Por Flávia Tavares, da Época
O período mais difícil do ano, convenhamos, é aquele
intervalo entre o Carnaval e o Réveillon. Entre o 31 de dezembro e a folia de
fevereiro, o Brasil é um país fácil: festa, verão, férias – ou, para quem pode,
trabalho na maciota. Pois 2015 pode alterar irreversivelmente essa tradição.
Para o bem e para o mal, o primeiro mês do ano deu uma canseira no país. Para
os políticos, nem se fale. Estavam – estão – num ritmo japonês de trabalho,
seja para causar ou evitar problemas. Os demais brasileiros vamos na rabeira
deles, arrastados pela incompetência que nem sequer esperou a Quarta-feira de
Cinzas para aparecer. A água está secando no Sudeste, a energia ameaça sumir
junto e a economia do país está, ora pois, desidratada e apagada. Tudo o que,
no intervalo de 2014, sabia-se que iria ocorrer. Mas nada que não pudesse
esperar por nosso desespero atual. Como alguns de nós já escrevem nas redes
sociais: #acaba2015.
Mas guardemos o chororô para a Quarta-Feira de Cinzas. As
vielas, ladeiras e praças do país esperam os quatro dias de alegria fugaz a que
todo brasileiro tem direito. É hora de esquecer os perrengues, travestir o
arrocho de arrocha e pensar que cachaça é água – o ribeirão secou, mas o
alambique, salve!, ainda não. Enquanto o cidadão prepara seu kit
fantasia-serpentina-engov, em Brasília os blocos já estão na rua. Há de tudo
na folia do sanatório geral. Ali, ninguém é de ninguém.
Ostentando o estandarte do bloco, lá vem Dilma Rousseff.
Samba mas não encanta. Por mais que tente, não mostra a ginga necessária para
empolgar os demais foliões. E, com tantas notícias ruins, haja dificuldade de
se manter no salto. Ela capricha na máscara e na purpurina, com a ajuda dos
maquiadores oficiais da República, Lula e o marqueteiro João Santana. Tudo é
meio falseado, tal qual na apoteose da ex-BBB que nem gosta de Carnaval, mas
não dispensa aparecer no desfile. Para não brincar sozinha, convocou a migucha
Kátia Abreu, ministra da Agricultura, ou melhor, best friend forever.
É o Galo da Madrugada de Brasília, o bloco mais populoso e
popular. Bomba no ritmo da queda do governo nas pesquisas. Eduardo Cunha, do
PMDB, é o patrono. Ele rasga a fantasia de aliado, sem medo da ressaca moral.
Convoca multidões peemedebistas a segui-lo no frevo da trairagem, a sambar de
sol a sol para derrotar propostas do governo que cheguem ao Congresso. O
presidente do Senado, Renan Calheiros, e o relator do Orçamento, o senador
Romero Jucá, caíram no samba com Cunha – e propuseram uma agenda independente
para o Legislativo. Há um bizu que o ex-presidente Lula vai aparecer no bloco,
escoltado por sua turma do “Volta, chefe”. Maldade.
Abraçados em cima do trio elétrico, cantando aos céus, estão
os governadores Geraldo Alckmin, Luiz Fernando Pezão e Fernando Pimentel. Neste
ano, a marchinha foi substituída por uma dança da chuva em ritmo de axé. Os
ambulantes que transitam pela multidão não vendem água, produto raro e caro.
Somente cachaça. Água é para os fracos – e, no Sudeste que virou sertão, há
apenas fortes. Os governadores querem uma micareta no próximo mês, caso as
águas de março venham mesmo fechar o verão. Se rolar, o esquenta – ops, a festa
– será no Cantareira.
Na Quarta-feira de Cinzas, quando estão todos exaustos
demais para raciocinar, quem bagunça o coreto é a turma mascarada e barulhenta
da oposição. Eles vêm chacoalhando as caxirolas, assoprando as vuvuzelas,
instalando CPIs e lembrando que todo Carnaval tem seu fim. Em vez de samba, os
componentes do black bloco sacam um grito que invoca o impeachment da
presidente Dilma. Por precaução, o pessoal do outro lado da rua retruca: “Sem
vio-lên-cia”.
Opa, aqui não entra qualquer um. Só com pulseira de ferro ou
tornozeleira eletrônica. É o pessoal que perde a linha. O improviso e a
malandragem tomam conta das ruas: são empreiteiros, petroleiros, tesoureiros...
Todos camuflados com fantasias feitas na gambiarra, sem glamour. Eles sambam em
nossas caras, sem nenhuma preocupação com as consequências. “Veja bem, era
Carnaval e...” A patuscada é o pretexto para todo tipo de pecado. Depois, eles
aparecem com aquela carinha de cachorro molhado: “Mas eu fui obrigado, eu fui
extorquido”. Nunca cola.
Eles não têm a menor graça, não se divertem e irritam o
folião. Mas, sem eles, não há Carnaval. Na festa em que tudo é permitido, os
bedéis são essenciais. A voz de comando neste ano está com o juiz Sergio Moro.
Mas ele precisa de ajuda. De braços entrelaçados, contendo os mais exaltados,
estão a Polícia Federal e o Ministério Público. É uma tarefa difícil. A pipoca
dos empreiteiros e dos políticos está descontrolada. Alguns ameaçam roer a
corda.
(Ilustrações: Estúdio Rufus).


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