Artigo de Fernando Gabeira
O sítio Santa Bárbara, em Atibaia, tem um caseiro chamado
Maradona e é um autêntico gol de mão, desses que se fazem na esperança de
enganar o juiz. O sítio foi reformado, assim como o tríplex de Guarujá, por
duas empreiteiras envolvidas no Petrolão: OAS e Odebrecht. É um enigma como o
tríplex do Guarujá. Estávamos nos divertindo com os pedalinhos do sítio Santa
Bárbara, quando surgiu a delação premiada de Delcídio do Amaral, ex-líder do
governo. São revelações tenebrosas de sabotagem da Lava-Jato. Lula pagando à
família de Nestor Cerveró para proteger seu amigo Bumlai. Dilma nomeando um
ministro do STJ para libertar os empreiteiros.
Tudo isso acontece depois de o PT derrubar um ministro da
Justiça e colocar outro com as iniciais WC para tentar conter a lama que chega
ao Palácio do Planalto. O que significa controlar a Lava-Jato, nesta altura das
investigações? Há uma fila de delatores no pipeline. Novas informações virão à
tona, as coisas ficarão mais claras ainda, como se ainda não fossem
suficientemente claras. Na sexta, com novo ministro e tudo, a Polícia Federal,
cumprindo determinações da Justiça, fez uma devassa no Instituto Lula e nas
casas da família. Uma pessoa sensata diria que não é hora de brigar com a
polícia e sim discutir coisas mais práticas com ela, como banho de sol, visita
íntima.
O filme está acabando, e as revelações de Delcídio mostram
uma realidade que já intuíamos: a luta surda contra a Lava-Jato. Diziam que
José Eduardo Cardozo caiu porque não controlava a Polícia Federal. Caiu, na
verdade, depois de tentar o controle e fracassar. Esse juiz, Marcelo Navarro,
que teria sido nomeado para liberar no STJ, já foi denunciado inúmeras vezes no
site “O antagonista” como o homem que iria dar os habeas corpus. Bem que ele
tentou: perdeu por 4 a 1.
Tentaram controlar o Supremo, a julgar pela delação de
Delcídio, e falharam. Tentaram o STJ, perderam de 4 a 1. Fizeram de tudo e se
esborracharam. As portas estão se abrindo. A começar pela tarefa urgente de
derrubar Eduardo Cunha, transformado em réu pelo Supremo Tribunal Federal.
Cunha é um imenso trambolho no caminho. Se a Câmara não
destitui da presidência um réu na Lava-Jato, acusado em depoimentos de
delatores e com contas na Suíça, então é uma tarefa que os próprios ministros
precisam executar. Mas isso pode ser feito rapidamente na Câmara. Basta parar
tudo e forçá-lo a sair. A oposição tem o dever de fazer isso e realizar uma
nova eleição. Como conviver com a ideia de que um presidente da Câmara é, ao
mesmo tempo, réu no maior processo de corrupção do país? É tão grave quanto
conviver com um governo que se elegeu usando dinheiro do Petrolão para pagar
seu marqueteiro. E tentou de várias maneiras sabotar as investigações da
Lava-Jato. Dilma e Cunha estão queimados, há um rastro de fumaça nos poderes da
República. Os tribunais, Superior e Eleitoral, são as únicas forças de pé. Têm
que dar uma resposta.
O que está se passando no Brasil pode ser visto de muitas
formas. Mas é também humilhante viver num país em que dois poderes estão
afundados no escândalo. Daí a importância de domingo que vem, dia 13 de março.
É o momento em que a sociedade tem chance de mostrar como vê tudo isso. As
pesquisas já indicam o sentimento majoritário.
Manifestações são diferentes de cifras: pessoas de carne e
osso expressando sua vontade de resolver a crise política. Elas sabem que
desatar esse nó traz um alento para o combate em outro front assustador: a
economia. Já se fala num cenário de moratória, no qual o Brasil não terá
condições de saldar os seus compromissos. Quebradeira. Ainda é um cenário no
horizonte. Torna-se mais provável quanto mais demorar a solução da crise
política com a saída de Dilma e Cunha.
Dessa maneira vejo o 13 de março. Um dia não apenas para
protestar contra Dilma e Cunha, pateticamente agarrados aos seus cargos,
enquanto o país afunda. Mas para afirmar que esse é o passo inicial de um longo
e áspero caminho para soerguer a economia. O PIB caiu 3,8% em 2015. As
perspectivas são piores em 2016. As respostas positivas do mercado ao fim do
governo indicam como o colapso dos dois podres poderes será um passo adiante.
Entre outras, a vantagem de mudanças impulsionadas pela sociedade é a
consciência coletiva da amplitude da crise econômica. Não posso garantir que
esse será o caminho vitorioso. Apenas afirmo que as possibilidades de saída são
muito maiores quando há sintonia entre um governo respeitável e uma população
consciente da gravidade do momento.
Já disse isso de muitas formas. O Brasil está parecendo um
pouco com aquele personagem do Castelo do Kafka que esperou anos diante de uma
porta, para descobrir que estava aberta.
Quem sabe, domingo que vem?
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 06/03.2016
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