Da Veja
Como o ex-governador Cid Gomes transformou a capital do
Ceará em um cemitério de obras, incluindo a que seria "o maior aquário da
América Latina"5 — hoje, mais um esqueleto na paisagem
Assim como Orlando, nos Estados Unidos, tem a Disney,
Bilbao, na Espanha, tem o Guggenheim e Paris, na França, tem a Torre Eiffel,
Fortaleza, no Ceará, teria o Acquario, afirmou, em 2013, o então governador do
estado, Cid Gomes, do PROS. Projetado para ser a maior construção do gênero da
América Latina, o Acquario do Ceará teria 500 espécies de peixe, simuladores de
submarino e dois cinemas 4D. Com ele, Fortaleza se transformaria em uma
"cidade referencial para o mundo", profetizou Cid. A previsão era que
a construção ficasse pronta antes da Copa do Mundo_de_2014. Não só não ficou
como desde fevereiro está parada — assim como estão paradas as obras do veículo
leve sobre trilhos, que transportaria 90000 passageiros por dia em Fortaleza,
da linha leste do metrô, que deveria ser o maior investimento da história do
Ceará, e (aqui, parcialmente) da duplicação do anel viário, anunciada como a
solução para o congestionamento entre os portos de Mucuripe e Pecém. No lugar
dos empreendimentos que deveriam estar de pé — vistosos só nas maquetes, como a
que se vê na foto superior ©_ há apenas canteiros abandonados, lixo acumulado e
um ou outro segurança que circula pelos terrenos para evitar que moradores de
rua se apossem deles.
De 2007 a 2012, o Ceará, que ocupa o modesto 139 lugar no
ranking do PIB nacional, só perdeu em investimentos em obras para São Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro. O resultado foi que, ao longo dos dois mandatos
de Cid Gomes (2007 a 2014), a dívida do estado aumentou 227% — quase o dobro do
que cresceu a do Rio de Janeiro, por exemplo, que bancou empreendimentos para a
Copa e a Olimpíada. Para continuar tocando suas megaobras, Cid Gomes contava
com sua boa relação com o governo federal, que despejou dinheiro lá até o ano
passado. Dos 3 bilhões de reais que custarão no total as obras do metrô, do
VLT, do Acquario e do anel viário, 2 bilhões deveriam vir dos cofres federais e
de empréstimos do BNDES e da Caixa. Mas a crise financeira levou o governo
Dilma Rousseff a represar os repasses. A maré da economia virou, a água baixou
e deixou à mostra as carcaças das promessas de Cid.
Para fechar os balanços nos últimos quatro anos, o
ex-governador lançou mão da contabilidade criativa, de acordo com um
levantamento do economista Mansueto Almeida. Os superávits primários divulgados
pela Secretaria da Fazenda do Estado entre 2011 e 2014, quando comparados aos
números calculados pelo Banco Central a partir do crescimento da dívida líquida
cearense, derretem ou se tornam déficits expressivos. Em 2011, por exemplo, o
governo do Ceará anunciou um resultado primário de 1,8 bilhão de reais, ante os
172,2 milhões de reais aferidos pelo Banco Central. Em 2013, enquanto os dados
oficiais do governo Gomes indicavam um superávit de 651,7 milhões de reais, o
BC apurou 275.3 milhões de reais. Em 2012 e 2014. novo episódio de_
daltonismo fiscal: onde Cid Gomes via azul, o BC enxergava
vermelho. O governo do Ceará anunciou 1,6 bilhão de reais de superávit em 2012,
enquanto o Banco Central estimou um déficit de 640 milhões de reais. No ano
passado, o estado divulgou um azul de 455,3 milhões de reais, enquanto o Banco
Central calculou um vermelho de 964,8 milhões de reais nas contas cearenses.
A mágica fiscal envolve dois macetes. O primeiro é descontar
os investimentos em infraestrutura do cálculo da despesa primária. O segundo,
utilizar o superávit excedente em relação à Lei de Diretrizes Orçamentárias do
ano anterior para abater despesas do ano corrente. O uso desses truques,
incomum, passou a ser permitido no Ceará a partir de 2009, graças à aprovação
de uma lei estadual enviada pelo governo Gomes à Assembleia. "Esses mecanismos
prejudicam a transparência das contas fiscais do estado. Tornam o resultado
primário do Ceará um número sem sentido econômico, que não mostra o real
esforço fiscal ao longo dos anos", diz Mansueto Almeida. Na última sexta,
a relatora das contas do governo do ano passado no Tribunal de Contas do Estado
aprovou com ressalvas o relatório, criticando os mecanismos usados por Cid para
produzir os números. Menos disfarçáveis que eles, porém, são os esqueletos de
concreto que se veem nas ruas de Fortaleza. A maioria das obras está sem
previsão de término.
O atual governador do Ceará, Camilo Santana (PT), aliado de
Cid Gomes, atribui as paralisações a atrasos das empreiteiras, à demora na
desapropriação de áreas e ao fato de um prometido empréstimo do banco americano
Eximbank ainda não ter saído (entre outros motivos, por causa da suspeita de
fraude na licitação do aquário, sob investigação do Ministério Público, mas
isso o governador não diz). Como suas megaobras, o vaticínio de Cid Gomes não
se concretizou. Para frustração dos cearenses, Fortaleza hoje só pode ser
considerada um "referencial para o mundo" se for no campo da falta de
planejamento — marca registrada da gestão pública no Brasil, mas que, no Ceará
de Gomes, ganhou seus mais vistosos monumentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário