Da ISTOÉ
Após meses de indefinições políticas, degradação econômica,
ebulição nas ruas e radicalização de discursos, o País assistiu à saída de
Dilma Roussef do poder, um anseio da maioria dos brasileiros, e a chegada de
Michel Temer à Presidência. Neste delicado momento de transição, no qual a
nação está submersa numa severa crise, é chegada a hora de acalmar os ânimos e
buscar a estabilidade. Só assim será possível sair da recessão que castiga,
indistintamente, os brasileiros. Nos Estados Unidos há tradicionalmente uma
trégua de cem dias para avaliar o desempenho dos mandatários recém-chegados ao
posto. O armistício informal foi instituído no governo de Franklin Delano
Roosevelt, em 1933, durante a Grande Depressão. Ele assumiu após os quatro anos
desastrosos do mandato de Herbert Hoover (1929-1933), momento em que bancos e
empresas quebravam, trabalhadores estavam ameaçados de perder suas casas e a
população americana clamava por uma reação. No Brasil de 2016, a situação é
menos grave. Mas a economia só irá se reerguer se todas as frentes, situação e
oposição, compreenderem que agora não é o momento para disputas eleitorais –
isso deverá ser feito apenas em 2018. Mais do que uma trégua de cem dias, o
País precisa se pacificar. “Os conflitos impedem o crescimento”, afirma o
cientista político Gaudêncio Torquato. “É preciso pacificação para todos darem
as mãos e o Brasil poder voltar a trabalhar.” Segundo ele, com uma economia
ajustada, será possível resgatar a confiança popular, fazer com que o bolso do
consumidor fique mais cheio e reconquistar a almejada harmonia social.
A tensão social, criada e alimentada pelo PT, que
desenvolveu o lema do “nós contra eles”, ainda está muito latente. E pode ser observada
justamente entre pessoas ligadas ao partido que estimulou a passionalidade e a
luta de classes. Exemplos de inflexibilidades não faltam. Durante discurso no
Ministério da Educação e Cultura, o ministro Mendonça Filho foi bombardeado por
vaias e gritos de golpista, além de faixas que o mandavam “vazar” dali. Dias
antes, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) teve de interromper suas compras em
uma livraria de Brasília porque manifestantes pró-PT se aproximaram dele e
começaram a chamá-lo, aos berros, de “traidor” e “golpista”. Abalado, Buarque
deixou a livraria e logo depois se manifestou dizendo que os brasileiros
precisam começar uma campanha chamada “aperte a mão de seu adversário”.
“Começamos com os gritos, passamos para os cuspes, daqui a pouco aparece alguém
armado e a coisa não vai parar mais.”
O acirramento dos ânimos é decorrente das provocações
nascidas no governo Dilma Rousseff, que causou tensão na população em vez de de
trabalhar sua própria base de apoio. Essa é a opinião do cientista político
David Fleischer, da Universidade de Brasília. “Ela fazia comícios no Palácio do
Planalto ao invés de articular a base dentro do Congresso”, diz o estudioso.
Segundo ele, a radicalização tende a declinar. “Os movimentos sociais estão
aguardando para ver como o presidente Temer administrará. A pacificação é
importante porque o governo precisa aprovar medidas fundamentais como a reforma
na previdência, política e trabalhista. Ele vai precisar dessa paz política,
por isso está nessa busca de apoio no Congresso.” De acordo com o historiador
da Universidade de São Paulo Marco Antonio Villa, o desafio do atual governo
será apaziguar os ânimos, apagar o incêndio que o PT criou e dialogar com todos
os setores da sociedade. “O clima de intolerância não serve à democracia.”, diz
Villa. Segundo ele, o diálogo não era colocado em prática no governo Dilma.
“Sabemos que a pluralidade e a divergência também fazem parte da democracia.
Cabe a Temer estabelecer pontes com os diversos setores da sociedade.”
Esta é a hora em que todas as partes devem buscar, se não o
diálogo, o respeito e a conciliação. E a classe política tem muito a aprender
com a primeira célula de convivência social, a família. Não faltam exemplos de
parentes que, mesmo lutando em trincheiras ideológicas distintas, convivem em
harmonia. Que o diga a advogada Joanice de Oliveira Rios, 58 anos, e o filho, o
contador Eduardo Rios Garcia, 38. Os dois moram um ao lado do outro, e Garcia
chega a dizer que é o “xodó” da mãe até hoje.
Apesar de se darem bem e serem amigos, quando o assunto é
política os dois pensam bem diferente e chegam a debater calorosamente. “Mas
depois fica tudo bem”, diz Eduardo. Joanice tem uma posição voltada à esquerda
e não aprovou o impeachment. Já Eduardo defende arduamente a saída do PT do
poder e deixa isso bem claro em suas opiniões, principalmente nas redes
sociais. Segundo Paulo Kramer, cientista político da UnB, desde a eleição de
2014 víamos famílias brigando entre si, se desentendendo, num verdadeiro
fla-flu ideológico. A sociedade está cansada disso. “A proposta do presidente
interino Michel Temer de pacificação vai encontrar terreno fértil e respaldo
social. É preciso entender que o confrontamento de idéias é uma coisa, o clima
pré-bélico é outro. Pessoas não podem ser ameaçadas nas ruas por conta de seus
posicionamento político”, diz.
Para Sônia Fleury, doutora em Ciência Política e professora
da Fundação Getúlio Vargas (FGV), há muito perigo na passionalidade das
discussões. “Não acho que exista uma conscientização nem uma discussão política.
Há uma mobilização de raiva, ódio e revolta. Assim, o País não avança”, diz.
Esse comportamento é perigoso, uma vez que sentimentos extremos podem levar a
dificuldades no diálogo, um item fundamental em uma democracia saudável. Ana
Maria Rossi, presidente do International Management Association Brasil
(ISMA-BR), ressalta o quão prejudicial é envolver raiva e ódio em um cenário
como o que estamos vivendo. “É importante que as pessoas percebam que opiniões
podem não coincidir e que precisamos assegurar a liberdade de expressar
posições diferentes com autocontrole.”
O casal Marília Rosa, 32 anos, e Peterson Alves, 34 anos,
tenta equilibrar as desavenças no dia a dia. Morando juntos há cinco anos,
chegaram à conclusão de que o melhor é evitar as discussões, pelo menos por
enquanto. Alves e a família sempre tiveram um posicionamento de esquerda. Já os
parentes de Marília costumam se manter no centro, com uma inclinação à direita.
“Me faço de desentendida e ele faz o mesmo com a minha família”, diz Marília. “A
gente até tenta não falar sobre isso, só que às vezes é inevitável.” O
aposentado João Sebastião da Cruz, 68 anos, e a filha, Patrícia Cruz, 25 anos,
também têm tentando manter o controle, mas com alguma dificuldade. No dia 17 de
abril, quando a Câmara dos Deputados votou a favor do processo de impeachment,
ele assistiu à sessão na sala, e Patrícia, para evitar o confronto, optou por
ficar em seu quarto. Cruz, formado em economia, defende que o governo errou
drasticamente na condução do País e que o impeachment é legítimo. Patrícia
acredita que não havia argumentos suficientes para que Dilma deixasse o
Planalto. Cruz foi aos protestos pró-impeachment, enquanto Patrícia foi às ruas
ao lado dos movimentos pró-PT. Os embates costumam ser na mesa, na hora do almoço
ou do jantar. “Discutimos bastante e, às vezes, ele me diz que tenho muito que
aprender”, diz a filha.
Para Ana Maria, conversar com calma é a melhor orientação
para o bem da saúde mental e das relações interpessoais. “O mais importante é
entender que a situação requer tranquilidade. A agressividade faz as pessoas
perderem a razão.” Bom humor também ajuda. O empresário Carlos Manzone, 37
anos, e a estudante Camila Eneyla, 29 anos, têm posições políticas distintas.
Mas conseguem lidar tão bem com as divergências ideológicas que trocaram as
camisetas para o ensaio fotográfico feito para esta reportagem. Ela,
pró-impeachmeant, vestiu vermelho, e o companheiro, defensor do governo
petista, foi de amarelo. A pluralidade ideológica é defendida pelo cientista
político Bolivar Lamounier. “Todos precisam entender que política é uma coisa, violência
é outra. E que discordar no plano das ideias é normal e saudável, pois ninguém
é dono da verdade.” Lamonier concorda que este é momento de apaziguar o País.
“Os dois lados se desmobilizaram e se acomodaram à nova situação. E a revelação
do estado assombroso das contas públicas e a boa qualidade do novo ministério
também contribuem para a normalização dos ânimos.”
Para os especialistas ouvidos por ISTOÉ, o clima político
será apaziguado, já que a vontade da maioria da população foi atendida e Dilma Rousseff
foi afastada do cargo. O prognóstico da economia deve melhorar e, com isso, a
população também se acalmará. “Os conflitos se multiplicaram em função das
desigualdades e tensões sociais, principalmente por causa de inflação,
desemprego e baixo crescimento do PIB. Quando esse cenário mudar, o
comportamento dos brasileiros também será diferente”, afirma Gaudêncio
Torquato. “Estamos vivendo um momento de radicalização, mas avanços na área da
reforma política poderão colocar o País na trilha do crescimento novamente.”
Por uma questão de civilidade, a regra é exercitar a compreensão e o controle.
Já que grande parte dos políticos não consegue fazer isso, que o exemplo venha
do povo brasileiro o exemplo.
Como administrar conflitos
Livro ensina como a mediação pode ajudar a promover o debate
saudável de ideias divergentes
A atual conjuntura política somada ao discurso de incitação
da raiva propagado por lideranças petistas desenhou uma atmosfera de tensão
latente no País. Nesse cenário, uma solução para equilibrar os ânimos é a
mediação. A autora do livro “Manual de Mediação – Teoria e Prática na
Formação”, Enia Cecília Briquet, explica que intermediar uma discussão ajuda a
estabilizar conflitos e, com isso, debater idéias divergentes. “As pessoas
estão adotando posições muito antagônicas. Há tempos, não havia discussões como
hoje”, diz a pesquisadora. “E no processo da mediação, aprende-se a prestar
atenção em coisas que antes eram negligenciadas.”
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