Após mais de dois anos de funcionamento, a Comissão da
Verdade chega ao fim nesta quarta-feira (10) tendo detectado "graves
violações aos direitos humanos" cometidas de 1946 a 1988. Para evitar a
repetição de tais atos, "assegurar sua não repetição e promover o
aprofundamento do Estado democrático de direito", o documento final da
comissão encaminha 29 propostas que devem ser adotadas pelo governo e por
órgãos públicos.
A principal recomendação é que as Forças Armadas assumam
responsabilidade, inclusive juridicamente, pelos atos cometidos durante os
regimes militares. A comissão também quer o fim das polícias militares, a
proibição de atos que comemorem o golpe de 64 e a revogação da Lei de Segurança
Nacional. A revisão da Lei da Anistia, que chegou a ser cogitada pelos
integrantes do grupo, não foi incluída no relatório.
A reportagem do UOL entrou em contato com o Ministério da
Defesa, que responde pelas Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica),
mas o órgão federal informou que não se pronunciaria sobre o conteúdo do
relatório. Por meio de sua assessoria de comunicação, a pasta informou ainda
ter colaborado com os trabalhos da comissão desde a sua criação. Já os representantes
do Clube Militar não foram localizados.
A lei de 2011 que criou a comissão já estipulava que seus
integrantes deveriam encerrar os trabalhos com propostas e "recomendar a
adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos
humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliaçãoo
nacional".
Das quase 30 recomendações, 17 são medidas institucionais,
oito são iniciativas de mudanças de leis ou da Constituição e quatro são
medidas para dar seguimento às ações da CNV. Segundo o grupo, foram recebidas
399 recomendações pelo site da CNV, e algumas delas foram incluídas no
relatório. Há ainda recomendações específicas no volume 2 do relatório, onde
existem capítulos temáticos sobre assuntos como perseguição a religiosos e a
indígenas.
Medidas institucionais
A mais enfática recomendação da comissão é que as Forças
Armadas reconheçam sua responsabilidade. "Além da responsabilidade que
pode e deve recair individualmente sobre os agentes públicos que atuaram com
conduta ilícita ou deram causa a ela, é imperativo o reconhecimento da
responsabilidade institucional das Forças Armadas por esse quadro
terrível", cobra a comissão.
Em relação à Lei da Anistia (lei nº 6.683, de 1979), que
impede a responsabilização de agentes do Estado e militares acusados de crimes
de lesa humanidade, como os de tortura, a comissão entende que os delitos
cometidos durante o regime militar não se enquadram como crimes políticos --se
assim fossem, estariam enquadrados pela lei.
"A CNV considerou que a extensão da anistia a agentes
públicos que deram causa a detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções,
desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres é incompatível com o direito
brasileiro e a ordem jurídica internacional, pois tais ilícitos, dadas a escala
e a sistematicidade com que foram cometidos, constituem crimes contra a
humanidade, imprescritíveis e não passíveis de anistia", declara o
relatório. Apesar da recomendação da não aplicabilidade da norma, a revisão da
lei não foi pedida no relatório final.
"Só poderíamos tirar recomendações que saíssem dessas
conclusões [de que houve graves violações de direitos humanos]. Em relação à
autoria, qual é a recomendação natural que surge? A responsabilização. Por isso
que a comissão não entra na discussão jurídica se a Lei da Anistia se aplica ou
não se aplica, se ela deve ser revogada ou não. Não compete a ela", disse
Pedro Dallari, coordenador do grupo, na entrevista coletiva após a entrega do
relatório à presidente Dilma Rousseff.
"Estudei com enorme carinho essa questão [revisão da
Lei da Anistia] e estou absolutamente de acordo, concordo com a decisão do STF
[que se posicionou contra a revisão].
Acho uma decisão tecnicamente correta. Quando ela [Dilma] nos convidou,
ela disse: 'o que eu quero mesmo é poder devolver cadáveres para serem
dignamente enterrados, ou quando isso não for possível, contar a história dessa
perda'. Esse é que foi principal pedido da presidente", disse José Paulo
Cavalcanti Filho, único dos seis membros da Comissão da Verdade contrário ao
afastamento da lei da anistia nos casos de responsabilização de agentes que
cometeram violações de direitos humanos durante a ditadura militar.
O relatório da comissão enfatiza ainda que os autores dos
crimes devem ser julgados. "Prevalece o dever jurídico do Estado de
prevenir, processar, punir e reparar os crimes contra a humanidade, de modo a
assegurar o direito à justiça e à prestação jurisdicional efetiva."
Conteúdo do UOL
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