Da Época
Os americanos chamam de “pato manco”. Os britânicos,
ironicamente, de “rainha da Inglaterra” – desde que o país, na Revolução
Gloriosa, se tornou uma monarquia parlamentarista, onde quem manda é o
primeiro-ministro. Existem várias expressões para definir o governante que, em
pleno mandato, por alguma circunstância dramática, perde a autoridade mínima
para governar. A presidente Dilma Rousseff vive uma situação assim. Ela não
consegue aprovar no Congresso as medidas necessárias para combater a crise
econômica. A base aliada começa a desertar. Sete em cada dez brasileiros são
favoráveis a seu impeachment. Na surdina, o vice-presidente Michel Temer
articula um novo governo, ao lado do tucano José Serra. Oposicionistas como o
ex-presidente Fernando Henrique pediram a renúncia de Dilma, e alguns
correligionários, em privado, acharam que poderia ser uma boa solução. “Jamais
renunciarei”, afirmou Dilma, diante de uma plateia de 600 convidados reunida,
na terça-feira, dia 22, no Palácio do Planalto. Ao verbalizar que não sucumbirá
à pressão popular e política, Dilma evidencia exatamente o contrário. Mostra
quão profundamente frágil se encontra.
Naquela terça-feira, num encontro que parecia um comício,
Dilma falou na sede do governo para juristas, advogados, magistrados,
defensores públicos e políticos. O “Encontro com Juristas pela Legalidade e em
Defesa da Democracia” foi milimetricamente coreografado como parte de uma
estratégia elaborada pelo (até agora) ministro da Casa Civil, Jaques Wagner,
pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, pelo ex-presidente Lula e
pela própria Dilma. A estratégia tem um braço retórico e um braço parlamentar.
O braço retórico inclui associar o impeachment – um processo democrático
previsto na Constituição brasileira – com a palavra “golpe”. De preferência,
fazendo um paralelo com outras épocas do país, como o suicídio de Getúlio
Vargas, em 1954, ou a ditadura militar, instalada em 1964. Inclui também criar
um antagonismo entre o governo e o Judiciário, personificado na figura do juiz
federal Sergio Moro. E, agora, também à Ordem dos Advogados do Brasil, que se
manifestou favoravelmente ao impeachment.
Em sua fala, Dilma amparou-se numa claque formada por
Cardozo, Wagner e os também ministros Eugênio Aragão (Justiça) e Edinho Silva
(Comunicação Social). Dilma discursou por pouco mais de 20 minutos. Até tentou
esconder a angústia com o momento político ao adotar um tom de descontração no
início de sua fala. Começou brincando que, em consideração ao estômago e à fome
dos convidados, faria um agradecimento geral para ser breve. O aparente senso
de humor não resistiu até o final do discurso. A certa altura, em tom emocional,
Dilma começou a dar explicações daquilo que diz não ter feito. “Dirijo-me a
vocês com a consciência tranquila de não ter cometido qualquer ato ilícito,
qualquer irregularidade que leve a caracterizar crime de responsabilidade.” Até
que se exaltou e ergueu o tom. “Condenar alguém por um crime que não praticou é
uma injustiça brutal, uma ilegalidade. Já fui vítima dessa injustiça uma vez,
durante a ditadura. E lutarei para não ser vítima de novo em plena democracia.
O que está em curso é um golpe contra a democracia.”
Em seu discurso, Dilma apelou para vários mitos. O já
referido, do “golpe”. A confusão entre crime de responsabilidade, que leva ao
impeachment – um processo político-administrativo –, e crime comum. O de que a
culpada pela crise é a oposição, e não o governo. E a de que há um complô da
Justiça. O que une tudo isso é a comparação, bastante forçada, entre a época
atual e o período que antecedeu o golpe militar de 1964. Se o Congresso, de acordo
com a Constituição, decidir pelo impeachment, o Brasil não se transformará numa
ditadura. Assumirá o vice Michel Temer, como manda a lei. Em 2018, haverá novas
eleições. Tudo de acordo com as regras democráticas.
Leia a íntegra da reportagem de Talita Fernandes, Ana Clara
Costa e Aline Ribeiro na edição da revista Época que já está nas bancas.
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