Da IstoÉ
Na semana passada, ISTOÉ revelou que por determinação do
ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, a
Polícia Federal deverá fazer uma apuração sobre alguns gastos realizados pela
campanha de Dilma Rousseff em 2014. Há a suspeita de diversos pagamentos feitos
a empresas que seriam apenas de fechada. Ou seja, haveria no esquema oficial de
doação de recursos para a campanha uma espécie de lavanderia de dinheiro
proveniente de propinas do petrolão. A reportagem também mostrou que as
propinas da UTC entregues à campanha de forma oficial, como delatado pelo
empresário Ricardo Pessoa, abasteceram boa parte dessas empresas de fachada
(leia quadro na pág. 38). Agora, um novo levantamento feito pela revista indica
que essas mesmas empresas podem ter sido aquinhoadas com propinas depositadas
na campanha de Dilma pela Camargo Corrêa e pela Engevix, cujos executivos já
admitiram a participação no petrolão em acordos de delação premiada.
Com base nos depoimentos dos executivos que colaboraram com
a Justiça Federal em Curitiba, a reportagem levantou dezenas de recibos de
doações dessas companhias, cruzando-os com as ordens de pagamento aos
fornecedores que o TSE trata como “suspeitos”. Todas as empresas arroladas pelo
ministro Gilmar Mendes serviram de destino para parte do dinheiro proveniente
do petrolão. A análise nos documentos de receitas e despesas apresentados pelo
PT evidencia, ainda, fortes indícios da emissão de notas fiscais subfaturadas
para evitar a violação do limite de gastos da campanha. São elementos que
reforçam a tese da Operação Lava-Jato de que o PT usou o caixa 1 para lavagem
de dinheiro.
Gerson Almada, ex vice-presidente da Engevix, confirmou ao
juiz Sérgio Moro que pagou propina ao PT por meio de doações de campanha,
solicitadas pelo ex-tesoureiro da legenda João Vaccari Neto e pelo lobista
Milton Pascowitch, operador do ex-ministro José Dirceu – todos são réus na
Justiça Federal de Curitiba. Pressionada pelos protagonistas do escândalo, a
Engevix doou R$ 1,5 milhão para a campanha de Dilma em 2014. O recibo do
depósito data de 2 de outubro e foi assinado pelo então tesoureiro da campanha,
Edinho Silva, hoje ministro de Comunicação Social. No mesmo dia 2, a campanha
repassou R$ 156 mil para a UMTI, empresa de suporte de informática investigada
pelo TSE por suspeita de não ter prestado qualquer serviço à campanha. Outros
R$ 64,7 mil foram depositados na conta da Dialógica Comunicação, empresa de
Keffin Gracher, recém-nomeado assessor especial pelo ministro de Comunicação
Social. Há ainda vários pagamentos a empresas sem atividade aparente, segundo
as suspeitas do TSE. Chama atenção o pagamento de R$ 1,66 milhão à Ageis
Gráfica e Editora, que funciona no mesmo endereço de uma empresa de comércio de
equipamentos, no município catarinense de São José. Mais R$ 280 mil foram para
a Promo Gráfica, sediada num imóvel comercial de muros altos no bairro do
Lixeira, em Cuiabá (MT). Os telefones de ambas empresas estão desativados. A Dialógica
foi fechada há alguns meses. A UMTI diz que prestou os serviços.
Dias antes da doação da Engevix, a campanha de Dilma recebeu
um aporte de R$ 2 milhões da Camargo Corrêa. Vice-presidente da empreiteira,
Eduardo Leite, confirmou para o Ministério Público o uso do caixa oficial da
campanha para o pagamento de propina e alegou que a doação foi feita para
garantir seus contratos com a Petrobras. À Justiça Federal, Leite relatou que
Vaccari lhe sugeriu que quitasse “compromissos atrasados”, por meio de doações
eleitorais. Na campanha da reeleição de Dilma, o dinheiro da Camargo serviu a
uma série de pagamentos volumosos. No dia 1º de outubro, a campanha repassou R$
800 mil à gráfica VTPB e outros R$ 405 mil à Focal Comunicação. As duas
empresas estão na mira das apurações feitas pelo TSE e agora pela Polícia
Federal. Elas foram os maiores destinatários de recursos da campanha,
amealhando juntas quase R$ 50 milhões, atrás apenas da Polis Propaganda, do
publicitário João Santana, que recebeu R$ 70 milhões. No dia do pagamento à
VTPB e à Focal, o PT também depositou R$ 225 mil à gráfica “Souza & Souza”,
uma empresa individual aberta em março de 2014, quatro meses antes do início
oficial da campanha.
Os casos da Engevix e da Camargo Corrêa se somam ao da UTC. O
dono da empreiteira Ricardo Pessoa, que firmou acordo de delação premiada com o
Ministério Público, garantiu que os R$ 7,5 milhões doados à campanha de Dilma
tiveram origem no petrolão. Pessoa realizou três repasses de R$ 2,5 milhões: o
primeiro, no dia 5 de agosto, serviu para bancar parte dos honorários de João
Santana; o segundo, no dia 27, cobriu notas fiscais emitidas pela VTPB e Focal.
Também foram destinos dos recursos da UTC a gráfica virtual Souza & Souza,
que recebeu R$ 670 mil, e a Prospere Indústria e Comércio (R$ 330 mil), outra
empresa sem atividade aparente, segundo informações iniciais da PF. A gráfica
Red Seg, também uma “empresa individual”, foi destino de R$ 1,8 milhão.
Há outros indícios de que possa ter ocorrido lavagem de
recursos por meio de serviços gráficos. No dia 29 de agosto, a campanha de
Dilma recebeu 1,2 milhão de santinhos da Bangraf. No recibo de doação consta
como origem do material a campanha para deputado federal de Luiz Cláudio
Marcolino, ex-dirigente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, ligado a
Vaccari. A Bangraf não existe legalmente, usa o mesmo CNPJ do Sindicato dos
Bancários, que, por sua vez, aparece como sócio – ao lado do Sindicato dos Metalúrgicos
do ABC, da gráfica Atitude, citada na Operação Lava Jato como destino de
propina do petrolão para o próprio Vaccari. Marcolino, em sua campanha, recebeu
R$ 360 mil doados pela UTC. No TSE a suspeita é que a UTC pagou os santinhos
doados para a campanha de Dilma, numa espécie de financiamento indireto ou
ainda de uma simulação de prestação de serviços.
Na prestação de contas, há centenas de recibos eleitorais de
doações de materiais e serviços. Parte deles está em nome dos mesmos
financiadores diretos da campanha. Ou seja, o “produto” doado é produzido pelas
mesmas empresas suspeitas, mas leva o carimbo de outra campanha, como no caso
do deputado Vicentinho, que encomendou à Focal Comunicação a produção de
centenas de faixas para a campanha da presidente. É curioso que o petista, que
arrecadou pouco mais de R$ 1,4 milhão, tenha ainda contribuído materialmente
para a reeleição de Dilma com R$ 350 milhões. Mas a campanha dilmista também
fez centenas de doações de “bens e serviços” a candidatos aliados. Há ainda um
terceiro caso mais complicado, quando o doador do material de campanha é o
próprio Comitê Financeiro. No recibo da doação, consta o prestador do serviço,
a quantia do material de propaganda produzido e o valor. Mas nada a respeito da
origem do recurso usado. Dessa forma, burla-se os controles de fiscalização.
NOTAS SUBFATURADAS – Chama a atenção dos técnicos que já
tiveram acesso aos documentos da campanha o fato de valores declarados nos
recibos de doação de materiais serem muitas vezes bem abaixo do valor praticado
no mercado. Essa seria, segundo esses técnicos, uma forma de burlar o TSE
subfaturando notas para evitar a extrapolação do teto de gastos da campanha. Um
exemplo é a doação de santinhos produzidos pela Axis Grafica, de São Caetano do
Sul (RS). O Comitê Financeiro do PT doou para a campanha de Dilma 6,5% de um
total de 30 mil santinhos, ou 1.950 itens. O valor declarado pela campanha foi
de apenas R$ 14,62. Mas uma pesquisa realizada no setor gráfico indica um valor
médio de R$ 1,8 mil para a quantidade total encomendada e de R$ 121 equivalente
ao percentual doado. Ou seja, quase nove vezes o que foi registrado na
prestação de contas. Outro exemplo é a encomenda de 355 mil santinhos (modelo
card) feita pela campanha de Dilma à gráfica VTPB. Segundo a nota fiscal, o
material custou R$ 22,2 mil. Mas uma consulta a outras quatro gráficas do
mercado indica um custo real de R$ 41,8 mil, quase o dobro. Um terço do total
dos santinhos da VTPB foi doado à PCdoB do Acre. Quem assina o recibo é a
ex-deputada Perpétua Almeida, candidata derrotada ao Senado. Casos como esses
são recorrentes na contabilidade petista de 2014.
Os problemas na prestação de contas de Dilma vão além do suposto
subfaturamento. Há notas fiscais que, de tão genéricas, tornam-se indecifráveis
para o melhor dos investigadores. Uma nota em nome da Bangraf, por exemplo,
indica a produção de 200 mil folhetos, sem registro de medidas, gramatura de
papel ou mesmo seu conteúdo. Em nome da Focal, foi emitido recibo referente à
confecção de “90 faixas”. Não constam informações sobre tamanho ou material de
composição. Generalidades do tipo podem ser apenas simples erro de registro da
equipe financeira da campanha ou ação deliberada para evitar dificultar a
fiscalização do Tribunal Superior Eleitoral. ISTOÉ também revelou em sua última
edição que foram identificadas notas “fantasmas”, outras duplicadas ou mesmo
sem correspondência nos registros eletrônicos do TSE. Há também NFs emitidas
por gráficas, como a Ultraprint, subcontratada pela VTPB, anexadas à prestação
de contas sem a devida descrição da peça publicitária a que se refere, seja
folder, santinho, adesivo ou banner.
A suspeita de que a campanha de Dilma possa ter sido usada
para lavar dinheiro sujo do petrolão foi motivo de questionamentos da CPI da
Petrobras. Para os integrantes da força-tarefa da Lava Jato, não há dúvidas de
que Vaccari, preso desde abril, tinha conhecimento total do esquema. Os
procuradores e delegados que investigam o petrolão tentam agora saber até que
ponto Dilma e Lula sabiam sobre a origem dos recursos da campanha petista.
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