Editorial, O Estado de S.Paulo
A aprovação ou a rejeição do impeachment de Dilma Rousseff
vai depender, exclusivamente, de que os vendilhões do Planalto consigam
negociar em número suficiente a mercadoria no momento mais valorizada no
cenário político: os votos a serem registrados na sessão plenária que vai
decidir a sorte da presidente da República. Pode-se dizer, alternativamente,
que o mandato de Dilma vai depender de que parlamentares venais fiquem
satisfeitos com o que os traficantes de consciência, tendo à frente Luiz Inácio
Lula da Silva, têm a lhes oferecer em troca do voto. E o mais vergonhoso é que
essa estratégia de cooptação baseada na corrupção dos valores morais que
deveriam prevalecer na gestão da coisa pública – estratégia definida esta
semana pelo ministro Jaques Wagner como uma “repactuação” das alianças – foi
concebida e é coordenada a partir dos gabinetes do poder e está sendo
abertamente discutida nos círculos políticos. Definitivamente, o lulopetismo
perdeu de vez a vergonha.
Há porta-vozes de Lula, como o senador Lindbergh Farias
(PT-RJ), que até se permitem gabar-se do “sucesso” de suas artimanhas: “Diziam
que após o rompimento do PMDB haveria uma debandada e o que estamos vendo hoje
é um movimento inverso, vários partidos voltando para a base. O PMDB facilitou
o jogo para o governo, que terá agora condições de construir uma maioria (sic)
de 200 votos. Não haverá impeachment”.
De qualquer modo, a “repactuação” pela “maioria” de 200
votos vai dar trabalho a Lula e sua tropa de choque, a começar pelos seis
Ministérios ocupados pelo PMDB que, pela lógica, já deveriam estar disponíveis
para serem negociados por votos na Câmara dos Deputados. Henrique Eduardo
Alves, do Turismo, já se demitiu. Até dois dias atrás era dado como certo que
três ministros peemedebistas desejavam permanecer nos cargos: Kátia Abreu, da
Agricultura, da cota pessoal de Dilma; Marcelo Castro, da Saúde; e Celso
Pansera, de Ciência e Tecnologia. Outros três estariam dispostos a renunciar
tão logo ultimassem questões pendentes em seus gabinetes.
Ontem, o panorama já era diferente: a despeito da decisão do
Diretório Nacional de determinar a “imediata saída”, todos os seis
peemedebistas passaram a demonstrar que gostariam de continuar ministros.
Ocorre que o Ministério da Saúde, por exemplo, já está sendo negociado com
outros partidos, para profunda frustração do controvertido ministro Marcelo
Castro. Corre o mesmo risco outro que está agarrado ao cargo com unhas e
dentes: Celso Pansera. De qualquer modo, a composição final do Ministério
“repactuado” dependerá do que cada aspirante a ascender ou permanecer no cargo
poderá oferecer em termos de votos contra o impeachment.
Enquanto isso, na linha da falta de compostura a que o
desespero a está levando, Dilma Rousseff voltou, quarta-feira e ontem, a
privatizar o espaço público da sede do governo de todos os brasileiros para
promover comícios partidários em defesa de seu mandato. E não desperdiçou as
oportunidades para elevar o tom na escalada “antigolpe” a que se entregou de
corpo e alma. Como a palavra de ordem “impeachment é golpe” ficou desmoralizada
pela evidência de que o afastamento é preceito constitucional inquestionável,
Dilma foi forçada a fazer uma adaptação no mantra: “impeachment sem crime é
golpe”, conforme berrou, com voz cada vez mais esganiçada, sob aplausos
delirantes das claques.
Mais uma vez, Dilma age de má-fé e fala bobagem. O
impeachment precisa, é claro, ter justificativa legal. Mas a existência ou não
dos crimes alegados no pedido de impeachment é uma questão que cabe aos
congressistas julgar. A presidente da República tem o direito de se defender,
mas não o direito de se antecipar a uma decisão soberana do Congresso Nacional
e decretar que o pedido de impeachment, já em tramitação na Câmara, não tem
fundamento. Muito menos lhe cabe incendiar o País em benefício próprio. Se
tivesse um mínimo de compostura, a desesperada chefe do governo preservaria a
dignidade de seu mandato deixando a cargo de seus advogados e correligionários
a tarefa de expor, nos foros adequados e com linguagem pertinente, os
argumentos de sua defesa.
Mas Dilma só faz o que sabe. Formada na escola do
“centralismo democrático”, com aperfeiçoamento no populismo lulopetista, ela
acredita que o governante pode tudo, inclusive colocar-se acima da lei.
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