Por Daniel Pereira, da Veja
O deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro,
foi eleito, no domingo passado, dia 1º, presidente da Câmara dos Deputado, na
qual cumpre o quarto mandato. A única surpresa foi não ter chegado lá antes. As
malhas de suas alianças foram tecidas longe dos olhos do mundo exterior, onde é
uma figura desenvolta e temida, sobre quem se falam, em segredo, cobras e
lagartos. Economista, tem como característica, reconhecida por aliados e adversários,
a capacidade inigualável de ler, entender e usar a seu favor os detalhes
arcanos, mas decisivos, dos regimentos, leis, portarias e outros documentos que
norteiam a vida pública brasileira. Formalmente é aliado, mas vai dar muito
trabalho a Dilma Rousseff.
Que avaliação o senhor faz da participação do governo na
eleição para presidente da Câmara?
Houve uma tentativa de interferência na disputa pela
presidência da Casa. A manobra foi capitaneada por Pepe Vargas, ministro das
Relações Institucionais, o representante do Executivo no Congresso Nacional. Não
sei se ele atuou com ou sem o conhecimento da presidente da República. A tentativa
de cooptar parlamentares foi ampla. Houve ameaça de demissão de aliados nos
estados, promessa de cargos e de liberação de emendas para os novos deputados e
pressão sobre ministros para que exigissem de seus partidos a adesão à
candidatura do PT. É do jogo político você expressar a sua opinião, mas a pressão
do jeito que foi feita, de maneira grosseira e ameaçadora, deixará sequelas não
só em mim, mas nos parlamentares e nos partidos que sofreram coação.
Que tipos de sequelas?
Como pode o governo começar um novo mandato com pressões e
ameaças contra a própria base aliada,
ainda mais quando se sabe da necessidade de o Executivo ter no Congresso uma
base sólida e unida para aprovar medidas econômicas consideradas impopulares? Como
pode um ministro usar o nome da presidente para coagir outros ministros,
parlamentares e partidos e depois se sentar à mesa para negociar? Não achem que
o Parlamento se curvará à pressão. Ou se muda esse método, ou se mudam as
pessoas que adotam esse método. O ministro Pepe Vargas se inviabilizou como
interlocutor com o Congresso. Ele chegou ao absurdo de comparar a disputa a um
jogo de futebol, dizendo que dá carrinho, puxa a camisa, derruba, mas, depois,
vai tomar cerveja com todo mundo. Isso não é declaração de quem quer
estabelecer uma relação produtiva com o Congresso. Isso é conversa de botequim.
Esse episódio interfere na relação da Câmara com a
presidente?
Tudo dependerá de como vai será o dia seguinte. Como presidente
da Câmara, atuarei em linha com a minha campanha. O que preguei será cumprido
no exercício do mandato, porque senão estarei cometendo estelionato eleitoral. Quem me elegeu não quer
me ver na oposição, tampouco espera que eu seja submisso ao governo. Espera de
mim independência e harmonia. Da parte do PMDB, haverá sequelas. O ministro
Pepe Vargas tentou impor o PT em detrimento de outros partidos da base. Isso quebrou
a relação de confiança. Se houve uma recomposição, eles colherão os frutos da
conversa de botequim que tiveram.
A aliança do PMDB com o PT caminha para o fim?
Não quero misturar a posição de presidente da Câmara com a
de líder partidário, que também sou, mas o PMDB identificou claramente as
digitais do governo numa tentativa de desestabilizar o partido. O governo
patrocina a criação de outros partidos, e já há uma tentativa de cooptação de
parlamentares peemedebistas. O PT escolher trabalhar deliberadamente pelo
esfacelamento do PMDB. O PMDB não tem dúvida disso, e o resultado é uma união
interna como nunca visto antes. Vamos enfrentar essa disputa.
O PMDB terá candidato à Presidência em 2018?
A candidatura pode ser consequência desse processo. Time que
não joga não tem torcida, e o PMDB está há muito tempo sem jogar. Mas não dá
para discutir isso no primeiro dia de um novo mandato presidencial. É muito
difícil prever o que acontecerá. Houve caneladas com o PT nas eleições de 2010
e na disputa pela presidência da Câmara. Prevejo mais dificuldades nas próximas
eleições municipais. Há divergências crescentes entre PT e PMDB sobre temas
relevantes. Neste momento, a prioridade do PMDB é reagir à tentativa do PT de
enfraquecer e reduzir o poder do partido.
A presidente quer a ajuda do Congresso para aprovar as
medidas de ajuste fiscal. Ela terá o apoio dos parlamentares?
Pela minha experiência, alguma dificuldade haverá e
provavelmente alguma modificação na proposta original será feita. Se o governo
fizer uma articulação à altura do tamanho da sua base, talvez tenha mais
facilidade. Se fizer uma articulação do tamanho da votação recebida pelo
candidato do PT à presidência da Câmara, certamente a dificuldade será imensa.
Que encaminhamento será dado a eventuais pedidos de cassação
de parlamentares denunciados pelo Ministério Público no escândalo do petrolão?
Em primeiro lugar, ter processo, denúncia ou inquérito não significa
que o parlamentar quebrou o decoro. Existem vários deputado e senadores alvo de
denúncias e inquéritos no Supremo Tribunal Federal, e ninguém disse que eles
deveriam responder a processo por quebra de decoro parlamentar. No caso do
petrolão, criou-se a expectativa de que todos os envolvidos sejam processados. Isso
só acontecerá se for estritamente cumprido o regimento da Casa. Sou um escravo
do regimento. Até por isso não tenho como influir no andamento dos processos. Nem
se eu quisesse poderia ser benevolente ou fazer o mal.
Um dos investigados no petrolão é o ex-diretor da Petrobras
Jorge Zelada, indicado para o cargo pela bancada de deputados do PMDB. Até a
realização da Operação Lava Jato, o senhor nunca tinha ouvido falar no
funcionamento do esquema de corrupção na estatal?
O PMDB realmente indicou o Zelada por meio do deputado
Fernando Diniz, falecido em 2009, um grande companheiro que coordenava a
bancada de deputados de Minas Gerais. Era esse grupo que tinha relação com o
Zelada. Eu nunca tinha ouvindo falar nada sobre o esquema de corrupção. Agora,
o fato de fazer a indicação não significa que você seja responsável pelos atos desabonadores
de quem quer que seja. Muitos técnicos procuram os partidos para conseguir a nomeação
a um cargo, praticam malfeitos e depois querem responsabilizar aqueles que os
indicaram. Não é certo. É claro que existe uma responsabilidade implícita por você
não ter averiguado bem quem indicou. Os partidos precisam ser mais seletivos
nessa busca.
As investigações revelaram a existência de um megaesquema de
corrupção na Petrobras. É possível que
ele tenha funcionado durante uma década, movimentando bilhões de reais, sem o
conhecimento do governo e dos partidos que se beneficiaram dele?
Olha, eu fico chocado quando vejo um funcionário de terceiro
escalão da Petrobras fazer uma delação premiada e devolver 100 milhões de dólares.
E esse funcionário de terceiro escalão não foi indicado por partido politico. O
problema da Petrobras começou com um decreto presidencial, ainda no governo de
Fernando Henrique, que dispensou a empresa do cumprimento da Lei de Licitações.
A Petrobras passou a ter licitações bilionárias por meio de carta-convite a
empresas cadastradas. Ali foi aberta a porta para o esquema de corrupção,
porque a ocasião faz o ladrão. É muito fácil haver manipulação, cartel, clube
de empreiteiras.
Um dos juristas mais renomados do país, Ives Gandra Martins
diz que já há base jurídica para um pedido de impeachment da presidente da
República. O senhor concorda com essa tese?
Não conheço os argumentos dele e, por isso, não posso
comentá-los. Mas acho que não é cabível um pedido de impeachment em razão do
petrolão. Os atos que estão sob investigação e que porventura resultem em algum
tipo de culpabilidade aconteceram no mandato anterior, e você não pode punir alguém
por exercício de mandato anterior.
Atuando ao lado do tesoureiro PC Farias, o senhor participou
da vitoriosa campanha de Fernando Collor à Presidência em 1989 e comandou uma estatal
durante o governo dele, que teve o mandato cassado. Ver o agora senador Collor
entre os acusados de beneficiários do petrolão lhe causa surpresa?
São processos distintos, com naturezas distintas, e eu também
não conheço os detalhes das acusações que pesam sobre o senador. Desconheço os
fatos e não gosto de atribuir culpa previamente a quem quer que seja. A presunção
da inocência deve prevalecer. No caso do impeachment do Fernando Collor, havia
um processo político associado a um suposto esquema de corrupção. Não me lembro
dos detalhes, mas era algo em dimensão muito menor do que o que se verifica
agora. O fato de um funcionário da Petrobras de terceiro escalão devolver 100
milhões de dólares transforma aquele escândalo em pequenas causas. Acho que há corrupção
na máquina pública independentemente d partido que esteja no governo. O desfio,
permanentemente, é fechar as porta para o roubo.
Que fundamento tem a historia muito propalada em Brasília de
que o senhor relata os principais projetos em tramitação para negociar
vantagens com os interessados nas matérias?
Isso é um absurdo. Agora mesmo enfrentei um processo eleitoral
em que disse que não tinha ouro nem prata para oferecer. Quem ofereceu ouro e
prata foi o ministro Pepe Vargas, e, portanto, se há bancada remunerada, quem a
criou foi o Poder Executivo, não eu. O relato de medidas relevantes é pela
minha capacidade de debater e apreciar conteúdo. Sou a favor da
livre-iniciativa, do crescimento e da melhora das condições de competitividade
dos setores econômicos. É natural que eles procurem como interlocutores
aqueles, como eu, que comungam de suas ideias. Essas histórias folclóricas partem
de meus oponentes, daqueles que tentam depreciar o trabalho dos outros.
O senhor é evangélico. Como presidente da Casa, impedirá ou
dificultará a tramitação de projetos que têm a posição dos evangélicos?
Sou frontalmente contrario e tudo farei para evitar qualquer
flexibilização na legislação do aborto. Também
não vejo na Casa uma maioria para aprovar uma eventual proposta que autorize a
união civil de pessoas do mesmo sexo.
O senhor é favorável à redução da maioridade penal?
Em tese, sim. Não dá para considerar que uma pessoa de 18
anos hoje é igual a uma pessoa de 18 anos de trinta anos atrás. O mundo está
completamente diferente. Se você pode votar aos 16 anos, por que não pode ser
responsabilizado com a mesma idade? Essa é uma posição pessoal. Não comandarei
eventual esforço pela discussão do tema.
Setores do PT estão aferrados à ideia totalitária de
censurar a imprensa no Brasil, que ele, para não chocar, chamam de “regulação
da mídia”. Existe a possibilidade de uma aberração dessas prosperar no
Congresso?
Sou absolutamente contrario à regulação da mídia, seja de conteúdo,
seja de natureza econômica. Esse é um tema, como no caso do aborto, em que tenho
posição radical. O PMDB se originou de uma frente para combater a ditadura. A liberdade
e a democracia são princípios fundamentais para o partido. Você pode me xingar
e me atacar à vontade. Se eu me sinto ofendido, tenho o direito de recorrer à
Justiça. Está na lei. Como diz aquele velho ditado: para má imprensa, mais
imprensa.
Entrevista publicada nas Páginas Amarelas da revista Veja,
edição 2 412, em 11 de fevereiro de 2015.


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