Da ÉPOCA
Faltavam 16 dias para o segundo turno das eleições de 2014
quando Eduardo Cunha enviou uma mensagem, em tom de ordem, ao presidente da
OAS, Léo Pinheiro. “Vê Henrique seg turno”, escreveu o então líder do PMDB, em
10 de outubro, pedindo ajuda financeira para a reta final da campanha do aliado
Henrique Eduardo Alves ao governo do Rio Grande do Norte. Como o dinheiro
demorava a cair, Cunha ficou impaciente. “Amigo, a eleição é semana que vem, preciso
que veja urgente”, escreveu, três dias depois. “Tem de encontrar uma solução,
senão todo esforço será em vão”, insistiu, dali a dois dias. Pinheiro respondia
sempre que estava com dificuldades para levantar novos recursos. Cunha,
habilidoso negociador, decidiu resolver o problema por conta própria.
Providenciou com dirigentes da Odebrecht uma transferência eletrônica de R$ 4
milhões da empreiteira para o comitê nacional do partido em 23 de outubro.
Naquele dia, um cheque do mesmo valor saiu da cúpula da sigla para o diretório
do PMDB-RN e, ao longo da semana, todos os R$ 4 milhões chegaram à conta da
campanha de Alves.
O episódio diz muito sobre Cunha e o PMDB. Ao contrário do
PT, o PMDB não teve, nas eleições mais recentes, um tesoureiro responsável por
centralizar a arrecadação e a distribuição de dinheiro de campanha – é por isso
que, no petrolão, não se descobriu no partido de Cunha figuras como João
Vaccari e Delúbio Soares. A maior legenda do Brasil constitui-se numa
aglomeração de chefes políticos que, a depender do momento e da oportunidade,
organizam-se regionalmente ou no Congresso. Divide-se, em Brasília, em dois
grupos principais: o PMDB da Câmara e o PMDB do Senado. A arrecadação de
doações eleitorais obedecia a essa estrutura política. O caixa eleitoral do
partido, no entanto, era único. Empresários doavam a uma conta nacional, mesmo
que quisessem repassar o dinheiro a um candidato específico. A confusão era
certa. Não era fácil identificar qual doação pertencia a qual candidato – às
vezes, mais de um candidato.
Cunha, graças a seu excelente relacionamento com os maiores
empresários do país, conforme o episódio com Léo Pinheiro deixa claro,
encarregava-se, sobretudo na campanha de 2014, de resolver as encrencas.
Conhecia todo mundo que doava e conhecia no PMDB todo mundo que receberia, ou
deveria receber, o dinheiro. Tornara-se, de certa maneira, um tesoureiro
informal do PMDB. Agora, esse tesoureiro está preso pela Lava Jato – e seus
segredos não estão somente na Suíça.
Cunha, portanto, conhece como ninguém os bastidores da
arrecadação do PMDB em 2014. Meticuloso, guardou documentos e anotou todos os
detalhes, incluindo valores e destinatários, das doações – legais e ilegais –
daquela campanha. Nelas, há até datas e locais de encontros com empresários,
lobistas e políticos do PMDB. Na pauta, sempre dinheiro de campanha. “Ou
dinheiro pago durante a campanha”, disse ele recentemente a amigos, com leve
ironia. Ele se referia ao fato muito conhecido, nos bastidores do poder, de que
eleições são oportunidades para políticos ganharem dinheiro. Afinal, uma vez na
posse das contribuições, legais ou ilegais, dos empresários, um político pode
usá-las para produzir santinhos – ou produzir saldo em contas na Suíça.
Nos últimos meses, conforme a perspectiva de que fosse preso
tornava-se cada vez mais próxima, Cunha, percebendo-se sem saída, reuniu os
documentos e organizou as anotações. Passava os dias – e as madrugadas –
consultando os arquivos, em papel e no computador, e a memória. Criou pastas
para cada alvo. Preparava-se para tentar, no momento certo, uma delação
premiada. (Seus advogados chegaram a sondar a Procuradoria-Geral da República,
mas as conversas não avançaram.) Parte do material serviria para o livro que
Cunha estava escrevendo sobre os bastidores do impeachment de Dilma Rousseff.
Nele, Cunha descreveria os fatos políticos da queda da petista, sem mencionar
ilegalidades. Estas ficariam para a delação.
Com a prisão, tudo mudou. Cunha sabe que dificilmente sairá
da cadeia, mesmo que seja em alguns anos, sem fechar uma delação. Sabe também
que sua família corre risco considerável de ter o mesmo destino dele. E, para
fechar uma delação, ele sabe ainda que os procuradores exigirão, além de uma
inequívoca admissão de culpa, uma quantidade formidável de novos casos de
corrupção – e provas sobre casos em andamento. A extensa lista dos fatos que
Cunha se dispõe a esclarecer, caso as autoridades topem, começa precisamente
por seu papel como tesoureiro informal na campanha de 2014.
Ele tem informações que podem ser determinantes para o
desenrolar da investigação que o Tribunal Superior Eleitoral conduz sobre as
contas da chapa que elegeu Dilma como presidente e Michel Temer como vice. Já
há provas abundantes, segundo a Lava Jato, de que dinheiro do petrolão
abasteceu, seja no caixa oficial, seja no caixa dois, a chapa de Dilma e Temer.
Se os ministros do TSE avançarem no processo, Temer pode, no limite, ser
cassado – e perder a Presidência, forçando uma eleição indireta, via Congresso,
ao Planalto. Hoje, Temer e seus advogados fazem de tudo para tentar separar as
contas do PT e do PMDB. Ainda não obtiveram sucesso.
É nesse ponto que o testemunho de Cunha pode se revelar
comprometedor. Segundo ele disse a amigos reiteradas vezes nos últimos meses,
os compromissos financeiros dos grandes empresários misturaram-se entre PT e
PMDB. De acordo com esses relatos e outras duas fontes envolvidas nas
negociações, o PMDB cobrou R$ 40 milhões do PT para apoiar a chapa de Dilma.
Segundo as fontes, o acordo secreto foi fechado no primeiro semestre de 2014
por Aloizio Mercadante, homem de confiança de Dilma, e pelo senador Valdir
Raupp, que presidia o PMDB.
Pelo acordo, o PT usaria seu crédito junto aos grandes
empresários – sobretudo empreiteiros do petrolão – para garantir que o PMDB
recebesse os R$ 40 milhões. Em troca, o PMDB apoiaria, e não somente por esse
motivo, a chapa de Dilma e Temer. Trata-se de uma prática comum na política de
alianças brasileira. Não é, por definição, ilegal. Para os chefes dos partidos
e candidatos, é uma negociação necessária dentro da regra do jogo do
presidencialismo de coalizão. Alguns políticos, porém, enxergam na prática uma
mera compra de apoio político, uma relação corrupta de troca. Viu-se um exemplo
disso no mensalão. O PT, como ficou comprovado, ajudou a financiar, com
dinheiro público desviado, a campanha de partidos aliados. No caso do acordo
dos R$ 40 milhões, não há indícios de ilegalidade até o momento.
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