Da ISTOÉ
Depois que surgiram as denúncias de que dezenas de
parlamentares recebiam propina desviada dos cofres da Petrobras, o alerta
vermelho da Receita Federal foi aceso. Primeiro, os auditores fizeram um
pente-fino em casos específicos, a pedido do Ministério Público Federal. Em
seguida, teve início uma grande investigação sobre o patrimônio dos políticos
alvos da Operação Lava Jato, que continua a ser ampliada e aprofundada. ISTOÉ
obteve dados inéditos da devassa em curso: de uma lista inicial com 44
investigados, a Receita já abriu autos de infração para multar dez políticos. O
Instituto Lula, que teve a isenção tributária cancelada na quinta-feira 13 por
desvio de finalidade, também integra esse rol. Sobre os políticos, em sete
casos foi confirmada na primeira instância administrativa a aplicação de multa.
Os parlamentares recorrem ao Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais)
para tentar anular a punição. Nos outros casos, o processo ainda está aberto
para defesa em primeira instância.
O alvo pioneiro foi André Vargas, flagrado em relações
pessoais e de negócios com o doleiro Alberto Youssef. Ao analisar o imposto de
renda de Vargas, a Receita encontrou dados impressionantes: omissão de
rendimentos milionários por meio de empresas de fachada e indícios de crime
contra a ordem tributária. A gravidade se refletiu na punição: a Receita está
cobrando R$ 4,2 milhões do ex-deputado. De acordo com o auto de infração obtido
com exclusividade por ISTOÉ, duas empresas ligadas a Vargas, a Limiar e a LSI,
receberam pagamentos de propina da agência de publicidade Borghi Lowe em troca
da ajuda para obter contratos no governo. Para os auditores, os recursos
recebidos pelas duas empresas, em um total de R$ 4,3 milhões entre 2010 e 2014,
deveriam ter sido declarados por André Vargas e tributados como rendimentos
recebidos de pessoa jurídica. Também foi considerado como omissão de
rendimentos um pagamento de R$ 1,5 milhão em espécie que teria sido feito pelo
doleiro Alberto Youssef em 2014. “Diante da cristalina presença do elemento
subjetivo do dolo, não restando dúvidas quanto à intenção do contribuinte em
omitir rendimentos, empregando subterfúgios para ocultar a origem dos mesmos,
causando prejuízo aos cofres públicos mediante a falta e/ou redução do
pagamento dos tributos devidos, foi aplicada à infração de omissão de
rendimentos recebidos de pessoa jurídica sem vínculo empregatício a multa de
ofício qualificada de 150%”, diz o relatório do auto de infração. Vargas
recorreu ao Carf e tenta anular ou diminuir a punição, sob argumento de que não
há provas de ter omitido rendimentos.
A lista de políticos que já respondem a autos de infração
inclui, além de Vargas, Aníbal Gomes (deputado federal pelo PMDB-CE), Arthur
Lira (deputado federal pelo PP-AL), Dilceu Sperafico (deputado federal pelo
PP-PR), Eduardo Cunha (deputado cassado, do PMDB-RJ), José Otávio Germano
(deputado federal pelo PP-RS), Lázaro Botelho (deputado federal pelo PP-TO),
Mário Negromonte (ex-ministro, à época pelo PP-BA), Roberto Britto (deputado
federal pelo PP-BA) e José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil no governo Lula).
Todos negam as acusações e tentam reverter a autuação da Receita.
O rigor do trabalho tem impressionado os investigados. Os
auditores estão pedindo justificativas até mesmo para gastos em valores
inferiores a R$ 1.000 e, principalmente, questionando a origem de depósitos em
suas contas, mesmo quando são em valores baixos. Em geral, os auditores
detectaram gastos incompatíveis com os rendimentos ou entrada de valores com
origem desconhecida ou suspeita. Isso ocorreu, por exemplo, em operações de
venda de gado sem documentos comprobatórios e depósitos em dinheiro sem origem
identificada.
Os trabalhos tiveram como ponto de partida os relatos da
Lava Jato e foram ampliados sob o ponto de vista contábil. Da lista dos
procuradores, outro alvo foi Eduardo Cunha, quando ainda era deputado federal.
A pedido de Janot, os auditores passaram a fazer uma devassa nas contas de
Cunha, seus familiares e suas empresas. Pelo ano de 2010, Cunha já foi multado
em cerca de R$ 100 mil, sob acusação de ter feito despesas de cerca de R$ 40
mil incompatíveis com seus rendimentos. Sua defesa recorreu ao Carf e tenta
reverter a punição. “O auto de infração deixou de considerar receitas e
créditos no fluxo de caixa mensal dele”, argumentou o advogado Leonardo
Pimentel Bueno. Estão em andamento as investigações relativas aos demais anos.
Um despacho enviado pela Receita Federal à Procuradoria-Geral da República
aponta indícios relacionados a Cunha de “variação patrimonial a descoberto”
(mais gastos sem amparo nos rendimentos) entre 2011 e 2014. Na última
quinta-feira 13, o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, aceitou a
denúncia contra o peemedebista sob acusação de receber propina em contas na
Suíça. O caso estava no Supremo Tribunal Federal, mas foi enviado a Curitiba
depois que ele foi cassado, no mês passado.
Movimentação incompatível
Já as suspeitas contra Dirceu remontam ao início do ano
passado, quando o juiz Sérgio Moro determinou a quebra de seus sigilos. Na
mesma época, uma análise da Receita apontou movimentação financeira incompatível
referente a 2012, quando o petista declarou ter pago R$ 400 mil na compra de
uma casa, embora os recursos não tenham passado por sua conta bancária. Após
aprofundar as investigações, a Receita decidiu abrir um auto de infração contra
o ex-ministro.
O Instituto Lula chamou a atenção dos auditores pelo volume
de recursos que movimentou. O processo aberto na Receita contra a entidade é de
“suspensão de isenção e auto de infração”. Na última quinta-feira 13, a Receita
oficializou a perda de isenção tributária do instituto, relativa ao ano de
2011. Agora, o processo vai se dedicar a avaliar a aplicação de multa, valor
que ainda não está definido mas que deve ser superior a R$ 1 milhão. Foram
detectadas despesas feitas pelo instituto que fogem das finalidades de uma
entidade sem fins lucrativos e uma confusão dos interesses pessoais de Lula com
o da instituição, segundo informações da Receita. Agora, os trabalhos se
concentram na Delegacia Especial de Maiores Contribuintes de Belo Horizonte
(Demac), com jurisdição para investigar os casos de pessoas físicas em todo o
Brasil. Até o fim deste ano, os auditores preparam um novo pacote de autos de
infração contra os políticos, com base no ano-calendário de 2011, que
prescreveria em 31 de dezembro. O Leão, como a Receita é conhecida, ruge alto.
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