Da IstoÉ
Durante uma conversa rápida e acima de tudo tensa, o
vice-presidente, Michel Temer, mostrou como trabalha para buscar a
governabilidade do País no momento em que as pesquisas revelam que seis em cada
dez brasileiros clamam pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. A conversa
se deu na Base Aérea de Brasília, na sexta-feira 17. Temer preparava-se para
embarcar rumo a São Paulo, quando foi abordado pelos presidentes da Câmara e do
Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, ambos do PMDB e na alça da mira da
Operação Lava Jato. Mais irritado do que de costume e com um tom de voz acima
do habitual, Cunha disse ao vice-presidente que iria naquele momento anunciar o
rompimento com o governo. Lamentou que o Palácio do Planalto não o protegia das
ações do juiz Sérgio Moro e antecipou que não pouparia esforços para colocar na
pauta do Legislativo o impeachment de Dilma Rousseff. Temer interpretou o gesto
como uma armadilha: Cunha teria preparado o cenário para colocar o
vice-presidente como co-protagonista do rompimento com o governo e na
declaração de guerra à presidente. Mostrando irritação, a resposta dada pelo
vice-presidente traduz o pragmatismo político de Temer. Logo depois de dizer
que o rompimento com o governo era um gesto isolado de Cunha e não o caminho
escolhido pelo PMDB, ele afirmou ter um compromisso com a Constituição e não
com o Código Penal. Lembrou aos interlocutores que não se furtará a ocupar o
lugar da presidente caso um processo absolutamente constitucional leve ao
impeachment. Mas, em seguida, advertiu que, se vier a se concretizar o
afastamento da presidente e sua promoção ao comando do País, a postura será a
de buscar convergências capazes de retomar o crescimento e não colocar a
máquina governamental como instrumento de proteção ou a serviço de um ou outro
grupo político.
Temer sabe da importância do PMDB e de sua atuação para a
governabilidade do País, seja como vice-presidente, como substituto de Dilma se
vier o impeachment ou como aliado de um novo presidente caso tanto Dilma como
ele venham a ser afastados do poder em razão de falcatruas nas contas
eleitorais do PT. Como vice, não abre mão da lealdade, ocupa espaço na
articulação política do governo e vem trabalhando de uma maneira que o
credencia, caso necessário, a ocupar o poder sem que o País mergulhe em uma
crise institucional. Temer navega com facilidade pelas mais variadas legendas e
setores da sociedade. E quanto mais a Lava Jato agrava a crise política, mais
aumenta a importância do vice. Não é à toa que nos últimos meses o Palácio do
Jaburu, sede da Vice-Presidência da República tem se transformado em destino
principal de diversas romarias. Cansados das negativas, indiferença e rispidez
da presidente Dilma Rousseff, parlamentares da base, governadores, ministros
petistas, representantes de associações empresariais e sindicais, militares de
alta patente, presidentes de órgãos do Judiciário e, até mesmo, integrantes da
oposição buscam o gabinete de Michel Temer para suprir a falta de diálogo da
Presidência. Somente nas duas primeiras semanas de julho, Temer recebeu 77
parlamentares, acomodados nos intervalos das agendas com governadores,
empresários e representantes do Judiciário. A muitos deles, o vice tem dito
que, caso o governo se inviabilize politicamente, não será ao lado de Cunha e
Renan que ele buscará a recomposição nacional. Ele pretende aglutinar quadros
como o ex-senador Pedro Simon, os ex-ministros do STF Carlos Ayres Brito e
Joaquim Barbosa, e o empresário Josué Gomes, filho do ex-vice-presidente José
Alencar. “Em nenhum instante ele fala em impeachment, mas deixa muito claro que
caso venha a governar, seja agora ou em 2018, pretende fazer um governo que não
fique refém de Cunha ou de Renan”, disse na manhã da quinta-feira 23 um dos
interlocutores do vice-presidente.
Enquanto tenta promover a articulação política do governo,
na condição de principal líder do PMDB, Temer trabalha para apresentar ao País
uma nova alternativa de poder, uma vez que já anunciou que a legenda pretende
ter candidato próprio em 2018. Sob seu comando, o programa nacional do partido
que vai ao ar em cadeia de rádio e tevê no dia 28 de setembro irá repetir o
slogan “não são as estrelas que me guiam, são as escolhas que vão me levar” e
em seguida dirá: “As escolhas falam por nós”. Na prática, uma espécie de
declaração de independência em relação ao PT. Nada impede, porém, que a
separação, a princípio marcada para 2018, seja antecipada. Outra demonstração
de alternativa real de poder está agendada para o dia 15 de outubro, com o
primeiro Congresso Nacional do Partido, que levará o nome de Congresso
Compromisso. Ali, o PMDB apresentará ao País um novo estatuto e 15 propostas
concretas para o Brasil. Para elaborar esse tipo de carta de intenções, Temer
tem se reunido com empresários, sindicalistas, representantes do agronegócio,
membros do Judiciário e líderes de diversos partidos, inclusive da atual
oposição como o DEM e o PSDB. Emissários do vice-presidente conversam
semanalmente com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e com o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso. Há alguns desses interlocutores Temer já manifestou que o
PMDB deve lançar candidato próprio em 2018, mas que abrirá mão de disputar a
eleição caso venha a ocupar a Presidência em razão de um impeachment de Dilma.
Nesse cenário, afirma que chamara Lula, Marina Silva, Aécio Neves e outros
presidenciáveis e dirá a eles para que construam suas candidaturas enquanto
permitam que o governo trabalhe para recolocar o País nos trilhos, sem abrir
mão do combate à corrupção.
Sem o poder da caneta presidencial, o vice costuma mais
ouvir do que falar e assim vem conquistando a confiança de parlamentares e
empresários. Atualmente, Temer tem priorizado o setor produtivo da Construção
Civil e do Varejo, áreas que sofrem fortemente os impactos da crise econômica.
Nas próximas semanas pretende abrir a agenda para os movimentos sindicais. A
todos esses interlocutores o vice repete como se fosse um mantra que o País
precisa avançar independentemente do combate à corrupção, que, segundo ele,
deve ser implacável. “O problema não é combater a corrupção, mas precisamos
tratá-la nas páginas policiais e não pautar a política pelos crimes ou pelos
criminosos”, afirma Temer a vários líderes que o procuram. Na semana passada, o
trabalho de Temer pela manutenção da governabilidade ultrapassou as fronteiras.
Reportagem da revista Economist com o título “The Power Behind the Throne” (O
poder por trás do trono”), diz que o vice-presidente faz o papel de
primeiro-ministro e se reúne com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com mais
frequência do que a própria presidente Dilma. A revista afirma ainda que, no
governo atual, é o PMDB quem dá as cartas em Brasília. A Economist cita a
estagnação econômica, a alta da inflação e a Operação Lava Jato para explicar
por que, agora mais do que nunca, a presidente precisa do PMDB. A reportagem
lembra que o PMDB tem mais cadeiras no Congresso e mais integrantes do que
qualquer outro partido, incluindo os principais rivais da política brasileira,
PT e PSDB.
O papel de Temer ganhou destaque no exterior depois de sua
atuação em Nova York, onde permaneceu da segunda-feira 20 até a quarta-feira
22. Temer deu palestra em evento com advogados americanos e alunos da
Universidade de Cornell e teve encontros reservados com empresários do setor de
infra-estrutura. A agenda oficial de Temer nos Estados Unidos incluiu, ainda,
almoço com 30 representantes de grandes grupos de investidores financeiros como
Pimco, Goldman Sachs, JP Morgan e Nomura. Juntas, as empresas gerenciam fundos
em dezenas de países que atingem cifras de U$ 14 trilhões, valor sete vezes
maior do que o Produto Interno Bruto do Brasil. O objetivo era o de
reconquistar a confiança desses investidores. Temer tentou relativizar a crise
política e econômica do País e chamou de “alegria cívica” as manifestações
populares que tomam as ruas para pedir a saída da presidente Dilma Rousseff. A
ida do presidente da Câmara, Eduardo Cunha para a oposição foi chamada de uma
“crisezinha política”, que, segundo Temer, não interfere na instabilidade
institucional. “Na verdade, até uma crisezinha política existe, mas crise institucional
é que não existe. Esses acidentes ou incidentes que acontecem de vez em quando
não devem abalar a crença no País”, disse, para logo em seguida afirmar que se
vier a ocupar o governo não abrirá mão do ministro Joaquim Levy.
A maior visibilidade ao pragmatismo político de Temer se deu
exatamente na semana em que foi constatada a impopularidade recorde da
presidente Dilma. Na terça-feira 21, pesquisa CNT/MDA apontou que o governo tem
a pior avaliação registrada desde 1999. Dilma Rousseff tem apenas 7,7% de
avaliação positiva dos brasileiros. Em março, o percentual era de 10,8%. A
queda demonstra a resposta das ruas ao desgaste sofrido pelo governo devido às
denúncias de corrupção, flagrantes de irregularidades, falhas na administração
pública e alta inflacionária. De acordo com a pesquisa, 70,9% dos entrevistados
consideram o governo ruim ou péssimo. A pesquisa questionou, também, a opinião
dos brasileiros em relação a um pedido de impeachment de Dilma. A saída da
presidente foi apoiada por 62,8% dos consultados.
Os números negativos do governo e a radicalização política
em torno do afastamento de Dilma exigem que o País seja pacificado. É nessa
direção que o desafio de manter a governabilidade se impõe. Em outro momento
emblemático da história do Brasil, na esteira do impeachment do ex-presidente
Fernando Collor, a celebração de um pacto nacional foi necessária para
restaurar a tranquilidade institucional e fazer o País voltar a andar. A
condução desse processo, na ocasião, coube ao vice de Collor, Itamar Franco. Em
dezembro de 1992, Itamar convocou uma reunião com todos os líderes e
presidentes de partidos e estabeleceu um governo de unidade nacional. Os frutos
seriam colhidos mais adiante, em 1994, com a criação do Plano Real, que
proporcionou a estabilidade da moeda e o fim da inflação. As duas conquistas
foram fundamentais para abrir caminho para as políticas de distribuição de
renda e inclusão social – iniciadas nos governos de FHC e aprimoradas nas
gestões de Lula.
A fama de pacificador atribuída a Michel Temer remonta ao
início da década de 90. Em 1992, ele assumia a Secretaria de Segurança de São
Paulo, depois de ser procurador-geral do Estado, com uma missão das mais
espinhosas: a de tentar resolver a profunda crise no setor ocasionada pela
chacina dos presos do Carandiru. Em seu primeiro ato como secretário, Temer
convocou a sociedade civil para participar da política de segurança. Arejou o
gabinete. Recomendou à secretária que marcasse quantas audiências fossem
necessárias por dia, mesmo que ele tivesse que madrugar em sua sala de
trabalho. Pela primeira vez, representantes de entidades ligadas aos direitos
humanos conquistaram assento no Conselho da Polícia Civil. O cenário encontrado
por Temer na secretaria de Segurança Pública era desolador. Registrava-se 1421
mortes de civis em conflitos com a PM. Para alterar o quadro, reforçou as
corregedorias e ordenou que agentes envolvidos em crimes contra civis fossem
deslocados para áreas administrativas, depois de passarem por exames
psiquiátricos. Em um ano, reduziu drasticamente as mortes para não mais que
350. Ganhou o respeito da população e a admiração da tropa. 23 anos depois,
Temer se considera mais maduro, viu sua liderança extrapolar os limites do
Estado de São Paulo, mas continua a apostar em uma arma fortíssima para romper
as resistências: o diálogo. Arma essa que parece não existir no arsenal da
presidente Dilma Rousseff.
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