Artigo de Fernando Gabeira
Escolheram mais um suspeito de sempre. Essa frase, de um
jornalista americano, sobre o novo presidente da Petrobras é precisa.
Certamente não se referia à trajetória pessoal de Aldemir
Bendine. Ele ignora que o banqueiro guarda dinheiro no colchão ou que fez um
empréstimo generoso à socialite Valdirene Aparecida Marchiori. Creio que queria
apenas dizer que o governo arruinou a Petrobraas e dificilmente encontrará
alguém, dentro dos seus quadros, capaz de reconstruí-la.
Era preciso um novo presidente com capacidade e autonomia.
Se alguém com talento conseguisse sobreviver no governo, decerto seria
alvejado pelos atiradores do PT ao revelar alguns vestígios de autonomia.
O PT completou 35 anos com festa. E de alguma forma
lembrando a frase “cuidado com os idos de março”. É uma data do calendário,
talvez o dia 15, lembrada pelo assassinato de César. Os idos de março sempre
evocam momentos trágicos para um governo.
No caso brasileiro, o grande adversário do PT é sua
própria visão de mundo. O partido considera manobra golpista a enxurrada de
dados sobre corrupção na Petrobrás e outros órgãos do governo. Por
exemplo, um ex-gerente, em delação premiada, disse que o PT recebeu mais ou
menos US$ 200 milhões em propinas, na área de abastecimento. O partido nega.
Usando o senso comum, parece-me absurda a controvérsia em
torno de meio bilhão de reais. Se esqueço de pagar uma água de coco no bar
do Baiano, no Flamengo, ele é o primeiro a me lembrar que faltam R$ 5. Se
tenho direito a troco de apenas R$ 1, reclamo prontamente. Como é possível
que uma verba de R$ 500 milhões, oriunda de contratos reais da empresa,
transite tão etereamente a ponto de uma intensa investigação não determinar
sua trajetória?
A decisão do PT de negar todas as evidências é a manobra
mais perigosa que o partido já engendrou nos últimos anos. Dizem os jornais
que na festa de aniversário, em BH, o PT prometeu manifestações públicas
para defender o governo e isolar o golpismo. Isso é mais animador, pois pode
precipitar a realidade. Bandeiras e camisas vermelhas acusando a Lava Jato de
manobra golpista podem revelar ao partido um pouco da realidade.
Ando muito pelas ruas. Mas pode ser que ande pelas ruas
erradas e tenha uma falsa impressão. Mas a pesquisa Datafolha mostrando a
queda na aceitação de Dilma confirma minhas intuições. Não será fácil de
novo desfilar com macacões laranja defendendo uma Petrobrás que a maioria
acredita ter sido saqueada pelo PT e aliados. Com que palavras de ordem sairão
às ruas? “A Petrobrás é nossa” não é um refrão aconselhável para as
circunstâncias. Resta talvez a resistência a um golpe hipotético.
E talvez nisso esteja a grande esperança do PT. Um golpe
seria sua redenção, a condição de vítima talvez sepultasse o peso dos
bilhões roubados da Petrobrás. Mas não há golpe no horizonte. As próprias
condições de inserção internacional do Brasil já sepultaram qualquer
solução fora da lei. Resta o desenrolar implacável de um processo de
corrupção gigantesco que atrai a atenção mundial, porque ocorreu numa
empresa globalizada.
A tática de negar sua responsabilidade neste processo
histórico será um dado decisivo na história do PT. Muitos já denunciam o
medo de Lula e Dilma de discutir abertamente o que se passou na Petrobrás.
Pode ser que Lula, Dilma e o PT analisem como coragem sua disposição de
enfrentar o processo afirmando que tudo o que o partido recebeu foi doação
legal. Mas de onde veio o dinheiro senão do saque da Petrobrás?
No momento é possível reunir a coragem para negar. Mas com
o avanço das evidências seria preciso uma coragem muito maior para negar
também a lucidez das instituições jurídicas e da opinião pública
nacional.
Pela experiência, o que acontece nesses casos é sempre
muito doloroso. O PT ainda está um pouco escondido, mas pode observar, por
exemplo, o que aconteceu com Graça Foster e Nestor Cerveró: tornaram-se
máscaras de carnaval; os vizinhos ergueram faixas contra Graça.
O partido, contudo, escolheu o caminho mais espinhoso para
enfrentar o processo. Como no passado, tentará convencer as pessoas de que
estão erradas e foram manipuladas pela imprensa.
Outro dia, um homem na rua me disse: “Às vezes me arrependo
de ser consciente. Se fosse apenas desligado do Brasil, não sofreria tanto. É
muito duro para as pessoas, presenciando um processo com números, nomes de
contratos, delatores premiados e tudo o mais, assistirem a alguém dizer que
tudo isso é uma grande manobra. Querem me convencer de que sou maluco”. Disse
ao homem que era um processo mais amplo e, no fundo, está em jogo isto mesmo:
ou se pune a corrupção, prendem-se as pessoas e se obriga os partidos a
pagarem um enorme preço político, ou então a tática do PT triunfou.
Será preciso enlouquecer todo um país. É uma jogada de
alto risco. No mensalão, de punhos erguidos, descobriram a realidade dos
presídios e trataram de sair fora, deixando nas grades as secretárias que
fechavam envelopes.
Em caso de vitória, terão de governar um País
enlouquecido. Em caso de derrota, as consequências são imprevisíveis. Desde a
camisa de força até cumprir inversamente a profecia de Delúbio Soares de que
o mensalão com o tempo será uma piada. É o próprio PT, com o tempo, que
pode virar uma piada.
Se esse é o caminho escolhido, então que vengan los toros.
Marqueteiros de todo o País, uni-vos em torno da grana que ainda está nos
cofres e provem que essa montanha de dinheiro roubado é apenas miragem, que
Pasadena foi um bom negócio e a Petrobrás vai bem, apenas ameaçada pelos
inimigos externos.
Procurem fazer um bom trabalho. No mensalão, lembrem-se,
sobrou para os marqueteiros. Milhões de dólares rolam pelos computadores num
simples toque no teclado. Mas isso não significa que sejam invisíveis.
O empresário de Santa Catarina que tinha 500 relógios num
cofre tem lá sua lógica. O tempo está contra a quadrilha, é preciso
detê-lo de qualquer forma.
Fernando Gabeira, jornalista, escritor e ex-deputado
federal.
Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em
13/02/2015


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