sábado, 14 de fevereiro de 2015

A BASE DE APOIO CONFLAGRADA

Por Daniel Pereira, da Veja
O deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro, foi eleito, no domingo passado, dia 1º, presidente da Câmara dos Deputado, na qual cumpre o quarto mandato. A única surpresa foi não ter chegado lá antes. As malhas de suas alianças foram tecidas longe dos olhos do mundo exterior, onde é uma figura desenvolta e temida, sobre quem se falam, em segredo, cobras e lagartos. Economista, tem como característica, reconhecida por aliados e adversários, a capacidade inigualável de ler, entender e usar a seu favor os detalhes arcanos, mas decisivos, dos regimentos, leis, portarias e outros documentos que norteiam a vida pública brasileira. Formalmente é aliado, mas vai dar muito trabalho a Dilma Rousseff.
Que avaliação o senhor faz da participação do governo na eleição para presidente da Câmara?
Houve uma tentativa de interferência na disputa pela presidência da Casa. A manobra foi capitaneada por Pepe Vargas, ministro das Relações Institucionais, o representante do Executivo no Congresso Nacional. Não sei se ele atuou com ou sem o conhecimento da presidente da República. A tentativa de cooptar parlamentares foi ampla. Houve ameaça de demissão de aliados nos estados, promessa de cargos e de liberação de emendas para os novos deputados e pressão sobre ministros para que exigissem de seus partidos a adesão à candidatura do PT. É do jogo político você expressar a sua opinião, mas a pressão do jeito que foi feita, de maneira grosseira e ameaçadora, deixará sequelas não só em mim, mas nos parlamentares e nos partidos que sofreram coação.
Que tipos de sequelas?
Como pode o governo começar um novo mandato com pressões e ameaças contra a própria  base aliada, ainda mais quando se sabe da necessidade de o Executivo ter no Congresso uma base sólida e unida para aprovar medidas econômicas consideradas impopulares? Como pode um ministro usar o nome da presidente para coagir outros ministros, parlamentares e partidos e depois se sentar à mesa para negociar? Não achem que o Parlamento se curvará à pressão. Ou se muda esse método, ou se mudam as pessoas que adotam esse método. O ministro Pepe Vargas se inviabilizou como interlocutor com o Congresso. Ele chegou ao absurdo de comparar a disputa a um jogo de futebol, dizendo que dá carrinho, puxa a camisa, derruba, mas, depois, vai tomar cerveja com todo mundo. Isso não é declaração de quem quer estabelecer uma relação produtiva com o Congresso. Isso é conversa de botequim.
Esse episódio interfere na relação da Câmara com a presidente?
Tudo dependerá de como vai será o dia seguinte. Como presidente da Câmara, atuarei em linha com a minha campanha. O que preguei será cumprido no exercício do mandato, porque senão estarei cometendo  estelionato eleitoral. Quem me elegeu não quer me ver na oposição, tampouco espera que eu seja submisso ao governo. Espera de mim independência e harmonia. Da parte do PMDB, haverá sequelas. O ministro Pepe Vargas tentou impor o PT em detrimento de outros partidos da base. Isso quebrou a relação de confiança. Se houve uma recomposição, eles colherão os frutos da conversa de botequim que tiveram.
A aliança do PMDB com o PT caminha para o fim?
Não quero misturar a posição de presidente da Câmara com a de líder partidário, que também sou, mas o PMDB identificou claramente as digitais do governo numa tentativa de desestabilizar o partido. O governo patrocina a criação de outros partidos, e já há uma tentativa de cooptação de parlamentares peemedebistas. O PT escolher trabalhar deliberadamente pelo esfacelamento do PMDB. O PMDB não tem dúvida disso, e o resultado é uma união interna como nunca visto antes. Vamos enfrentar essa disputa.
O PMDB terá candidato à Presidência em 2018?
A candidatura pode ser consequência desse processo. Time que não joga não tem torcida, e o PMDB está há muito tempo sem jogar. Mas não dá para discutir isso no primeiro dia de um novo mandato presidencial. É muito difícil prever o que acontecerá. Houve caneladas com o PT nas eleições de 2010 e na disputa pela presidência da Câmara. Prevejo mais dificuldades nas próximas eleições municipais. Há divergências crescentes entre PT e PMDB sobre temas relevantes. Neste momento, a prioridade do PMDB é reagir à tentativa do PT de enfraquecer e reduzir o poder do partido.
A presidente quer a ajuda do Congresso para aprovar as medidas de ajuste fiscal. Ela terá o apoio dos parlamentares?
Pela minha experiência, alguma dificuldade haverá e provavelmente alguma modificação na proposta original será feita. Se o governo fizer uma articulação à altura do tamanho da sua base, talvez tenha mais facilidade. Se fizer uma articulação do tamanho da votação recebida pelo candidato do PT à presidência da Câmara, certamente a dificuldade será imensa.
Que encaminhamento será dado a eventuais pedidos de cassação de parlamentares denunciados pelo Ministério Público no escândalo do petrolão?
Em primeiro lugar, ter processo, denúncia ou inquérito não significa que o parlamentar quebrou o decoro. Existem vários deputado e senadores alvo de denúncias e inquéritos no Supremo Tribunal Federal, e ninguém disse que eles deveriam responder a processo por quebra de decoro parlamentar. No caso do petrolão, criou-se a expectativa de que todos os envolvidos sejam processados. Isso só acontecerá se for estritamente cumprido o regimento da Casa. Sou um escravo do regimento. Até por isso não tenho como influir no andamento dos processos. Nem se eu quisesse poderia ser benevolente ou fazer o mal.
Um dos investigados no petrolão é o ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada, indicado para o cargo pela bancada de deputados do PMDB. Até a realização da Operação Lava Jato, o senhor nunca tinha ouvido falar no funcionamento do esquema de corrupção na estatal?
O PMDB realmente indicou o Zelada por meio do deputado Fernando Diniz, falecido em 2009, um grande companheiro que coordenava a bancada de deputados de Minas Gerais. Era esse grupo que tinha relação com o Zelada. Eu nunca tinha ouvindo falar nada sobre o esquema de corrupção. Agora, o fato de fazer a indicação não significa que você seja responsável pelos atos desabonadores de quem quer que seja. Muitos técnicos procuram os partidos para conseguir a nomeação a um cargo, praticam malfeitos e depois querem responsabilizar aqueles que os indicaram. Não é certo. É claro que existe uma responsabilidade implícita por você não ter averiguado bem quem indicou. Os partidos precisam ser mais seletivos nessa busca.
As investigações revelaram a existência de um megaesquema de corrupção na Petrobras. É possível  que ele tenha funcionado durante uma década, movimentando bilhões de reais, sem o conhecimento do governo e dos partidos que se beneficiaram dele?
Olha, eu fico chocado quando vejo um funcionário de terceiro escalão da Petrobras fazer uma delação premiada e devolver 100 milhões de dólares. E esse funcionário de terceiro escalão não foi indicado por partido politico. O problema da Petrobras começou com um decreto presidencial, ainda no governo de Fernando Henrique, que dispensou a empresa do cumprimento da Lei de Licitações. A Petrobras passou a ter licitações bilionárias por meio de carta-convite a empresas cadastradas. Ali foi aberta a porta para o esquema de corrupção, porque a ocasião faz o ladrão. É muito fácil haver manipulação, cartel, clube de empreiteiras.
Um dos juristas mais renomados do país, Ives Gandra Martins diz que já há base jurídica para um pedido de impeachment da presidente da República. O senhor concorda com essa tese?
Não conheço os argumentos dele e, por isso, não posso comentá-los. Mas acho que não é cabível um pedido de impeachment em razão do petrolão. Os atos que estão sob investigação e que porventura resultem em algum tipo de culpabilidade aconteceram no mandato anterior, e você não pode punir alguém por exercício de mandato anterior.
Atuando ao lado do tesoureiro PC Farias, o senhor participou da vitoriosa campanha de Fernando Collor à Presidência em 1989 e comandou uma estatal durante o governo dele, que teve o mandato cassado. Ver o agora senador Collor entre os acusados de beneficiários do petrolão lhe causa surpresa?
São processos distintos, com naturezas distintas, e eu também não conheço os detalhes das acusações que pesam sobre o senador. Desconheço os fatos e não gosto de atribuir culpa previamente a quem quer que seja. A presunção da inocência deve prevalecer. No caso do impeachment do Fernando Collor, havia um processo político associado a um suposto esquema de corrupção. Não me lembro dos detalhes, mas era algo em dimensão muito menor do que o que se verifica agora. O fato de um funcionário da Petrobras de terceiro escalão devolver 100 milhões de dólares transforma aquele escândalo em pequenas causas. Acho que há corrupção na máquina pública independentemente d partido que esteja no governo. O desfio, permanentemente, é fechar as porta para o roubo.
Que fundamento tem a historia muito propalada em Brasília de que o senhor relata os principais projetos em tramitação para negociar vantagens com os interessados nas matérias?
Isso é um absurdo. Agora mesmo enfrentei um processo eleitoral em que disse que não tinha ouro nem prata para oferecer. Quem ofereceu ouro e prata foi o ministro Pepe Vargas, e, portanto, se há bancada remunerada, quem a criou foi o Poder Executivo, não eu. O relato de medidas relevantes é pela minha capacidade de debater e apreciar conteúdo. Sou a favor da livre-iniciativa, do crescimento e da melhora das condições de competitividade dos setores econômicos. É natural que eles procurem como interlocutores aqueles, como eu, que comungam de suas ideias. Essas histórias folclóricas partem de meus oponentes, daqueles que tentam depreciar o trabalho dos outros.
O senhor é evangélico. Como presidente da Casa, impedirá ou dificultará a tramitação de projetos que têm a posição dos evangélicos?
Sou frontalmente contrario e tudo farei para evitar qualquer  flexibilização na legislação do aborto. Também não vejo na Casa uma maioria para aprovar uma eventual proposta que autorize a união civil de pessoas do mesmo sexo.
O senhor é favorável à redução da maioridade penal?
Em tese, sim. Não dá para considerar que uma pessoa de 18 anos hoje é igual a uma pessoa de 18 anos de trinta anos atrás. O mundo está completamente diferente. Se você pode votar aos 16 anos, por que não pode ser responsabilizado com a mesma idade? Essa é uma posição pessoal. Não comandarei eventual esforço pela discussão do tema.
Setores do PT estão aferrados à ideia totalitária de censurar a imprensa no Brasil, que ele, para não chocar, chamam de “regulação da mídia”. Existe a possibilidade de uma aberração dessas prosperar no Congresso?
Sou absolutamente contrario à regulação da mídia, seja de conteúdo, seja de natureza econômica. Esse é um tema, como no caso do aborto, em que tenho posição radical. O PMDB se originou de uma frente para combater a ditadura. A liberdade e a democracia são princípios fundamentais para o partido. Você pode me xingar e me atacar à vontade. Se eu me sinto ofendido, tenho o direito de recorrer à Justiça. Está na lei. Como diz aquele velho ditado: para má imprensa, mais imprensa.
Entrevista publicada nas Páginas Amarelas da revista Veja, edição 2 412, em 11 de fevereiro de 2015.
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