Na quarta-feira 17, o ex-presidente Lula terá de prestar
depoimento ao Ministério Público de São Paulo no processo sobre a reforma do
tríplex, no Guarujá, por suspeitas de ocultação de patrimônio e lavagem de
dinheiro. Será a primeira vez em que Lula, ao lado de sua mulher Marisa
Letícia, será ouvido como investigado. Nem no mensalão, com todas as evidências
de caixa 2 e compra de apoio político de parlamentares, o ex-presidente e líder
máximo do PT encontrou-se nessa condição. O caso envolve outra peculiaridade.
Nunca Lula esteve sob suspeição por vantagens indevidas e pessoais que possa
ter obtido durante o exercício do poder – como contrapartida a benefícios
públicos oferecidos a entes privados. Benesses estas de fácil entendimento
popular e com potencial de macular a imagem já bastante deteriorada do
ex-presidente, considerado a tábua de salvação do projeto de poder petista para
além de 2018, uma vez que todas as pesquisas mostram que, com Lula fora do
páreo, não há nas fileiras petistas viva alma com musculatura política
suficiente para concorrer, com chances de vitória, às próximas eleições
presidenciais.
Por isso, nos últimos dias, o PT desencadeou uma verdadeira
operação na tentativa de blindar Lula. Entraram em cena para defendê-lo, o
presidente do partido, Rui Falcão, ministros do governo, parlamentares e
ex-governadores da legenda. Os argumentos da tropa de choque não trazem
justificativas novas e se mostram desconectadas da realidade. Repetem o velho e
surrado discurso da vitimização, como se Lula estivesse acima do bem e do mal.
Os fatos, no entanto, se sobrepõem à narrativa. Por isso, apenas entre os
petistas mais fanáticos existe algum tipo de mobilização. Estes planejam uma
manifestação em frente ao Fórum da Lapa a fim de pressionar o MP durante o
depoimento de Lula numa espécie de “ato de desagravo”. Certamente, a
concentração irá reunir militantes de carteirinha, a maior parte empregada pelo
aparelhamento promovido pelo partido em prefeituras, estados e no governo
federal. Seguindo a cartilha da cúpula patidária, esses petistas insistem em
tratar Lula como vítima das elites e do rigorismo do Ministério Público e da
Polícia Federal. “Nunca antes um ex-presidente da República foi tão caluniado,
difamado e injuriado como Lula”, escreveu Rui Falcão, em nota, certamente
esquecendo-se do que o líder petista e seu partido disseram sobre Sarney,
Collor e FHC. O ex-governador Tarso Genro foi mais ousado. Chegou ao cúmulo de
dizer que “a mídia faz de Lula o judeu da década, como os nazis fizeram deles e
comunas os alvos do ódio à democracia social”. O ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, afirmou na quinta-feira 11 que o ex-presidente Lula virou alvo
de investigações porque desafia o projeto político da oposição. “Setores da
oposição, visivelmente, querem isso. Já há algum tempo em que procuram, a cada
passo, atingir o presidente Lula porque reconhecem nele o grande líder que
desafia os projetos políticos da oposição”, afirmou. Em vídeo divulgado na
quarta-feira 10, por ocasião dos 36 anos do PT, o ex-presidente, visivelmente
abatido, não mencionou as investigações das quais é alvo, embora tenha falado
em “erros do partido”. Também não revelou que, nos bastidores, planeja um
reforço no campo jurídico, incorporando ao seu time de advogados, já formado
por Nilo Batista, Roberto Teixeira e Cristiano Zanin, pesos pesados da
advocacia nacional, como José Roberto Batocchio.
A interlocutores, Lula manteve a toada do coitadismo. Disse
ter virado o “prêmio” de uma “gincana” promovida por divisões da PF e do
Ministério Público. Por isso, se sentia golpeado “abaixo da linha da cintura”.
“Há um projeto para me destruir, e ao nosso legado”, afirmou. Ao fim, recorreu
ao discurso maroto do “poderia ter ganho milhões”, mas a preocupação foi
transformar o País.
São inegáveis os avanços sociais obtidos durante a gestão
Lula. O fato de ele ter aprofundado o processo de inclusão social, no entanto,
não tem o condão de transformá-lo em alguém acima de qualquer suspeita. Como
disse à ISTOÉ o próprio ministro da Justiça, em recente entrevista, ninguém
pode estar acima da lei. A despeito da operação petista, destinada a construir
um discurso que mantenha sobre Lula a aura de mito, a verdade é que nunca houve
indícios tão consistentes do envolvimento do petista com malfeitos. Até agora,
por exemplo, não há explicações plausíveis para a reforma realizada pela OAS,
ao custo de R$ 770 mil, no tríplex no Guarujá que estava sendo negociado com a
família de Lula. Também não há justificativas razoáveis para as obras e
mobílias ofertadas e entregues por empreiteiras, acusadas de integrar o esquema
do Petrolão, no Sítio Santa Bárbara, localizado em Atibaia (SP), a 69 km da
capital São Paulo, freqüentado por Lula.
Apesar do esforço retórico do PT para tentar blindar o
ex-presidente, o desgaste político enfrentado pelo petista vai aumentar. Na
semana passada, o juiz Sérgio Moro, responsável pelo caso na Justiça Federal do
Paraná, autorizou a abertura de um
inquérito específico para que sejam apurados negócios relacionados ao
sítio em Atibaia. Desde que deixou o Palácio do Planalto ao final de seu
segundo mandato, Lula e familiares frequentam o local regularmente. Parte do
acervo presidencial foi levado para a propriedade. Há, segundo as
investigações, suspeitas de que a OAS, uma das empreiteiras do cartel que
fraudou licitações da Petrobras, tenha bancado obras no local como compensação
por contratos com o governo. O pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do
ex-presidente e preso em Curitiba acusado de corrupção e lavagem de dinheiro,
também teria assumido parte das despesas da reforma. “Trata-se de inquérito
policial inicialmente instaurado com a finalidade de investigar, dentre outros,
crimes de peculato e de lavagem de dinheiro praticados por dirigentes da
empresa OAS S.A”, afirmou Moro. De acordo com o juiz da Lava Jato, no entanto,
a investigação deve ser estendida para “além do âmbito da empresa OAS”. A
apuração policial abordará ainda outro aspecto. A propriedade está registrada
em nome dos empresários Fernando Bittar e Jonas Suassuna, sócios do filho mais
velho de Lula, Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha. Custou R$ 1,5 milhão, em
outubro de 2010, dos quais R$ 100 mil (R$ 143 mil em valores atuais) foram
pagos em dinheiro em espécie. Tem 173 mil m² de área e é equipada com piscina,
churrasqueira, campo de futebol e tem um lago artificial para pescaria. Os
agentes federais vão tentar esclarecer se os empresários figuram como
proprietários com o objetivo de esconder os verdadeiros donos. Segundo as
investigações, a OAS custeou as cozinhas planejadas instaladas no sítio. O
pagamento foi feito em dinheiro em março de 2014. O empresário Léo Pinheiro,
ex-presidente da OAS, foi interrogado por integrantes da Lava Jato a respeito
das despesas realizadas pela empreiteira. Pinheiro permaneceu em silêncio. Na quarta-feira
17, Lula, frente a frente com promotores do MP de São Paulo, não poderá adotar
a mesma postura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário