lula fez apenas um
comentário. Achava estranhos os vazamentos. Mas o que se passou no seu governo,
não comentou até hoje.
O que dizem os jornais é que seu tríplex em Guarujá ficou
pronto. O prédio foi completado pela OAS. A cooperativa liderada por João
Vaccari Neto é que vendeu os apartamentos. Lula e mais alguns receberam: três
mil compradores, no entanto, foram lesados. Lula perdeu a timidez em se mostrar
rico, desfrutando do luxo da elite que estigmatiza. Cheguei a essa conclusão
ainda na campanha política, com sua passagem pelo Copacabana Palace. Sua
comitiva reservou nove quartos. O dele era a cobertura. Ele deixou o hotel às
pressas porque sua presença no Copa foi noticiada. Antes de sair ainda teve um
pequeno desencontro com a própria elite que o vaiou ao passar pela pérgula. E
não o vaiou por sua política social, mas sim porque exigia um pouco mais de
coerência. Nesse sentido, Lula desmente a tese do meu amigo de que estão todos
com a bunda na parede. O PT tem experiência em crises. Essa é uma crise de
muitas cabeças: até as contas de campanha de 2014 estão sendo questionadas por
técnicos do TSE.
A confiança nascida de confusões passadas subestima as
dimensões novas do problema. No Petrolão, há delatores premiados com documentos
para exibir. Como o escândalo envolveu também relações externas, Suíça, Holanda
e Estados Unidos abriram investigações. Na Suíça vai ser possível seguir a
trajetória do dinheiro. Na Holanda, estão todos os dados do suborno da SBM na
venda de plataformas. O osso americano será duro de roer porque os acionistas
abriram um processo contra a Petrobras, em Nova York, com potencial devastador.
Ao mesmo tempo em que nos fixamos no Petrolão lá fora, o
preço do óleo caiu quase 40%. Isso tende a enfraquecer a produção americana não
convencional com o xisto. E, secundariamente, projetos como o brasileiro da
exploração do présal. Com o Petrolão, a empresa perdeu credibilidade. A queda
dos preços tende a reduzir sua competitividade no pré-sal. O governo vendeu o
pré-sal como o grande passaporte para o futuro. O passaporte pode estar
vencido. Como vencido está esse tempo de mentiras, trambiques e ilusões.
Artigo publicado no Segundo Caderno do O Globo
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