O escritor e jornalista Fernando Gabeira, 75 anos,
ex-deputado do PT e do PV é, hoje, um incansável defensor do impeachment da
presidente Dilma Rousseff e da prisão do ex-presidente Lula, que ele chama de
“chefe da quadrilha”.
Mineiro, ele mora no Rio de Janeiro, mas se considera, hoje,
mais brasileiro do que nunca, pois vive viajando pelo País para apresentar o
programa que leva seu nome, na GloboNews.
Nesta entrevista à ISTOÉ, o jornalista diz que “há base
constitucional e política para o impeachment”, que “o Brasil mudou muito”, como
mostram as manifestações nas ruas, e que ser chamado de golpista por defender a
saída da presidente do poder não o inquieta. “Faz parte do jogo”, afirma.
ISTOÉ - Há argumento constitucional para o impeachment da
presidente?
FERNANDO GABEIRA - Há muito tempo. Os argumentos
constitucionais existem desde as pedaladas, passando pela campanha eleitoral;
pelo dinheiro empregado na campanha, no João Santana (marqueteiro) via
(empreiteira) Odebrecht; pela denúncia do Otávio Azevedo, presidente da
(empreiteira) Andrade Gutierrez. São denúncias que já existem aí. Executivos da
Andrade Gutierrez já fizeram a delação premiada e alguns elementos já viraram
públicos. Então tudo isso mostra que há uma base clara. Se não houvesse, ainda
há uma grande vontade popular de que ela saia. As ruas estão gritando por
impeachment. Então, não só há base constitucional como há base política para o
impeachment.
ISTOÉ - Dilma é corrupta?
GABEIRA - Não há nada que diga respeito a ela, pessoalmente.
O problema é que ela é a presidente da República e foi eleita nesse contexto de
ilegalidade. O que se pede hoje não é a prisão dela, é o impeachment. A prisão
que se pede é a do Lula. Você vai às ruas e ninguém fala “Dilma na prisão”. Se
fala em “Fora Dilma e Lula na prisão”.
ISTOÉ - O ex-presidente Lula como ministro estabiliza ou
incendeia o País?
GABEIRA - Eu acho que ele vai agravar a situação. Não vejo
nele, no momento, condições de aglutinar a base aliada em torno de um governo
que está desmoronando. A entrevista que ele deu ao sair da Polícia Federal
(sexta-feira 4) se identificando como uma jararaca, é um dos desastres mais
monumentais que já vi. Acho que o talento político de articulação que se
atribui a ele talvez não seja tão grande assim. E só se articula quando tem
algo nas mãos para oferecer. O governo está em frangalhos, não creio que alguém
possa ressucitá-lo. Creio que Lula pode morrer com o governo, acabando por
acelerar a queda de Dilma.
ISTOÉ - O que pode acontecer após o impeachment, se assim
for decidido?
GABEIRA - No primeiro momento, o próprio impeachment e a
transição vão garantir uma retomada nas expectativas da economia. Quando isso
acontece, o crescimento já começa a se manifestar, há mais investimentos, uma
sensação nova que impulsiona a economia. Essa é a primeira etapa. Mas nós
precisamos fazer uma sequência de coisas que tornem o Estado menos oneroso,
reduzir os custos, fazer reformas como a da previdência, e uma série de outras
que busquem um Estado brasileiro viável economicamente – e não um imenso
vampiro sugando a população. Ela (presidente) saindo, o (vice-presidente)
Michel Temer (PMDB/SP) passa a trabalhar a transição. Aí fica dependendo de uma
decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a chapa. Como o Brasil é um
país com muitos acordos nesses momentos de crise, muito possivelmente a
definição da cassação do Temer também leve algum tempo até que a transição
esteja estável.
ISTOÉ - A lista do empresário Marcelo Odebrecht (planilha
apreendida pela Polícia Federal com supostos registros de repasses a mais de
200 políticos) é extensa e envolve grande parte dos parlamentares do Congresso
Nacional. Isso pode abalar a política em geral?
GABEIRA - Acredito que ainda vem mais gente por aí. Mas é
preciso, primeiro, avaliar as doações
que foram registradas legalmente, ver os recibos de campanhas.
ISTOÉ - O juiz Sérgio Moro está sendo questionado pelo
governo pelas suas atitudes. O sr. acha que ele exagerou?
GABEIRA - Eu acho que não! Acredito que a imagem dele
continua muito firme na opinião pública brasileira. A maioria das pessoas
considera que ele está fazendo um excelente trabalho e, mais ainda, que ele fez
muito bem em revelar a conversa da Dilma com o Lula, porque fazia parte de um
processo que ele estava investigando. De acordo com a norma, no final dos
processos é preciso levantar o sigilo dos fatos. Então não acho que a força do
Moro tenha caído, pelo contrário. Acho que ele continua sendo respeitado.
ISTOÉ - O Congresso está praticamente parado em torno de um
impasse político. O que fazer?
GABEIRA - Acho difícil que a Câmara venha a discutir alguma
coisa nos próximos 30 dias além do impeachment. Então, o pacote econômico
apresentado esta semana dificilmente será apreciado.
ISTOÉ - A presença do deputado Eduardo Cunha (PMDB)
prejudica o Congresso?
GABEIRA -Ele precisa se afastar imediatamente. Seria uma
grande ajuda ao País. Se não houver força nem rapidez na Câmara, o Supremo
(Tribunal Federal) poderia fazer isso. A saída de Cunha daria legitimidade
muito maior ao Congresso e ao que se está discutindo. É claro que o impeachment
tem a legitimidade das ruas, mas é importante também que ele seja conduzido por
alguém de nível. O processo de decadência do Congresso Nacional se deveu muito,
por um período, à política do próprio governo, aviltando e estabelecendo uma
postura de toma lá dá cá. O governo, progressivamente, minou a base moral do
Congresso.
ISTOÉ - A homologação da delação do senador Delcídio do
Amaral (PT) vale como forte indício de ilícitos?
GABEIRA - O ministro Teori Zavascki (do STF) homologou a
delação premiada e agora terão de ser feitas as investigações para concluir se
o conteúdo da delação é verdadeiro ou não. Tudo tem que ser apurado.
ISTOÉ - O PSDB e o PMDB já discutem sobre o País sem Dilma. Agora
que alguns de seus representantes também constam nas denúncias, muda algo?
GABEIRA - Eles não têm saída. É preciso discutir o futuro do
Brasil. Lá adiante, caso todos, ou um deles, estejam envolvidos, a gente vê o
que faz. Não tem jeito, a Lava Jato não vai parar porque caiu o governo. Ela
vai continuar atuando porque todas essas delações serão computadas, processadas
e examinadas. Não acredito que o impeachment seja uma forma de travar a Lava
Jato.
ISTOÉ - Manifestantes vaiaram petistas, tucanos, representantes
do DEM e do PMDB. Isso significa que a população brasileira está com ódio de
políticos de modo geral?
GABEIRA - A população que estava na rua no dia 13 estava
muito atenta. O Brasil mudou muito, não é possível que tantos milhões de
pessoas sejam tão facilmente enganadas. Há quem diga que a manifestação foi uma
expressão da direita, do conservadorismo, mas essas pessoas estão muito
equivocadas. Vimos que tinha muita gente nas ruas, rica e pobre. Todos são
contra a corrupção ou o PT. E isso não faz delas conservadoras. Possivelmente,
uma parte significativa dos manifestantes, até a maioria, tenha alta
escolaridade e alto nível de renda. Mas, quando o PT ganhou as eleições, a base
era justamente gente de alta escolaridade e renda. É muito indicativo que,
talvez, essas pessoas, pela capacidade e possibilidade que elas têm, percebam
um pouco mais rápido o que a população mais pobre leve um pouco mais de tempo
para perceber.
ISTOÉ - Perceber o que?
GABEIRA - Todo o projeto deles (PT) era esse: comprar o
parlamento, conquistar a justiça através das suas inserções e chegar ao
controle da imprensa. Este último, no Brasil foi impossível, tal qual o
controle total da Justiça, que não conseguiram. Tentaram derrubar o parlamento
para tê-lo nas mãos, mas o processo de degradação foi tal que os bandidos
maiores assumiram: um bandido maior assume na Câmara dos Deputados
(referindo-se a Cunha) e um bandido também grande assume no Senado
(referindo-se a Renan Calheiros, do PMDB). Então você tem o parlamento dirigido
por dois bandidos.
ISTOÉ - O que o sr. acha que acontecerá com a operação Lava
Jato e com o País daqui para frente?
GABEIRA - A Lava Jato vai continuar seu curso, não há
hipótese de ela ser interrompida. Ela continua sendo respeitada, embora esteja
sob pressão. No momento, os ataques à Lava Jato são uma dificuldade em defender
o mérito do caso. Não dá para dizer: ‘Isso não foi feito. Não foram roubados
tantos milhões da Petrobras. Não foram recuperados no exterior R$ 800 milhões’.
Tudo isso são provas muito concretas e substanciais da corrupção. Em vez de
falar da corrupção e explicar o que aconteceu, as pessoas se detém na forma
como a operação se mantém. Em vez de discutir o mérito, que é o grande assalto
ao País, eles discutem a forma como a PF está conduzindo o caso. A única coisa
que eu acho que a Lava Jato precisa tomar algum cuidado é na divulgação de escutas particulares que não
têm importância para o processo, nem para a vida política do Brasil. No geral, a
minha impressão é de que eles fazem uma partida magnífica e, como todas, sempre
cometem algumas faltas.
ISTOÉ - O sr. chegou a ser chamado por ex-companheiros de
golpista por defender o impeachment. Para quem tem o seu passado de luta contra
a ditadura, como recebe isso?
GABEIRA - Recebo com tranquilidade. Já estive com eles na
luta contra o Collor (Fernando, senador), e fui chamado de golpista. Éramos
todos golpistas, então. É o impeachment, né? Isso para mim é tranquilo. De mim,
podem falar o que falarem, não tenho grandes problemas, não. Apesar de eu achar
que, por mais que falem, e falam muito, comigo eles até são bastante brandos.
Faz parte do jogo, também, falarem de você quando vira uma pessoa pública. E
quando você se volta para o seu trabalho, focando em fazer o que tem que ser
feito, é muito possível conviver com tudo isso sem grande inquietação.
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