Artigo de Fernando Gabeira
Você poderia chamá-las de petroputas ou prostipetro, mas não
seria preciso. As meninas aparecem em quase todo grande escândalo em Brasília.
Não são especializadas. Finalmente, deram as caras no escândalo do Petrolão.
Documentos da PF indicam que houve gastos com garotas de programa, mencionadas
em rubricas como Jô 132 e 3 Monik nas planilhas de Alberto Youssef, um dos
grandes nomes do caso.
Lembro-me de que uma das grandes cafetinas de Brasília uma
vez me perguntou no aeroporto o que pensava das garotas de programa nesses
escândalos. Disse que não as incriminava. Os políticos e empresários gostam de
Rolex, compram sapatos Labutin para suas mulheres. Não se podem culpar as
marcas, muito menos os vendedores que não costumam perguntar sobre a origem do
dinheiro.
Mas a presença das meninas dá um tom global ao escândalo. O
ex-dirigente do FMI Dominique Strauss-Kahn foi preso em Nova York por assédio.
Mas na França, onde a prostituição é criminalizada, teve de responder a
processo. O mesmo se passa com Silvio Berlusconi, com suas famosas
bunga-bungas. Também foi processado.
Num contexto de prostituição legalizada, as coisas seriam
mais fáceis. Aos documentos da Lava-Jato seriam incorporados recibos de
prestação de serviços. Papai e mamãe, blow jobs e o caríssimo beijo na boca
seriam especificados.
A Lava-Jato já tem inúmeros componentes cinematográficos.
Mas a entrada das meninas nas festas dos poderosos assaltantes da Petrobras era
uma espécie de elo que faltava. Gurus, políticos e empresários costumam revelar
nesses episódios o desejo de uma satisfação sexual ilimitada. É uma espécie de
calcanhar de Aquiles.
Leio que as garotas de programa já apareceram em revistas e
talvez por isso cobrem mais caro. São contratadas como os ricos compram
quadros, não pelas formas, mas pela fama do pintor.
Outro dia, um grupo de São Paulo me convidou para contribuir
com o roteiro de um filme sobre Brasília. Respondi com uma ideia tão maluca que
nunca mais voltaram ao assunto.
Era uma nave de outra galáxia que se aproximava de Brasília
com a missão de ocupar alguns prédios habitados por duas tribos de cabelos
pintados: os Acaju e os Graúna. Na medida em que eles se aproximavam,
acompanhavam pela tela da nave o comportamento da sociedade que ainda não
conheciam em detalhes.
Agora vejo que caberia nesse argumento cinematográfico uma
garota de programa infiltrada que mandaria mensagens constantes para o big
data; crescimento dos implantes de pênis, baixa da tesão nos dias em que o
Banco Central anuncia a taxa de juros.
Sempre me interessei pela economia libidinal de Brasília. No
passado, escrevi sobre as prostitutas que faziam um cordão em torno do setor de
hotéis. Cheguei a propor uma cartilha para os prefeitos do interior
distinguirem uma travesti de uma garota de programa.
Um equívoco. Creio hoje que para todos é melhor uma dose de
ambiguidade. Uma travesti que conheço, talentosa técnica administrativa, me
contou que ao descobrirem o que se trata, alguns políticos fingem que não
viram.
Talvez no futuro vejamos um livro do tipo “Memórias de uma
cafetina em Brasília”. Espero também que não tenha nomes. Apenas elementos que
nos ajudem a descortinar o universo libidinal do poder. Se não servir para a
história, no sentido mais amplo, servirá para os roteiristas que buscam
histórias de gente de carne e osso.
As meninas custaram a aparecer no Petrolão. Parecia um
escândalo baseado em fortunas, compra de apartamentos, obras de arte. Elas
apelam não só para um sentido universal, o sexo, mas também para o fugaz
reencontro com o doce pássaro da juventude.
Com a entrada da Polícia Federal na casa de Fernando Collor,
constatei que, além de seu carro oficial, ele tem três carros de luxo na
garagem que devem valer juntos R$ 6 milhões. São apenas três de sua coleção de
14.
Qual o sentido disso, exceto garantir a Collor que ele tem
carros de luxo na garagem, que é o bambambã?
Com a grana da corrupção, compram um sopro de juventude,
transando com as meninas: com a coleção carros compra-se uma infância de
brinquedos de luxo.
A nave se aproxima horrorizada.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 19/07/2015
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