De Napoleão a Trump: a grande (e pequena) imprensa em xeque
Olhando bem para os escombros deixados pelos abalos
gerais –
e com o devido rigor crítico e autocrítico que, no meio jornalístico,
costumamos cobrar dos outros – é preciso reconhecer: foi uma sova e tanto.
Refiro-me, é claro, não aos 3 a 0 enfiados pela incrível seleção de Tite na
Argentina, quinta-feira, no Mineirão dos 7 a 1 tomados da Alemanha, na Copa do
Mundo, mas ao resultado das urnas presidenciais nos Estados Unidos, esta
semana.
Uma surra exemplar para muita gente e para muitos setores. E
entre os que apanharam mais feio é inevitável constatar: a imprensa, o
jornalismo. Grandes (e pequenos) veículos de comunicação e muitas de suas
estrelas mais notórias e fulgurantes (nos EUA, no Brasil e no resto do mundo)
saíram “lenhados”, para usar uma típica expressão soteropolitana.
Pior mesmo, só os institutos de pesquisa, e seus analistas
profissionais, que saíram pouco menos que desmoralizados “por completo”, como
dizia a saudosa Calú, uma sábia de Irecê, no sertão da Bahia. Neste caso, a
credibilidade seriamente arranhada, ao se consumar a derrota da democrata
Hillary Clinton, vendida como “Pule de 10” durante toda a campanha. Mesmo nas
pesquisas de no dia da votação, quando o desastre já se desenhava nos jardins
da Casa Branca, sob domínio democrata durante 8 anos do governo Obama. Este,
outro grande e notório perdedor da refrega eleitoral. Basta ver as imagens do seu desconforto e
abatimento físico no encontro com Trump – apesar de todos os salamaleques
diplomáticos - para “facilitar” os caminhos da transferência do poder, que muda
de mãos e de voz.
Já foi dito, mas nunca é demais repetir: há praticamente um
só vitorioso, depois da apuração dos votos nas presidenciais dos EUA: Donald
Trump, o nome ungido pelo mirabolante sistema eleitoral norte-americano para
comandar a mais poderosa nação do planeta, nos próximos quatro anos. Ou 8,
provavelmente, a depender do que virá pela frente, e da carcaça do ganhador
agüentar o tranco.
Com alguma boa vontade seria possível identificar mais um
punhado de coadjuvantes do triunfo. Tão poucos que daria para contar nos dedos
das duas mãos. O próprio Trump precisou apurar bem a vista para identificar
alguns deles, durante seu estranho, enviesado e “apaziguador” discurso da
vitória, no suntuoso salão do Hotel Hilton. Entre os destaques, membros mortos
ou vivos da própria família (como nas festas do Oscar), amigos veteranos de
guerra e até um general. Apontados ao mundo na
madrugada de quarta-feira, às 5:30h da manhã, horário do Brasil, com o
sol nascendo na Cidade da Bahia.
O jornalista de olhos grudados na telinha do canal privado
de TV, depois de uma noite inteira zanzando feito zumbi, em busca de
informações isentas e confiáveis no computador, nos sites dos jornais, portais
e blogs do planeta. Procura inglória, na
maior parte do tempo e na maioria dos veículos. “Uma banana para Washington e
seus políticos e a grande mídia, agora quem vai mandar nos Estados Unidos somos
nós”, sintetiza o texano branco, de 37 anos, que, de férias em New Iorque, festeja
a vitória do megaempresário que também não se cansa de demonstrar sua ojeriza
aos políticos e que pode governar sem eles.
Talvez a bravata seja desnecessária. Leio, aqui e ali, nos
jornais dos dias seguintes, escuto no rádio e vejo na televisão: praticamente
todos os adversários do vencedor, mesmo os mais ferozes, aparecem na mídia
agora pregando união e torcendo pelo sucesso do presidente eleito. “Eu conheço
esta gente!”, costumava dizer o falecido ex-governador Leonel Brizola, em
situações semelhantes no Brasil.
Na grande (e pequena ) mídia – nos Estados Unidos, na Europa
e pelas bandas de cá do Atlântico Sul – parece se caracterizar um quadro
semelhante ao de uma história clássica, deliciosa mas implacável na crítica da
imprensa europeia. Conto neste espaço, outra vez, antes do ponto final , para
os de memória mais curta.
Quando Napoleão fugiu da ilha de Elba e desembarcou no Golfo
Juan, o jornal mais importante da França escreveu em sua manchete principal:
“O bandido corso tenta voltar à França”.
Quando o bandido corso alcançou o meio do caminho para
Paris, o mesmo periódico escrevia:
“O general Bonaparte continua a sua marcha rumo a Paris”.
Quando o general Bonaparte se encontrava a um dia de Paris,
o jornal dizia:
“Napoleão segue a sua marcha triunfal”.
Quando Napoleão entrou na capital de seu império perdido, o
periódico arrematou o processo de sua informação com esta manchete:
“Sua Majestade o Imperador entrou em Paris, sendo
entusiasticamente recebido pelo povo”.
Haverá sempre alguém para perguntar: “Mas o que isso tem a
ver com a eleição de Trump e a imprensa
dos nossos dias?”. Digo que não sei. Responda quem souber.
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