Artigo de Fernando Gabeira
Não pensava mais em escrever sobre prisões. Elas escrevem
por si próprias. Mas é importante combater o esquecimento. As prisões são um
outro lado do mundo, muros cinzentos, uma guarita, o sentinela. Não posso
reclamar da minha passagem. A Ilha Grande, com toda a sua carga de sofrimento,
era um lugar bonito, com água de qualidade e um silêncio entrecortado pelos
ruídos do mato. Na volta ao Brasil, resolvi seguir o conselho do escritor
norte-americano Henry Thoreau. Segundo ele, todo cidadão deveria visitar as
prisões do lugar onde vive, pois é um forte indicador do nosso nível de avanço
social.
Visitei o máximo que pude, de Pedrinhas, no Maranhão, aos
presídios do Sul, passando por Bangus e Carandirus no Sudeste. Observo, pelas
sessões do STF, que o ministro Gilmar Mendes também as conheceu bem: organizou
mutirões e visitou as prisões brasileiras quando presidente do Conselho
Nacional de Justiça. Quando o ouço falar no tema diante de ministros que talvez
não conheçam bem o estado das prisões, sinto-me representado. É mais uma pessoa
lembrando a gravidade, para mim, de uma bomba-relógio que estamos empurrando
para as novas gerações.
As cadeias falaram, então é preciso falar delas, neste
momento de crise política e econômica. O primeiro episódio foi a morte do
suspeito de ligações com os terroristas do Isis, um homem de 36 anos, Valdir
Pereira da Rocha, numa cadeia de Várzea Grande (MT).
Quando os suspeitos foram presos na Operação Hashtag, antes
da Olimpíada, critiquei o ministro da Justiça e o governo Temer por não
cuidarem da questão do terrorismo com a seriedade e o profissionalismo que ela
demanda. O ministro da Justiça isentou o governo de culpa, afirmando que o
preso pediu para ser transferido para lá, para ficar perto da família, o que é
razoável como política para condenados, mas não para um suspeito de terrorismo.
Nem todos os presos podem escolher em que presídio devem
ficar. Se isso fosse levado ao pé da letra, haveria uma debandada em Curitiba.
Não é, no entanto, o argumento principal que baseia a minha crítica ao governo
Temer e sua incompreensão de certos fatos globais.
A política de manter fanáticos religiosos na prisão comum
foi usada na França e com o tempo se constatou que muitos novos terroristas
foram convertidos na própria cadeia onde cumpriam pena. É uma questão de
segurança da sociedade. Mas também é uma questão de segurança do próprio
suspeito de terrorismo. Embora não tenha lido ainda o inquérito sobre a morte
de Valdir, terroristas que matam a esmo, até crianças, não têm grande
popularidade entre os presos.
Mas os conflitos no presídio de Roraima, com dez mortos, e
no de Franco da Rocha (SP), com fuga em massa, embora não tenham ligação entre
si, mostram que o problema de segurança, que se supunha resolvido com a prisão
de criminosos, explode e se expande do interior das próprias prisões.
Em outros artigos já mencionei o que me parece o erro
fundamental: pensar que o problema está resolvido com a prisão dos condenados.
Não há um trabalho de inteligência articulado, não há capacidade de prevenção,
algo que os ingleses fazem com rigor.
Todos se esqueceram das prisões. PT, então, foi um fracasso
retumbante. Simplesmente ignorou a gravidade da crise penitenciária Prometeu
alguns novos presídios e pronto. Hoje o partido, com tantos dirigentes presos,
já está em dívida com o sistema, que faz mais por eles do que recebeu do PT ao
longo dos anos. É verdade que alguns deputados petistas se interessaram e
organizaram caravanas pelos presídios e manicômios judiciários. Viajei com
Marcos Rolim visitando manicômios e com Domingos Dutra, alguns presídios,
incluído o de Pedrinhas. Ambos foram deputados do PT e saltaram do barco.
Surgiram relatórios basicamente centrados nos direitos
humanos. Hoje, porém, acho que é uma visão incompleta. A questão da segurança
pública a partir das tramas urdidas nas prisões coloca um desafio especial que
passa por presídios decentes. Eles bem que poderiam ser anexados às multas dos
empreiteiros. Hoje eles têm tudo para construir bons presídios.
No entanto, ela não se esgota nas condições de prisão. Em
tempo de smartphones as relações dentro e fora do presídio passam a ser mais
uma variável no enigma que parecia esgotado com a perda da liberdade. As
pessoas poderiam dizer que é um raciocínio oco, pois existem os bloqueadores:
pronto, solucionado o problema. Mas quem acredita mesmo nos bloqueadores do
Brasil, se volta e meia explode um motim precisamente porque os carcereiros
apreenderam os celulares nas celas? Ninguém iria amotinar-se apenas pelos
games.
O governo Temer herdou uma situação calamitosa, que ele não
percebeu depois de tantos anos ao lado do PT. Não tem condições de abrir novas
frentes, sobrecarregado pela agenda econômica. A única saída é uma espécie de
intercâmbio das pessoas que conheceram as prisões brasileiras, seja por visitas
de ofício ou experiências familiares, e todas conversem sobre como desmontar
essa bomba.
Ideias dispendiosas são inviáveis no momento. Será preciso
pôr a cabeça para funcionar. É preciso demonstrar que a inércia custa mais
caro. Já vi motins causando prejuízo de R$ 2 milhões, por uma economia de R$ 5
mil numa comida intragável.
Quanto mais esquecermos os presídios, mais falarão por si
próprios. E eles não falam nada quando nos lembramos deles, inclusive de
monitorá-los. Ou, então, falam como os presidiários de Linhares, em Juiz de
Fora, que aprenderam a bordar a exportam seus trabalhos para a Europa e o
Japão, por intermédio de uma jovem empresária.
As prisões do Brasil e da Venezuela têm algo em comum:
tornaram-se um inferno maior durante os anos de populismo de esquerda. Quando
Thoreau falava em visitar as cadeias para conhecer o nível da sociedade,
tratava de um tema mais amplo. Conhecer as cadeias do Brasil revela muito sobre
o governo que dirigiu o País por 13 anos.
Artigo publicado no Estadão em 21/01/2016
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