Artigo de Fernando Gabeira
Temer diz que, ao perceber que cometeu um erro, reconhece e
muda o rumo. Usou até uma figura rara na linguagem cotidiana: a mesóclise. Tudo
bem com a mesóclise e a disposição de reparar o erro. Mas ele não pode cometer
tantos, senão a sinceridade acaba sendo ofuscada pela sensação de que não
compreendeu o momento.
O ponto central é a recuperação econômica. Ao aprovar a meta
orçamentária com um déficit de R$ 170,5 bilhões, ele disse: é uma bela vitória.
De um ponto de vista tático é uma vitória, mas revela a pedreira que teremos de
enfrentar para voltar a crescer de forma sustentável.
Dada a gravidade da crise, os erros na política acabam
ameaçando as expectativas de recuperação. Muitas vozes, por exemplo, advertiram
sobre a presença de investigados pela Lava-Jato no Ministério. Escrevi algumas
linhas sobre isso, lembrando como regredimos nessa prática em relação ao
governo Itamar. Por achar que era muito óbvio, nem me detive num argumento
essencial: é mais do que provável que ministros investigados tentem estabelecer
uma tática comum para se defender da Lava-Jato e outras operações em curso.
Um governo que já tem a cúpula investigada, ao optar por ter
também ministros investigados, corre o risco de entrar no mesmo círculo
infernal do governo Dilma. Sua única alternativa é focar na economia e avaliar
o que realmente importa: salvar a pele dos caciques ou ajudar o Brasil nesse
transe.
No caso do Ministério da Cultura, ficou a impressão de que
apenas voltaram atrás. E que tudo na política cultural brasileira vai bem.
Essas isenções de Lei Rouanet muitas vezes beneficiam artistas de grande
sucesso no mercado. Eles não precisam desse incentivo.
Por outro lado, há setores que não têm poder de pressão, mas
que precisam da ajuda do governo. É o caso da Serra da Capivara, um tesouro da
pré-História do Brasil com pinturas comoventes em suas cavernas. Ali está o
Museu do Homem Americano.
Ainda no Parlamento conheci a luta da antropóloga Niéde
Guidon para manter o Parque Nacional e o Museu do Homem Americano. O dinheiro
nunca aparece. Ela já dá sinais de cansaço, depois de ter descoberto artefatos
que indicam a presença humana há 50 mil anos e conseguir mantê-los até agora.
O Parque da Serra da Capivara fica em São Raimundo Nonato,
no Piauí, perto da Bahia. O governo construiu um aeroporto internacional em 12
anos e gastou R$ 20 milhões. O aeroporto nunca recebeu um voo. É um museu a céu
aberto que se deteriora, aliás como tantos outros museus edificados no Brasil.
E o Museu do Homem Americano está ao lado de um aeroporto virgem que também se
deteriora.
É um problema, no meu ponto de vista, que tem de ser
equacionado por uma política cultural. Jamais teremos uma passeata de
Aleijadinhos, pintores rupestres, mestres do barroco ou do rococó. Passeiam
apenas dentro de nós.
De um modo geral, quando se fala em pensar no Brasil, além
do Sudeste, fala-se sempre em distribuir melhor as verbas de incentivo aos
artistas. No Rio, o prédio ocupado pelos produtores culturais, edifício Gustavo
Capanema, foi apenas o cenário de um protesto. Mas é, na verdade, um museu da
arte moderna brasileira, num prédio que teve também a participação inspiradora
do arquiteto francês Le Corbusier. O prédio é dividido com a burocracia do
setor cultural. Ele foi concebido para um uso burocrático. Mas, hoje, essa
coexistência dificulta seu uso pleno como um museu. Pelo menos foi essa a
sensação que tive ao visitá-lo. Não ouvi discussões sobre isso, apesar da
ocupação por alguns dias. Isso não importa. O importante é que visões
diferentes de cultura coexistam para que o horizonte se alargue.
Temer garantiu o pagamento de R$ 122 milhões que o governo
deve aos produtores culturais. O ministro da Educação, quando a Cultura caiu
nas suas mãos, apressou-se a garantir que haveria mais dinheiro. Na verdade, é
uma relação de fornecedores e cliente. Perdeu-se a oportunidade de tratar do
tema em outro nível. Mas ganhou-se, pelo menos, uma trégua, num front que não
precisava ser aberto naquele momento.
Outra vulnerabilidade do governo: o líder na Câmara, André
Moura, investigado por vários crimes, inclusive assassinato. A barra pesada se
une ali em torno do investigado-mor, Eduardo Cunha. Ele é o líder, porque, além
de ousado, conhece bem as técnicas para obstruir a Justiça, da intimidação de
testemunhas às artimanhas regimentais.
É uma ilusão pensar que o sistema político brasileiro fará a
transição para além da crise e vai sobreviver como um herói de bang-bang com um
braço na tipoia e outro no ombro da namorada. Ela vai passar por implosões e
esse deve ser o cálculo realista de quem tem a reconstrução econômica como
foco. Vamos ver o que sobra dessa derrocada. E o que se pode fazer dos seus
escombros.
As tentativas de deter a Lava-Jato fracassaram. As cúpulas
do PT e PMDB tentaram. Alguns dirigentes tornaram-se um tipo especial de agente
de viagens. Analisam todos os destinos possíveis, desde que não passem por
Curitiba.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 28/05/2016
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