Editorial O Globo
A mão invisível que escreve em tempo real o roteiro da crise
política esbanja criatividade. Em meio a uma profunda crise econômica cuja
dimensão ainda não é visível, a presidente reeleita, do campo político que está
no poder há quase 13 anos, enfrenta um processo de impeachment, e busca apoio
em uma base parlamentar fluida.
Votações importantes no Congresso, para enfrentar as
dificuldades econômicas, atrasam ainda mais, estancadas pela confusão política,
e, se tudo isso não fosse suficiente, o já difícil relacionamento entre Dilma e
seu vice, Michel Temer, presidente do PMDB, o segundo maior partido da base do
governo, parece ter implodido de vez.
Nunca foi um convívio risonho. Mas desde a declaração de
Temer, em agosto, de que o país necessitava de alguém que “reunificasse a
todos”, o vice-presidente passou a ser visto no PT e pelo círculo próximo à
presidente como um conspirador em ação.
A carta pessoal enviada na noite de segunda por Temer a
Dilma, publicada ontem pelo GLOBO, se tornou prova documental do afastamento do
grupo peemedebista ligado ao vice em relação ao Planalto. Ou até mesmo de uma
grave divisão no partido.
Quanto a isso, aconselha-se cautela. Conhecido por ser uma
confederação de caciques regionais, o PMDB é o que existe na política brasileira
mais próximo do Partido Justicialista, peronista, argentino, em que há
representantes da esquerda à direita, incluindo os extremos. Algo como a
própria aliança montada pelo PT para governar.
Temer acusa o Planalto pelo vazamento da carta. E ele próprio
recebeu críticas de peemedebistas no Senado, do presidente da Casa, Renan
Calheiros (AL), e de próceres como o ex-senador José Sarney.
Entre os 11 pontos da carta, Temer destila mágoas políticas
e pessoais, relacionadas por ele como gestos de depreciação de suas funções.
Mas como nada é simples no partido, há, no imbróglio, a atuação da bancada do
PMDB fluminense, a maior do partido na Câmara, alinhada à defesa da presidente
Dilma.
Contra a posição, agora se vê, de Temer e de uma parte
ponderável do partido. É o que se conclui do resultado da votação de ontem, na
Câmara, para a escolha da comissão que deliberará sobre o pedido de
impeachment, em que a proposta da base do Planalto foi derrotada.
Se partiu mesmo do PT a iniciativa de romper com Temer, não
foi uma ideia inteligente, por desmontar a estratégia petista de eleger Eduardo
Cunha o adversário de Dilma. Pois, num embate de folha corrida com ele, a
presidente é vencedora indiscutível.
Já o confronto com Temer anima apenas a galera militante. Sem
falar que atravanca ainda mais as negociações no Congresso para aprovar
projetos importantes. Mas, como tem sido no Brasil dos últimos meses, nada é
minimamente previsível enquanto não se souber tudo o que a Lava-Jato apurou.
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