Da ISTOÉ
Em algumas paredes das galerias da Penitenciária Feminina
Sant’Ana, o maior presídio de mulheres da América Latina, localizado em São
Paulo, está escrito em caligrafia muito torta: “quem fala a verdade não precisa
de advogado, quem fala meia verdade precisa de um, quem mente inteiro é bom ter
dois”. Não há notícias de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha
feito alguma visita a essa prisão, mas é muito provável que ele conheça os
dizeres registrados naqueles muros.
Para enfrentar as descobertas da operação Lava Jato, tentar
se defender das acusações que pesam contra si e procurar se esconder sob a
prerrogativa do foro privilegiado, Lula escalou um pelotão composto por 21
advogados, entre eles seis dos mais notáveis do País que desembarcaram no caso
na semana passada. E, segundo apurou ISTOÉ, após a Páscoa todos ficarão sob a
coordenação de um ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, hoje aposentado –
ele já teria até se apresentado ao juiz federal Sérgio Moro, coordenador da
operação Lava Jato.
Ouvidos por ISTOÉ, dois dos advogados arregimentados por
Lula asseguraram que nada estão recebendo pelo trabalho e que fazem parte desse
time “em respeito à história do ex-presidente”. No mercado jurídico, no
entanto, comenta-se que, para remunerar uma equipe do porte da que foi montada,
Lula teria de gastar cerca de R$ 15 milhões apenas pelo habeas corpus
encaminhado ao STF no último domingo. Oficialmente Lula ainda sequer é réu, e o
exército de juristas escalados por ele mostra, na prática, uma tentativa de
usar nomes consagrados do Direito para tentar intimidar o Judiciário.
“Bateu o medo em Lula”, afirma um advogado a quem o
ex-presidente costuma recorrer sempre que se vê juridicamente acuado. Nem mesmo
a decisão do ministro Teori Zavascki, proferida na noite da terça-feira 22,
deixou Lula tranquilo. Atendendo a demanda da Advocacia Geral da União (AGU),
Zavascki determinou que o juiz Sérgio Moro remeta ao STF as investigações
envolvendo o ex-presidente na Lava Jato e decretou sigilo sobre as conversas telefônicas
interceptadas. Zavascki manteve, no entanto, a decisão do STF que impede a
nomeação de Lula como ministro da Casa Civil.
“Ele sabe que a decisão é provisória. E sabe ainda que não
conta com a simpatia da Corte”, disse um dos advogados de Lula na quarta-feira
23. A possibilidade real de ir para a cadeia deixa o ex-presidente em estado de
pânico e isso também explica a montagem de uma banca de ouro advocatícia. Eles
pertencem a oito escritórios diferentes. Alguns desses advogados se reúnem pelo
menos uma vez por semana em São Paulo para encontrar saídas para Lula, a partir
do bom trânsito que possuem nos tribunais superiores.
Tais reuniões são tão secretas que, nelas, os advogados são
obrigados a desligarem seus celulares. O ex-presidente Lula tem o direito de
possuir na Justiça quantos patronos quiser. O que se cogita no meio jurídico,
porém, é que ele colocou ao seu redor um time tão grande e qualificado também
como forma de “tentar auxiliar” a AGU em sua “anemia teórica que a faz cometer
uma série de erros”. É verdade que a decisão de Zavascki pode representar uma
vitória transitória da AGU, mas seus erros têm sido frequentes.
O último deles ficou visível na madrugada da terça-feira
quando o ministro do STF Luiz Fux rejeitou mandado de segurança contra a
liminar de Gilmar Mendes – a liminar impediu a posse de Lula como ministro da
Casa Civil. Qualquer estagiário de Direito sabe que não cabe esse tipo de
recurso contra uma decisão monocrática de ministro do STF. O mais surpreendente
é que os advogados do ex-presidente incorrem no mesmo amadorismo e insistem em
recursos sem respaldo na jurisprudência – só trocaram mandado de segurança por
habeas corpus, esquecendo que também esse remédio jurídico não tem efeito para
alterar decisão monocrática de ministro da Corte.
O habeas corpus questionando a posição de Gilmar Mendes caiu
primeiramente sob a relatoria do ministro Luiz Edson Fachin. Por ser padrinho
de casamento da filha de um dos defensores, ele se deu por “impedido” mas
sinalizou o que faria se pudesse julgá-lo: rejeitou habeas corpus idêntico,
vindo do advogado Samuel José da Silva, que não integra a equipe de defesa
(essa ação é apenas uma entre as quase 300 que estão distribuídas em todo o
País). Ao rejeitar o pedido de Silva, ficou claro que Fachin também não
atenderia à expectativa dos advogados de Lula. Feito novo sorteio, caiu a
relatoria com a ministra Rosa Weber, que negou o habeas corpus.
Ou seja: Lula continua fora do governo, sem foro
privilegiado. E tudo indica que, nos próximos dias, voltará a ficar sob as
determinações de Moro, especialmente no que diz respeito ao sítio de Atibaia e
ao apartamento tríplex no Guarujá. “Lula leva bons profissionais a se
equivocarem porque ele esperneia para todos os lados”, disse um ex-advogado do
petista. É verdade. Nos últimos tempos ele se insurgiu em relação à Polícia
Federal, disparou contra Moro, condenou o Ministério Público e os tribunais
superiores, criticou a mídia, esgoelou em palanque da avenida Paulista, em São
Paulo, e entupiu de recursos o STF e juizados de primeira instância
inconformado com a perda do foro privilegiado.
O problema é que, diante da Lava Jato, o peso político de
patronos consagrados não tem intimidado o Ministério Público nem o juiz. E,
mesmo em Brasília, defensores com bom trânsito nas instâncias superiores do
Judiciário não estão colecionando vitórias. Por que advogados tão conceituados
lançaram mão de habeas corpus, apostando que ganhariam da jurisprudência? A
primeira resposta, vinda da maioria dos juristas, é redundante: “Lula está
deixando até Deus atarantado”, disse um dos advogados da própria banca.
A segunda resposta é surpreendente: entre os mais notáveis
defensores do ex-presidente não há criminalistas consagrados. E o problema de
Lula é criminal. Não se trata de uma questão política/jurídica. É apenas
criminal. Lula e sua defesa têm, assim, dado voltas para não sair do mesmo
lugar – e tal lugar é perder. O que fazer agora? Essa é a questão que a própria
banca se colocou depois da decisão de Zavascki. “Nada, absolutamente nada. Não
é fazendo chover recurso que um inocente se defende”, disse um advogado
bastante próximo à equipe de Lula.
Outro jurista, um dos mais conceituados do País, poucas
horas antes da decisão de Rosa Weber, qualificava o habeas corpus como “inócuo
e midiático”. Igualmente inócuo foi o recurso apresentado há mais de um mês
pelos defensores do ex-presidente, antes ainda de ele ser nomeado ministro,
pedindo então que o STF paralisasse a investigação do Ministério Público
Federal (leia-se Lava Jato), uma vez que corria investigação no MP paulista
devido à quebra da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop).
Também nesse caso a relatora sorteada foi Rosa Weber, e ela
não viu nenhuma incompatibilidade nas investigações feitas em duas frentes.
Pode-se dizer que, a partir daí, Lula montou o seu acampamento no STF e
acumulou derrotas. Na quarta-feira a presidente Dilma já cogitava arranjar para
Lula um cargo informal no governo. Nesse caso, ele não teria foro privilegiado,
mas, como disse o pensador republicano Joaquim Nabuco, “não se deve ser
ministro somente para usufruir as vantagens do poder”.
Reportagem de Antonio Carlos Prado e Ludmilla Amaral, ISTOÉ
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