Por Monica Weinberg e Thiago Prado, da Veja
Vice ao estilo faz-tudo, de Sérgio Cabral, Luiz Fernando
Pezão, agora governador do Rio de Janeiro, tornou-se um dos grandes
articuladores do projeto de poder de seu partido, o PMDB. A amizade com a
presidente Dilma Rousseff não o impede de demarcar as diferenças com o PT e já mirar
2018. Aos 59 anos, 33 dos quais na política, Pezão tem pela frente desafios
ainda maiores do que seus pés tamanho 48 (daí o apelido). Precisa estancar uma crise
na segurança que compromete os ganhos nas UPPs, lidar com a iminência da falta
d´água, correr para se aproximar da meta de despoluição da Baía de Guanabara
até a Olimpíada e talvez ainda encarar os desdobramentos da Operação Lava Jato –
assuntos espinhosos dos quais não se esquivou nesta entrevista a Veja.
O senhor tem defendido veementemente o lançamento de um
candidato do PMDB à Presidência em 2018. A união com o PT se desgastou?
A questão essencial para mim é: se o PMDB serve para
garantir a governabilidade, por que não serviria para governar? É um partido
com capilaridade nacional, que tem a maioria dos prefeitos e dos deputados
estaduais, funciona como fiel da balança no Congresso. Precisa se valorizar
mais, para depois não se queixar de ter ficado só com secretaria e ministério sem
peso, no papel de coadjuvante. Falei sobre isso com Eduardo Cunha e Renan
Calheiros (presidentes da Câmara e do Senado), argumentando que o PMDB deve
puxar a discussão do pacto federativo e das reformas política e tributária. Temos
essa chance agora.
Mas, afinal, há divergência ideológica com o PT?
Sou favorável a hum Estado bem mais enxuto, que cuide de
saúde, educação e segurança pública, enquanto o resto deve ser tocado em
parceria com a iniciativa privada. Também sou inteiramente contra intervenções em
setores como a mídia, que uma ala do PT quer regular. Outro ponto é a meritocracia.
Por questões ideológicas, há gente no PT que não gosta da ideia, alegando que
precisamos tratar a todos da mesma forma. Temos, sim, tratar de todos de
maneira igual, mas também saber diferenciar aqueles que fazem um esforço maior.
Qual é o principal nome para o projeto PMDB 2018?
Um nome bem-aceito hoje é o do prefeito Eduardo Paes. Pessoalmente,
aposto que a Olimpíada do Rio vai credenciá-lo para a disputa.
A ambição de voo-solo do PMDB não melindra os caciques
petistas?
Acho que não. Essas coisas são do jogo político. Não havia
partido mais ligado ao PT do que o PSB, certo? E, mesmo assim, Eduardo Campos
se lançou e surgiu como terceira via. O PSB tinha um laço com o PT muito mais
forte até do que o que tem o PMDB hoje, mais seguiu seu voo-solo. O mais difícil
não será a relação com os outros. Será a relação com os próprios membros. O maior
desafio é unir um partido que, em cada estado, se mostra diferente.
Como o senhor vê o futuro do PT?
Já tenho muito tempo suficiente na politica para saber que a
situação hoje pode estar de um jeito e, daqui a seis meses, o vento pode mudar.
Agora, há um evidente desgaste do PT. Já haveria de qualquer forma. São doze
anos no poder. As urnas trouxeram uma mensagem clara: a população brasileira
está dividida, meio a meio. Se o Aécio tivesse apresentado um desempenho melhor
em Minas Gerais, a base dele, o resultado teria sido outro. Atualmente, é mais
duro manter-se no poder no Brasil, porque os políticos estão sob a vigilância permanente
de uma classe média que ascendeu, se tornou exigente e aprendeu a cobrar.
A derrota do governo na eleição para a presidência da Câmara
dos Deputados é um indicador de que tem faltado à presidente Dilma Rousseff
habilidade para manter sua base de apoio coesa?
Acho a presidente Dilma uma pessoa séria e não escondo a admiração
que tenho por ela, mas nessas costuras lhe falta mais vivência política, mais conhecimento
do jogo de Legislativo. Passar por uma prefeitura, mesmo que seja a de uma
cidade pequena, proporciona uma experiência e visão que ela não teve.
O temperamento da presidente também pesa contra o equilíbrio
dos arranjos políticos?
Não sei. Comigo ela é um doce.
Como Dilma reagiu à chapa Aezão, em que uma ala do PMDB
fluminense trabalhou a favor da candidatura presidencial de Aécio Neves?
Claro que não gostou, mas eu também não fiquei feliz com a
candidatura do Lindberg Farias ao governo do Rio (pelo PT) e engoli. São coisas
que nosso sistema eleitoral admite e incentiva.
O filho do ex-governador Sérgio Cabral, Marco Antônio,
eleito deputado federal aos 23 anos, fez campanha aberta em prol de Aécio. A relação
de Cabral com Dilma saiu estremecida?
Não. Eles continuam a se falar com frenquência. Ficam ate
uma hora ao telefone: conversam sobre filmes, livros e política.
E o senhor, ainda escuta muito o ex-governador?
Trocamos mensagens pelo WhatsApp o tempo todo.
Foi ele quem lhe pediu que nomeasse o filho secretário de
Esporte de seu governo?
Não. Fiz a nomeação porque Marco Antônio é talentoso.
Foi o mesmo princípio que norteou a recente escolha de seu
enteado, Roberto Jardim, para o cargo de subprefeito na gestão Eduardo Paes?
Sim. Ele tinha um futuro brilhante em seu escritório de
advocacia, mas preferiu o caminho da política. Fui contra. Maluco na família
basta um. Nesse meio, você tem de ter carcaça, para apanhar. Eu tenho.
Voltando a Cabral, o senhor acha que ele seria um bom
candidato à prefeitura do Rio em 2016?
Ele tem dito que não quer, mas, se avaliar que é o caso, não
há dúvida: é candidato natural.
Nestas últimas semanas, o secretário de Segurança, José
Mariano Beltrame, veio a público dizer que as ações do estado eram “pífias” na área
social das favelas. Ele está reclamando demais?
É, mas acho que é natural. Ele houve muito os policiais. É verdade
que precisamos melhorar, como diz Beltrame, mas é verdade também que todo mundo
tem a tendência de olhar só para a sua área, sempre querendo mais, e eu, como
governador, preciso arbitrar.
Por que, depois de um período de redução da criminalidade no
Rio, as taxas de roubo e homicídio voltaram a crescer e os casos de bala
perdida não saem do noticiário?
Houve, de fato, um recrudescimento do crime no Rio, e o
ponto de inflexão foram as manifestações do ano passado, somadas ao caso
Amarildo. A polícia saiu desses episódios desacreditada, enfraquecida e recuou,
enquanto os bandidos avançaram sobre esse vácuo, enfrentando a política de pacificação
das UPPs.
A palavra pacificação é adequada para descrever o que se
passa nas favelas cariocas, onde se sabe que o crime ainda viceja?
Nunca tivemos a utopia de acabar com o trafico nas favelas,
mas, sim, o intuito de romper com a lógica do domínio do território pelos
bandidos. Nesse sentido, houve melhoras significativas. No Morro Dona Marta,
onde plantamos a primeira UPP, não há registro de um único homicídio nos últimos
cinco anos. Até o Alemão, um complexo ainda cheio de problemas deixou de ser um
lugar entrincheirado, com carro roubado para tudo que é lado e fuzis a cada
esquina, como eu mesmo testemunhei no passado. Claro que o Alemão, assim como
outras UPPs, têm muito que avançar, e vão.
Qual é o plano para isso?
Reconheço que houve um erro estratégico do comando anterior
da PM, que afastou das UPPs o Bope e o Batalhão de Choque e deixou nos morros
só aquele policial quase comunitário, menos preparado para o enfrentamento com
os bandidos. Faltou a cobertura das tropas de elite. Foi uma falha, já
corrigida. Agora, a segurança do estado tem sido o alvo preferencial dos
palpiteiros de plantão, o tipo que mais se encontra no Rio. Não ajuda em nada. O
cara que é especialista em enchente passa a ser especialista em falta d´água da
noite para o dia, uma coisa extraordinária.
A polícia do Rio é uma das mais corruptas do país e está no
topo do ranking das que mais matam e morrem. O que está errado?
É duríssimo mudar uma mentalidade que está entranhada na corporação
há mais de dois séculos. Mexer com estruturas e procedimentos muito antigos,
leva tempo. Só nos anos em estive no governo estadual, já vi passar por aqui
mais de cinco, seis comandantes da PM, cada um com sua visão e seus anseios. Todos
os esforços agora são para fazer uma escola de polícia mais enxuta e moderna, à
base de inteligência e tecnologia. Para coibirmos mesmo o crime, porém, vamos
precisar de mais ajuda federal.
Em que a ajuda federal faz mais falta?
As rodovias que cortam o Rio estão menos policiadas. Não sei
por que a vigilância baixou nessas rotas por onde chegam as drogas e armas que
abastecem os morros. Só sei que é preciso reverter isso. Tenho pedido ao
ministro José Eduardo Cardozo que reponha o contingente federal perdido, mas
até agora não fui atendido.
Seus adversários já abordavam o problema da água durante a
campanha, principalmente em regiões como a Baixada Fluminense. Foi uma falha do
governo não ter feito os investimentos necessários antes?
Foi uma falha, sem dúvida, mas de todos os governos
anteriores. Nós, pelo menos, saneamos as finanças na Cedae (empresa de água e
esgoto do Rio), o que vai permitir que ela invista no que for necessário. Quando
assumimos o estado, a Cedae dava 30 milhões de reais de prejuízo por mês. Hoje dá
lucro.
Sua grande responsabilidade para a Olimpíada de 2016 é
despoluir a Baía de Guanabara. Afinal, a promessa de 80% do esgoto tratado será
cumprida?
Tenho dinheiro e os esforços estão concentrados nisso, mas
infelizmente, são tantos os obstáculos burocráticos e as amarras que vão aparecendo
pelo caminho que não dá para dizer “vou entregar os 80%”. Sem dúvida, haverá
melhorias visíveis em 2016. Agora, se não chegarmos aos 80%, ficaremos em 60%,
70% até os Jogos, sem recuar depois. Quero a Baía de Guanabara 100% limpa, nem
que seja em 2017, 2018.
Circula a notícia de que seu nome estaria citado na lista
dos políticos que receberam dinheiro do petrolão. O que o senhor tem a dizer?
Não tenho ideia do contexto em que meu nome estaria incluído,
mas o que posso afirmar e deixar registrado é que nunca recebi dinheiro nenhum
em minha conta. Aliás, jamais tive conta no exterior. Se tem o meu nome lá, não
estou nem sabendo.
Sua campanha não recebeu recursos do propinoduto?
Se teve, todos os partidos brasileiros podem ter tido. Você pede
a doação e não pergunta: “Vem cá, esse dinheiro veio da Petrobras?”.
Só para ficar claro: estamos falando de dinheiro do petrolão
e não declarado, verba de caixa dois. Sua campanha obteve algum recurso dessa
natureza?
Dinheiro da Lava-Jato na minha campanha? Chance zero.
Na campanha de Sérgio Cabral, em 2010?
As contas foram aprovadas há tempos.
O senhor conhece Fernando Baiano, apontado nas investigações
da Lava-Jato como operador do PMDB no esquema?
Se cheguei perto dele, nem sabia quem era. O Paulo Roberto
Costa eu conheci por ser o homem da Petrobras que cuidava do Comperj (complexo petroquímico
carioca). Vou a qualquer foro. Coloco-me à disposição do Sergio Moro e do
Ricardo Lewandowski. Depois pode me cobrar pelo que digo aqui. Só espero mesmo
que a Petrobras saia da crise e da paralisia. O Rio e o Brasil já perderam
muitos bilhões.
Entrevista publicada nas Páginas Amarelas da revista Veja,
edição 2413, 18 de fevereiro de 2015.


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