Depois de eleito senador pelo PSDB, presidir a Transpetro
apadrinhado pelo PMDB e abençoado pelo PT por longos 12 anos e ser apontado
pelo Ministério Público como o responsável por esquemas que desviaram dos
cofres públicos mais de US$ 240 milhões, Sérgio Machado passou por uma
simbiose. Aproveitou-se do trânsito fácil pelas cúpulas dos principais partidos
do País para negociar uma delação premiada com características bem diferentes
daquelas que veem impulsionando a operação Lava Jato. Machado se transformou em
uma espécie de agente infiltrado. Um delator bomba. Entre o final de fevereiro
e o início de abril, o executivo de 69 anos manteve encontros com caciques do
PMDB levando consigo um equipamento eletrônico que, além de gravar os diálogos,
permite que as conversas sejam ouvidas em tempo real por agentes da Lava Jato,
estrategicamente posicionados em um carro estacionado próximo aos endereços
visitados. Dessa maneira, ele gravou mais de seis horas de conversas com o
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o senador Romero Jucá (PMDB-
RR) e o ex-presidente José Sarney. Nos diálogos até agora divulgados, Machado
procura envolver os interlocutores em uma suposta trama para tentar barrar as
investigações comandadas pelo juiz Sergio Moro, enredar ministros do Supremo
Tribunal Federal e relacionar líderes do PSDB e do PMDB a propinas na
Petrobras.
A homologação da delação de Machado, assinada pelo ministro
Teori Zavascki na terça-feira 24, gerou um clima de apreensão tanto no
Congresso como no Palácio do Planalto. Há o temor de que caciques do PMDB sejam
atingidos pelas gravações, quando o seu inteiro teor for conhecido. Não apenas
os peemedebistas, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL),
encontram razões de sobra para se preocupar. O que vem por aí, extraído do
arsenal de Machado, é nitroglicerina pura e supera as fronteiras do PMDB. Segundo
relatou a ISTOÉ um dos integrantes da Lava Jato que participou das negociações
da delação, as revelações feitas por Machado à Procuradoria da República
durante as tratativas do acordo são mais explosivas do que os diálogos
gravados. De acordo com esse agente da Lava Jato, Machado afirmou que o
ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, ligado a Lula e Jaques
Wagner, do PT, é um dos mentores e principais operadores do Petrolão.
“Gabrielli participou da idealização da esquema de corrupção na Petrobras desde
o início”, disse aos procuradores. O ex-presidente da Transpetro também afirmou
que outra ex-comandante da estatal, Graça Foster, considerada na Petrobras a
Dilma da Dilma, por sua afinidade com a presidente afastada, tinha pleno
conhecimento dos desvios de recursos ocorridos em todas as diretorias da
empresa e detalhou um enorme esquema de propinas pagas por fornecedores do
programa de retomada da indústria naval, projeto acompanhado bem de perto pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em um de seus relatos, Machado citou dois casos em que
Gabrielli agiu pessoalmente para que a corrupção se concretizasse. O primeiro é
uma operação em que repassou R$ 3,4 milhões para o PT. O dinheiro foi obtido a
partir de contratos superfaturados e contabilizado como repasse das empresas
Sanko Sider, Empreiteira Rigidez e MO Consultoria para a Murano Marketing LTDA
e a Mistral Comunicação, de onde seguiu para os cofres petistas. A Sanko, a
Rigidez e a MO Consultoria são empresas de fachada pilotadas pelo doleiro
Alberto Youssef. Segundo Machado, toda a operação foi ordenada por Gabrielli. O
segundo caso envolve o contrato de US$ 1,6 bilhão da Petrobras com o Grupo
Schahin para a construção do navio sonda Vitória 10.000. A operação
superfaturada foi feita para saldar uma dívida do PT com José Carlos Bumlai,
que contraiu um empréstimo de R$ 12 milhões junto ao banco Schahin e repassou o
dinheiro para o partido. Machado afirmou que a direção da Petrobras se
posicionou contrária ao contrato, mas Gabrielli impôs que o acordo fosse
celebrado.
Sobre Graça Foster, Machado entregou à Procuradoria da
República uma lista com as datas de reuniões ocorridas na estatal nas quais
desvios de recursos foram denunciados à presidente, que por sua vez não tomou
nenhuma iniciativa para conter os malfeitos. Agora a PF deverá usar a
informação e confrontar com atas apreendidas na sede da Petrobras. Ainda
durante as negociações para a delação, Machado revelou que 80% dos contratos
com fornecedores para o projeto de recuperação da indústria naval são
superfaturados e que parte do dinheiro retornou para ser destinado aos partidos
coligados ao PT. Ele confirmou ter entregado pessoalmente R$ 500 mil a Paulo
Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras), como parte da propina a ser
distribuída entre os aliados. O programa comandado por Machado tinha orçamento
de R$ 8,3 bilhões.
O agente da Lava Jato que participou da negociação da
Procuradoria da República com Machado não sabe se tudo o que foi revelado no
acordo pelo ex-presidente da Transpetro integra a delação homologada pelo
ministro Zavascki. Ele assegura, no entanto, que todas as informações foram
registradas e servirão para compor inquéritos e processos em andamento tanto no
STF como na Justiça Federal em Curitiba. Nesse caso, não só raposas do PMDB
como Dilma e Lula serão encrencados. A presidente afastada, implicada na
delação em virtude de sua ligação com Graça Foster, não escapou incólume às
gravações. Num dos diálogos, gravados por Machado, o presidente do Senado,
Renan Calheiros, diz que a situação de Dilma, àquela altura presidente em
exercício, ficaria insustentável a partir da delação da Odebrecht, pois iria
“mostrar as contas” dela. “Mas, Renan, com as informações que você tem, que a
Odebrecht vai tacar tiro no peito dela, não tem mais jeito”, afirma Machado. Ao
que Renan responde: “Tem não, porque vai mostrar as contas. E a mulher é
corrupta”. Em outra conversa, Renan admite que batalhou para que o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não fosse reconduzido ao cargo.
Também em diálogo com Sérgio Machado, outro peemedebista gravado, o
ex-presidente José Sarney diz que a delação da Odebrecht “é uma metralhadora de
[calibre] ponto 100”e relacionou a empreiteira a uma investida que a presidente
afastada Dilma Rousseff teria feito diretamente durante campanha eleitoral.
“Nesse caso, ao que eu sei, o único em que ela [Dilma] está envolvida
diretamente é que falou com o pessoal da Odebrecht para dar para campanha do… E
responsabilizar aquele [inaudível]”.
Machado é alvo de investigações na Lava Jato em Brasília e
no Paraná. Foi citado por pelo menos três delatores: Paulo Roberto Costa, o
senador petista cassado Delcídio do Amaral (MS) e o empresário Ricardo Pessoa,
da UTC Engenharia. No final de fevereiro, ele estava convencido de que seria
preso, acreditando ser essa a estratégia dos investigadores para que políticos
ligados a ele fossem delatados. A preocupação cresceu após as apurações da Lava
Jato chegarem a seu filho Expedito, operador em Londres de um fundo de
investimentos. Resolveu, então, partir para a delação antes mesmo de ser preso.
A forma como foi conduzida a delação de Machado provocou
polêmica tanto no Congresso como entre juristas. Não é raro que em
investigações policiais informantes sejam infiltrados para facilitar a produção
de provas. Também não é raro que provas obtidas dessa maneira sejam
posteriormente questionadas judicialmente. Embora na maior parte das vezes
sejam aceitas, não há uma regra específica que normatize essa questão. No caso
de Machado, porém, o que mais tem intrigado parlamentares de todos os partidos
não são as gravações em si, mas a forma como elas foram feitas. Na
quinta-feira, deputados e senadores do PMDB, PSDB e até o PT consideravam a
hipótese de as conversas do ex-presidente da Transpetro terem sido previamente
orientadas, com o intuito de induzir os interlocutores a revelarem um suposto
esquema arquitetado para barrar a Lava Jato e envolver líderes partidários no
Petrolão. Os diálogos mostram um empenho de Machado em buscar de seus parceiros
afirmações sobre o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e a influência dos líderes do
PMDB sobre ministros do STF. “Pelo que conhecemos até agora dos diálogos
gravados, se houve uma tentativa de incriminar alguém ou de se denunciar uma
orquestração para interferir na Lava Jato ela fracassou”, disse à ISTOÉ no
final da tarde da quinta-feira 26 um ministro do STJ que pede para ter o nome
preservado. Ele acredita, porém, que se Zavascki homologou a delação é porque
os depoimentos de Machado e as provas apresentadas por ele devem ser mais
significativas do que as gravações até agora divulgadas. “Ou então está havendo
um vazamento seletivo dos diálogos. Se isso for verdade, certamente o ministro
Teori deverá tomar alguma providência”, conclui o ministro. Em nota divulgada
na quinta-feira 26, o presidente do STF, Ricardo Lewandowisk, refutou a ideia
de uma articulação para barrar a Lava Jato e afirmou que “é normal” integrantes
da Corte manterem conversas com representantes da classe política. “Mas isso
não trás nenhum prejuízo à imparcialidade do magistrado”, concluiu o presidente
do Supremo.
Na próxima semana, o procurador geral da República, Rodrigo
Janot, deverá se manifestar sobre as suspeitas de uma eventual manipulação na
delação de Machado. Apesar da polêmica em torno das gravações, a delação de Machado
tornou-se fundamental para o andamento da Lava Jato. Ele viveu por mais uma
década no comando da Transpetro e conhece como poucos os principais líderes
políticos do País. Em 2010, durante entrevista, relatou o que classificou como
“o segredo de seu sucesso”: “Fui indicado para a função pelo PMDB. Fui quatro
anos deputado, oito anos senador. Tenho relação extensa com tanta gente, de
todos os partidos… O senador, ou anda de braços abertos ou não avança.” Esse
abraço está agora assustando muita gente em Brasília.
Um agente infiltrado
Nas conversas, Sérgio Machado levou seus interlocutores a
revelar uma ação orquestrada contra a Lava Jato:
Em conversa sobre a delação de Marcelo Odebrecht, Renan
Calheiros (foto) acusa Dilma.
SÉRGIO MACHADO – Ela (Dilma) não tem força, Renan.
RENAN – Mas aí, nesse caso, ela tem que se ancorar nele
(Lula). Que é para ir para lá e montar um governo. Esse aí é o parlamentarismo
sem o Lula, é o branco, entendeu?
MACHADO – Mas, Renan, com as informações que você tem, que a
Odebrecht vai tacar tiro no peito dela, não tem mais jeito.
RENAN – Tem não, porque vai mostrar as contas. E a mulher é
corrupta.
“Estancar a sangria”
O senador Romero Jucá (foto) sugere que um novo governo
possa barrar a Lava Jato.
SÉRGIO MACHADO – O Janot [procurador-geral da República]
está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.
ROMERO JUCÁ – Se é político, como é a política? Tem que
resolver essa porra… Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.
“Não pode fazer delação premiada preso”
Renan Calheiros defende uma alteração na lei para controlar
a Lava Jato.
MACHADO – O Cunha, o Cunha. O Supremo. Fazer um pacto de
Caxias, vamos passar uma borracha no Brasil e vamos daqui para a frente.
Ninguém mexeu com isso. E esses caras do…
RENAN – Antes de passar a borracha, precisa fazer três
coisas, que alguns do Supremo [inaudível] fazer. Primeiro, não pode fazer
delação premiada preso. Primeira coisa. Porque aí você regulamenta a delação e
estabelece isso.
“Asfor Rocha tem muito acesso ao Teori”
Sérgio Machado sugere que políticos do PMDB se aproximem do
relator da Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki. A ponte, segundo Sarney
(foto), seria feita pelo ex-ministro do STJ César Asfor Rocha.
SÉRGIO MACHADO – Porque realmente se me jogarem para baixo
aí… Teori, ninguém consegue conversar.
SARNEY – Você se dá com o César, César Rocha.
SÉRGIO MACHADO – Hum.
SARNEY – César Rocha.
SÉRGIO MACHADO – Dou, mas o César não tem acesso ao Teori
não. Tem?
SARNEY – Tem total acesso ao Teori. Muito, muito, muito,
muito acesso, muito acesso. Eu preciso falar com César. A única coisa com o
César, com o Teori, é com o César.
“Se sobrar cinco é muito”
Ex-presidente da Transpetro diz que Petrolão favoreceu a
todos os políticos e o dinheiro não foi só para campanhas.
SÉRGIO MACHADO – É porque esse processo. Porque Renan, vou
dizer o seguinte, dos políticos do Congresso, se sobrar cinco que não fez, é
muito (receber dinheiro para campanha). Governador nenhum. Não tem como, Renan.
RENAN CALHEIROS – Não tem como sobreviver.
SÉRGIO MACHADO – Não tinha como sobreviver.
RENAN CALHEIROS – Tem não.
SÉRGIO MACHADO – Não tem como sobreviver porque não é só, é
a eleição e a manutenção toda do processo.
RENAN – É.
“Janot é o maior mau caráter”
Renan ofende o procurador-geral da República.
SÉRGIO MACHADO – Agora esse Janot, Renan, é o maior mau
caráter da face da terra.
RENAN – Mau caráter! Mau caráter! E faz tudo que essa
força-tarefa (Lava Jato) quer.
SÉRGIO MACHADO – É ele não manda. E ele é mau caráter. E ele
quer sair como herói. E tem que se encontrar uma fórmula de dar um chega pra lá
nessa negociação ampla pra poder segurar esse pessoal (Lava Jato). Eles estão
se achando o dono do mundo.
Renan – Dono do
mundo.
As acusações contra Sério Machado
Fraude a licitação
Em 2010, o Ministério Público Federal acusa Sérgio Machado
de participar de esquema para fraudar licitação da compra de 20 comboios
fluviais, no valor de US$ 239 milhões, para transporte de etanol. O MPF pede à
Justiça que decrete o imediato afastamento do executivo e o bloqueio de seus
bens.
Patrimônio incompatível com a renda
Naquele mesmo ano, Machado vira alvo de inquérito aberto
pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que apura indícios de evolução
patrimonial incompatível com a renda. Apesar das suspeitas, ele prossegue no
cargo.
Repasse de propina
No final de 2014, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto
Costa, delator da Operação Lava Jato, afirma à Justiça Federal no Paraná que
recebeu R$ 500 mil do ex-presidente da Transpetro. Os valores seriam
provenientes do esquema de corrupção conhecido como Petrolão.
Anotações suspeitas
Em papeis e arquivos de computadores apreendidos em poder de
Costa, há referências à Transpetro e a Machado, reforçando as suspeitas. Aparecem anotações como “construção de
navios”, “estaleiros”, “contrato de transporte Transpetro”, nomes de grandes
empresas do setor naval e “Sérgio Machado”.
Auditoria
Em dezembro de 2014, a PriceWaterhouseCoopers impõe a saída
de Sérgio Machado do comando da Transpetro como condição para auditar o balanço
da Petrobrás. Ele deixa a estatal depois de 11 anos.
Investigação no Supremo
Com base nas delações de Paulo Roberto Costa e do ex-senador
petista Delcídio do Amaral, o Supremo abre inquérito para apurar suspeitas de
pagamento propina ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), desviada
de contratos da Transpetro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário