Da IstoÉ
Se dependesse dos governantes, o espírito inebriante do
Carnaval se estenderia pelo ano inteiro. O ambiente de fantasias e as multidões
alegres nas ruas propiciam uma sensação de euforia que não necessariamente têm
base na vida real. Mesmo as troças com personagens e pilhérias com escândalos
com dinheiro público carregam a marca do bom humor, ambiente em nada parecido
com as manifestações que ocuparam ruas do País nos últimos tempos. Como não é
possível baixar um decreto prolongando a duração da folia para os brasileiros,
a presidente Dilma Rousseff resolveu lançar mão de alguns artifícios para
tentar manter o Brasil em clima de festa. A estratégia não é original. Pelo
contrário, esse samba já cansou de atravessar a avenida petista. Para estancar
a vertiginosa queda de popularidade, apontada pela última pesquisa Datafolha, a
presidente recorre aos truques do marqueteiro João Santana, folião de destaque
no carro alegórico governista. Em dias de Carnaval, é possível comparar o papel
de Santana – conhecido no governo como o 40º ministro – ao de um carnavalesco.
Cabe a ele criar o enredo que inebria a plateia. Na esfera política, como
acontece toda vez em que se vê em apuros no meio da passarela, Dilma se escora
no ex-presidente Lula, que depois de deixar o Planalto se transformou numa
espécie de animador de bateria do governo.
Tanto Santana quanto Lula estiveram com a presidente no
final da última semana. Deles, Dilma ouviu que ela vai ter que gastar muita
sola de sandália se quiser reverter uma rejeição de 44%. A evolução é a
seguinte: fazer mais política, viajar com mais frequência pelo País, conceder
entrevistas e anunciar medidas para sair da agenda negativa. Lula e Santana
consideram “preocupante” o cenário apontado pelo Datafolha. De acordo com essa
consulta, em pouco mais de um mês a avaliação positiva sobre Dilma caiu
bruscamente. Metade da população a considera falsa (54%), indecisa (50%) e
desonesta (47%). Em dezembro, 23% dos brasileiros avaliavam o governo como
“ruim” ou “péssimo”. Este índice agora subiu para 44%.
A cúpula petista atribuiu a percepção de “falsa” ao
contraste entre o discurso do “Brasil das maravilhas” adotado na campanha
eleitoral e a prática depois de reeleita, que trouxe medidas amargas, como o
reajuste da gasolina e as alterações em benefícios sociais. “Há uma diferença
entre o discurso da presidente quando ela lia o que escrevia João Santana e
agora, quando lê o que escreve o ministro da Fazenda, Joaquim Levy”, afirma o
senador Cristovam Buarque (PDT). A avaliação de “desonesta”, também segundo os
assessores palacianos, guardaria relação com os recentes escândalos do
Petrolão, que ainda não a atingiram diretamente, mas reforçam a sensação de
impunidade, contra a qual Dilma prometera lutar durante a campanha.
Para voltar a subir no conceito do irritado júri de
brasileiros, a presidente escolheu como abre-alas o anúncio de um “pacote
anticorrupção”. Depois do Carnaval, os brasileiros receberão uma compilação de
antigos projetos de lei sobre combate aos malfeitos. Trata-se de um recurso já
conhecido. Foi exatamente assim que o governo reagiu contra a revolta das ruas
em junho de 2013. O pacote engloba temas bem familiares. Além de prometer punir
com rigor agentes que enriquecem ilicitamente, o conjunto de propostas pretende
tornar crime a prática de caixa 2, o velho ilícito utilizado como argumento
pelo PT ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar escapar das penas do
mensalão. O governo também prometerá agilizar o julgamento de processos de
desvio de recursos públicos e acelerar investigações e processos movidos contra
autoridades com foro privilegiado. No pacote ainda está prevista a criação de
uma nova espécie de ação na Justiça para possibilitar o confisco de bens
adquiridos de forma ilícita ou sem comprovação. Nenhuma das propostas que serão
apresentadas por Dilma é inédita. Projetos idênticos ou com a mesma intenção
permaneceram esquecidos nos quatro anos de seu primeiro mandato. Muitos deles
de autoria até de parlamentares governistas. Mas a presidente nunca mobilizou
sua base aliada na Câmara e no Senado para votar as propostas agora vendidas
como inovadoras.
Outra preocupação do governo é desconstruir a característica
de “indecisa” atribuída à presidente no levantamento do Datafolha. Esse traço
da personalidade estaria relacionado à notória falta de habilidade política de
Dilma. Neste início do ano, a presidente e seu ministro da Casa Civil, Aloizio
Mercadante, em flagrante desarmonia com o Congresso, deixaram o comando da
Câmara parar nas mãos do controverso deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A falta
de gingado da dupla palaciana trouxe Lula de volta para a avenida. Além de
viajar pelo País, em agendas combinadas com Dilma, o ex-presidente atuará como
bombeiro na tentativa de pacificar a base governista. Um de seus trunfos é a
negociação da composição do segundo escalão do governo. Sem Lula, a bateria
perdeu o ritmo e o cortejo desandou. Atualmente, cada ala desfila em seu
próprio compasso. É assim no Congresso e na Esplanada dos Ministérios. As
bancadas do PT na Câmara e no Senado quase nada fazem para defender decisões
que Dilma tomou sem ouvir auxiliares e aliados. A medida provisória que muda
regras do seguro-desemprego é o maior exemplo. Nenhum parlamentar, por mais
leal que seja, abraçou o projeto da presidente publicamente por temer perder votos
por uma proposta que desagrada aos trabalhadores. Dilma demonstra ter pouca
influência até mesmo sobre os líderes do Congresso.
O projeto de criar uma alegoria para melhorar a imagem do
governo passa ainda pelo esforço de reinventar a fantasia do PT, que agora se
vê com mais um tesoureiro, desta vez João Vaccari Neto, envolvido num escândalo
de corrupção, o Petrolão. O partido trabalha nos bastidores a fim de resgatar a
imagem e viabilizar a candidatura de Lula ao Planalto em 2018. Para reforçar o
resgate da imagem, o PT vai levar ao ar este mês uma web-TV. Estúdios foram
montados em São Paulo e Brasília. A intenção é criar um canal em que o PT possa
dar sua versão para os principais fatos políticos. Outra medida concreta será a
qualificação do perfil dos dirigentes, hoje em sua maioria egressos da
burocracia partidária. Livrar-se da pecha de partido pragmático, alimentada ao
longo de 12 anos no governo, é outro objetivo, mas nesse caso a legenda teria
de voltar a encampar suas velhas teses de esquerda. É aí que os interesses de
Dilma e PT se chocam. Até se entrelaçarem novamente, como ocorre agora.
Quando venceu as eleições, Dilma deixou vazar a informação
de que Lula exerceria menor influência no novo mandato. Nos bastidores,
dizia-se também que a presidente não gostou de saber que João Santana se
atribui imensa importância pela vitória na campanha da reeleição, versão
propalada na biografia do marqueteiro recém-lançada. Pouco mais de um mês
depois do início do segundo mandato, os dois estão de volta para tentar salvar
a apresentação. Como se percebe, apesar dos esforços, não será fácil para o
governo prolongar a animação momesca dos dias de folia. É como se Dilma
procurasse pôr em prática a atmosfera ilusória cantada no samba “Sonho de um
Carnaval”, do compositor Chico Buarque. “Carnaval, desengano/ Deixei a dor em
casa me esperando”. Mas, para a tristeza do bloco do governo, a realidade impõe
um outro verso da obra de Chico: “Na quarta-feira sempre desce o pano”.


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