terça-feira, 10 de janeiro de 2017

DECOLOU DA REALIDADE

Da Época
Fernando Pimentel acordou cedo no primeiro dia do ano. Era domingo. Vestiu uma calça jeans, camisa azul-clara, sapatos sociais pretos. Como governador do Estado de Minas Gerais pelo PT, pediu que ficasse a sua disposição o helicóptero de prefixo PP-EPO, que pertence ao governo estadual, para uso naquele domingo. Ao piloto anunciou uma viagem a Escarpas do Lago, um condomínio de luxo que fica a cerca de 300 quilômetros da capital mineira, no município de Capitólio. Pimentel não tinha nenhum compromisso oficial naquele dia. Ele se deslocou em sobrevoo apenas para buscar seu filho, que passou a virada do ano com amigos. Quando partiam de volta para casa, pai e filho foram filmados: as imagens mostravam um jovem vestindo branco e que se despede de amigos antes de entrar no helicóptero, em que viajou ao lado do pai. Pimentel se mostrava à vontade e distribuiu apertos de mãos aos amigos do filho com naturalidade antes de a aeronave partir. A mordomia do poder deu-lhe asas.
O vídeo viralizou pela internet, e a cena irritou os mineiros logo no primeiro dia do ano. O uso de um veículo público por Pimentel para fins privados soou como uma afronta para a população. Minas Gerais – assim como a maior parte das unidades da Federação – vive dias de grandes dificuldades, tanto no campo da política quanto da economia. O mesmo governador, que não poupou recursos públicos para buscar o filho em uma festa, decretou em 5 de dezembro estado de calamidade financeira do estado. Os servidores de Minas enfrentam atrasos em seus salários. Como alternativa, Pimentel decidiu parcelar os vencimentos mensais. A medida, claro, desagradou aos servidores públicos e levou alguns seguimentos a fazer protestos e declarar greves e paralisações. Ao usar um helicóptero para fazer o trajeto, Pimentel e o filho encurtavam uma viagem que poderia levar até cinco horas de carro para menos de uma hora. Os custos, contudo, são pagos pelo contribuinte. Se a mesma viagem fosse feita com uma aeronave fretada, não sairia por menos de R$ 1.200 por viajante.
Por que Pimentel se sente livre para voar? Por uma conjunção de maioria na Assembleia Legislativa mineira e impasses jurídicos em Brasília, onde é réu por suspeita de corrupção, o governador mineiro sente-se blindado. Entre os petistas de primeiro escalão que participaram dos governos Lula e Dilma, é um sobrevivente. De Lula ao ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, do ex-poderoso José Dirceu a Guido Mantega, todos estão em situação muito pior na Justiça do que Pimentel. Tanto que a assessoria do governo disse em nota que não havia nenhuma irregularidade no uso da aeronave e, em sua página no Facebook, Pimentel tratou o caso com naturalidade: “Neste domingo, dia 1o, fui a Escarpas do Lago, pela manhã, de helicóptero, com a intenção de ficar o dia lá, com meu filho, que passara o Réveillon na casa de amigos. Ainda no voo de ida, ele comunicou-se comigo, dizendo que não se sentia bem, e perguntava se não me incomodaria voltar mais cedo com ele para Belo Horizonte, em vez de almoçar lá. Obviamente, concordei, e voltamos juntos, logo após o pouso, ainda pela manhã. Ou seja, nenhuma novidade, nada ilegal ou irregular”, escreveu o governador. Numa artimanha conhecida de políticos que tentam se esquivar de acusações, Pimentel atribui os ataques à oposição: “Os ataques fazem parte dessa campanha insidiosa de um pequeno setor da oposição, que conhece perfeitamente a lei e o decreto de que falei e que, a todo tempo, tenta atrapalhar e prejudicar o estado, em vez de ajudar a unir os mineiros no enfrentamento da crise”. A desculpa não colou, e servidores protestaram no dia seguinte segurando desenhos de helicópteros diante de um hospital público infantil onde os profissionais de saúde estão com os salários atrasados.
Desde o episódio, foram feitos questionamentos sobre de que forma o governador utiliza o helicóptero do estado. Os dados permanecem em sigilo, apesar de duas ações na Justiça mineira que solicitam a publicação das informações de deslocamento do governador. Pimentel alega que as informações devem permanecer em segredo por questões de segurança.
Pimentel não está sozinho. Em 2012, o tucano Geraldo Alckmin foi ao aeroporto de Guarulhos buscar o filho, a nora e netos usando um helicóptero que pertence ao estado de São Paulo. Disse que por ser governador 24 horas teria direito de se deslocar com os veículos do estado mesmo quando não tivesse compromissos oficiais. Em 2013, o peemedebista Sérgio Cabral, hoje preso pela Operação Lava Jato, chegou a pedir que os pilotos usassem o helicóptero do estado para buscar um vestido que sua mulher, Adriana Ancelmo, também presa na Lava Jato, havia esquecido no apartamento do Rio de Janeiro.
As volumosas denúncias de corrupção começaram precisamente em virtude de um avião. A Operação Acrônimo, pela qual o petista já foi denunciado, começou em outubro de 2014, quando a Polícia Federal apreendeu um jatinho que pousou em Brasília com grandes quantidades de dinheiro em espécie e material de campanha de Pimentel. No avião estava o empresário Benedito de Oliveira, o Bené, amigo de Pimentel e um dos delatores da Acrônimo. O caso tramita no Superior Tribunal de Justiça e apura um esquema no qual Pimentel e sua mulher, Carolina Oliveira, são acusados de ter se favorecido do dinheiro de empresas em troca da liberação de crédito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de benefícios por meio do Ministério do Desenvolvimento, quando este era comandado pelo petista. Na denúncia, o Ministério Público afirma que Pimentel solicitou e recebeu R$ 2 milhões em propina do grupo Caoa, concessionária da marca Hyundai, por meio de empresas de Bené, em troca de benefícios tributários. (O grupo Caoa nega as acusações.) As apurações evoluíram e viraram denúncia em maio de 2016. Pimentel não se tornou réu até hoje graças a um imbróglio judicial. O Supremo Tribunal Federal precisa concluir um julgamento em que decidirá se é necessária a autorização da Assembleia Legislativa do estado (onde Pimentel tem maioria) para que ele se torne réu. O caso foi levado a julgamento em dezembro de 2016 e suspenso por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Dois ministros já votaram pela dispensa da autorização prévia.
Politicamente, Pimentel encontra-se isolado: seu partido, o PT, foi varrido do governo federal com o impeachment de Dilma Rousseff, de quem foi ministro e é amigo pessoal. A Pimentel, resta esperar o tempo para que o Supremo retome o julgamento. Caso prevaleça o entendimento de que a Assembleia de Minas não precisa autorizar qualquer investigação, a vida do petista ficará mais difícil. Seu destino dependerá apenas da Justiça, e não de aliados políticos. Se sobreviver às acusações, ele terá ainda de enfrentar um estado em crise e, agora, sem a ajuda dos antigos companheiros do Palácio do Planalto. Por mais que pegue carona em aeronaves oficiais, em algum momento Pimentel vai pousar.
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