Artigo de Fernando Gabeira
Um amigo que veio do exterior estava surpreso com o Brasil.
Soube da campanha eleitoral, da luta contra a elite branca, dos filmes
mostrando como um banqueiro iria tirar a comida da mesa dos pobres. Ao chegar,
encontra a vencedora procurando alguém do mercado, com capacidade para ajustar
suas contas, que por sinal bateram um recorde negativo em outubro: R$ 8,13
bilhões negativos nas transações correntes.
Como explicar isso? Respondi que os números falavam por eles
próprios. Ou melhor, começaram a falar depois das eleições, porque muitos deles
foram, devidamente, engavetados durante a campanha. E as famílias pobres diante
da mesa de jantar? A lógica implacável dos números acaba impondo do PT o que
mais estigmatizava no adversário: um fazedor de contas, alguém que não espanque
a aritmética.
Mais surpreendente ainda é a possível escolha de Kátia Abreu
para a Agricultura. O amigo leu no “Guardian” sua primeira entrevista dela.
Kátia disse que seu modelo político era Margaret Thatcher. E o repórter concluiu
que combaterá os ecologistas como Thatcher combateu os mineiros em greve. Para
isso não tenho grandes explicações. Conheci Kátia no Congresso e tanto com ela
como com Ronaldo Caiado tive discussões produtivas. Não acredito que veja no
meio ambiente um entrave ao progresso, como Dilma, naquele célebre ato falho em
Copenhague. Mas as pessoas mudam. Não entendo como se espelhar em Thatcher e
querer subir na carreira política sem conhecer melhor a trajetória da mulher
que a inspira sua jornada.
Thatcher jamais mudou de partido e dificilmente entraria num
governo no auge de um escândalo de proporções mundiais, o maior das democracias
ocidentais, segundo o “New York Times”.
Ela pode usar uma bolsa a tiracolo, como Thatcher, mas seu
programa é muito distinto dos conservadores ingleses, ainda hoje no poder. Eles
têm uma das políticas ambientais mais avançadas do mundo. Talvez em outras
entrevistas ela possa se explicar melhor. A impressão que o “Guardian”
transmitiu era de que o meio ambiente e os grupos indígenas seriam um obstáculo
para o projeto de Kátia: superar os EUA na produção de alimentos. Ela sabe que
grande parte dos problemas tem solução negociada, e a própria ciência pode ser
uma excelente referência para definirmos o caminho de um crescimento sustentável.
Grandes dramas como a crise hídrica envolvem, por exemplo, a agricultura e toda
a sociedade brasileira: não há bala de prata nem dama de ferro que dê conta
deles.
O tom da reportagem assusta. Mas não deixa de ser irônico,
concluí para o amigo que chega: o grande fantasma da campanha de Dilma era a
elite branca e agora nos oferecem um diretor de banco e uma discípula de
Margaret Thatcher numa versão tropical. Só mergulhando na nossa cultura
política para tornar isso ao menos inteligível. O PT tem o hábito de dividir o
país; pobres contra ricos, regiões contra regiões.
Mas quando a situação aparece com mais complexidade, precisa
de novas subdivisões. Daí a necessidade de uma elite branca do B. A mesma
subdivisão já aplicada à direita: uma direita como Ronaldo Caiado e uma direita
do B, Paulo Maluf, Jader Barbalho, Newton Cardoso. Ninguém deve, portanto,
temer ser considerado de direita ou da elite branca. Há sempre a escolha: elite
branca do B ou direita do B. Uma política econômica sensata é o que precisamos,
inclusive nesta conjuntura internacional. Seria algo estável no horizonte,
porque os céus da política indicam tempestade.
O escândalo do Petrolão deve deixar inúmeras marcas. A
própria imagem internacional do Brasil está em jogo. O momento é especial
porque entramos num pesadelo de cifras. Todos os protagonistas levando milhões,
até as formigas no Espírito Santo custaram R$ 67 milhões à Petrobras. Sessenta
e sete milhões para as formigas, 200 para um subgerente, quanto não desapareceu
nesse circuito?
Os malabaristas terão trabalho para explicar. Sua tática é
sempre sumir no tempo e na multidão, com duas frases típicas: sempre foi assim,
todo mundo faz. Houve corrupção na Petrobras em governos anteriores. Mas nada
se compara ao uso sistemático da empresa para alimentar partidos políticos. O
argumento de que sempre foi assim e todos fazem assim é a maneira de nos ejetar
do aqui e agora e mergulhar num espaço mítico. Aliás, esta ideia de que sempre
foi assim lembra um pouco da rigidez da morte. É só nela que não existem
caminhos de renovação. Enquanto os petistas estiverem escondidos nas dobras do
tempo e na multidão de corruptos, será difícil abordá-los.
Creio que é de Mark Twain esta frase: é mais fácil enganar
as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas. Compreender o Petrolão é
uma dura tarefa. Se falharmos, o Brasil vira uma espécie de buraco negro. No
espaço, esses buracos são uma singularidade gravitacional: não valem na sua
proximidade as leis da física. Aqui embaixo, buracos negros são os países onde
não valem as leis do Código Penal.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 30/11/2014
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