Da BBC BRASIL
Quando as pessoas começaram a dizer, no ano passado, que
Donald Trump se candidataria à Presidência dos Estados Unidos, Sarah pensou que
era uma piada, nada para ser levado a sério.
Mas, no dia 8 de novembro de 2016, Trump foi eleito.
Sarah, que pediu para não ter seu sobrenome divulgado por
questão de segurança, ligou para o marido imediatamente. Ele estava fora do
país em uma viagem de negócios.
"Acabou. Quero ir embora. E não estou brincando",
disse Sarah. "Eu sei. Podemos ir", respondeu o marido.
Agora, em janeiro de 2017, Sarah, de 43 anos, seu marido, de
45, e as duas filhas se despediram de sua pequena cidade no Meio-Oeste
americano, onde moraram durante três anos e meio.
Eles vão reconstruir a vida em um país a milhares de
quilômetros de distância e não têm planos para voltar.
Durante as eleições mais disputadas da história americana,
surgiram muitas conversas em escritórios, restaurantes, cafés e na imprensa com
pessoas afirmando que abandonariam os Estados Unidos caso Trump ganhasse.
No dia seguinte da chamada "Superterça", no início
de março, quando 12 Estados americanos votaram nas primárias republicanas, o
Google anunciou que as buscas usando a frase "mudar para o Canadá"
foram bem mais numerosas do que em qualquer outro momento da história do site.
Mas, depois da vitória de Trump nas eleições, muitas pessoas
- incluindo nomes famosos como a comediante Amy Schumer e a cantora Miley Cirus
- desistiram das promessas de sair do país. Alguns porque não podiam sair
mesmo, outros porque decidiram ficar e enfrentar a situação.
Outros disseram que tinham feito "uma piada"
quando prometeram sair dos Estados Unidos.
Mas há pessoas que partiram, que estão fazendo planos para
ir embora ou, em alguns casos, estão adiando os planos de voltar ao país depois
de viver no exterior.
'Sem opções'
Para Sarah e sua família, não parecia haver outra opção.
Ela contou que gostaria de "ficar e lutar", mas a
segurança de sua família e a possibilidade de permanecerem juntos eram
prioridade.
O marido de Sarah não é americano, não tem residência no
país e trabalha muito no exterior. As crianças têm dupla cidadania, a americana
e a do pai. Sarah é cidadã americana com residência permanente nos dois países.
Quando o marido dela entra nos Estados Unidos, tem que
solicitar um visto temporário.
"É uma espécie de loteria, ele pode não se dar bem com
alguém (na imigração) e essa pessoa pode acabar não o deixando entrar no país.
Com as mudanças no novo governo, isto fica um pouco mais assustador",
explicou.
Sarah acredita que sua família tem sorte, já que tem os
meios e a oportunidade de sair do país.
Mas ela se preocupa com a mensagem que está passando para
suas filhas.
"Que tipo de exemplo estou dando ao pegar minhas coisas
e ir embora quando há tanta gente que não pode fazer isso? Quem vai ficar aqui
para protegê-los e lutar por eles?", questiona.
Sarah explica que fica triste em deixar os amigos para trás,
mas eles apoiaram a decisão.
Muitos disseram que gostariam de ir embora também. Todos
entendem sua decisão, principalmente, seu pai, que votou em Trump.
"Quem não entende fala 'pode ir'. E isso é exatamente o
que vamos fazer, pois não quero criar duas filhas em um lugar onde não me sinto
segura e onde estou colocando a segurança delas em risco."
Mudanças
Para Cori Carl e sua esposa, Casey Daly, não era uma questão
de esperar para ver quem seria eleito presidente.
"(Mesmo) Antes de Trump ser candidato, minha esposa e
eu sentimos que estava surgindo uma reação contra as conquistas de Obama e dos
liberais nos últimos oito anos", explicou Carl.
A família então começou a ver opções fora dos Estados
Unidos.
"Decidimos que queríamos mudar para o Canadá",
disse Carl. E, em janeiro de 2016, eles saíram do Brooklyn, em Nova York, para
Toronto.
Carl trabalha como consultor de comunicações, à distância. E
Daly é analista em uma multinacional com escritórios na América do Norte e
Europa.
Depois de trabalhar na empresa durante dez anos, conseguiu
uma transferência para o escritório de Toronto.
Mas Carl alerta que muitos têm uma ideia errada sobre esse
processo, sobre quem pode e quem não pode ir para o Canadá.
"Ou você atende os requisitos para se mudar para o
Canadá ou não. É bem claro, já que está baseado em um sistema de pontos",
explica.
A melhor situação possível é se você tem menos de 35 anos,
boa formação acadêmica, é um jovem profissional ou ocupa um cargo de gerência.
Se este for o caso, "suas possibilidades são
excelentes", afirmou Carl.
"Você não precisa de uma oferta de emprego, mas vai
precisar comprovar que tem algumas economias para se manter lá enquanto procura
trabalho."
O casal conta que quer ajudar outros que poderiam ter mais
problemas que eles para se mudar e que já se deram por vencidos.
E, para isso, lançaram um site para ajudar as pessoas que
estão tentando se mudar dos Estados Unidos para o Canadá.
Os acessos ao site cresceram 300% em novembro e, segundo
Carl, "aumentam cada vez que Trump tuíta sobre algo que incite o
ódio". Eles também escreveram o livro Mudando para o Canadá, publicado
pouco depois da eleição.
Níveis de interesse
A advogada Marisa Feil, especializada em imigração canadense,
contou que tem um cliente que deixou seu emprego nos Estados Unidos depois da
eleição, aceitando um cargo similar ao que tinha em uma empresa filiada no
Canadá.
No entanto, ela conta que a maioria das pessoas que entraram
em contato com ela queria fazer consultas e nenhuma delas se mudou de fato.
A advogada diz que a maior dúvida das pessoas é se é
necessário ter uma proposta de emprego para poder imigrar para o país ou obter
um visto de trabalho.
"A maioria dos americanos se assusta ao descobrir que
não pode se mudar somente levando em consideração seu nível de educação e
experiência profissional. O Canadá tem um sistema em que é preciso alguma
conexão com o país, seja em forma de uma oferta de emprego ou tendo um familiar
vivendo lá que possa ajudar a encontrar um trabalho".
Do outro lado do planeta
Outro site que viu sua audiência disparar após a eleição
americana foi o New Zealand Shores, que trata do processo de imigração para a
Nova Zelândia. O aumento nos acessos foi de 600%, segundo Sarah Crome,
especialista no assunto, que tem uma agência de imigração no país.
Nem todos mencionam o nome de Trump como razão para querer
deixar o país, diz Crome. Falam da "situação política" em geral.
"Muitos dos clientes também não queriam Hillary
Clinton".
A empresa atualmente tem cerca de 150 casais e famílias
americanas como clientes, um número mais alto que no ano passado.
"Atualmente, a Nova Zelândia é um país atraente para
eles", diz Sarah.
Pensando duas vezes antes de voltar
Para Galina, uma novaiorquina que vive na Austrália e
trabalha na administração de propriedades, a vitória de Trump significou o
adiamento dos seus planos de voltar para os EUA.
"Não vou voltar até estar certa de que vai restar
alguma coisa dos Estados Unidos", explicou.
Galina, que simpatizava com Bernie Sanders - principal rival
de Hillary Clinton na disputa pela indicação do Partido Democrata à Presidência
-, pediu que seu sobrenome não fosse divulgado por considerar sua decisão
delicada.
"Não creio que Trump vá ser um bom presidente, muito
menos um presidente que garanta segurança. Estou preocupada que ele acabe com o
país, irritando as pessoas erradas e começando uma verdadeira guerra mundial ou
um ataque terrorista", disse.
"Ele também prejudica a imagem dos Estados
Unidos".
Ela cita o sistema de saúde pública, a falta de armas, a
educação gratuita e os salários mais altos como bons motivos para ficar na
Austrália por enquanto.
Cidadania europeia
Já Marisa, que é casada, tem dois filhos e vive no sul dos
EUA, conta que está pedindo a dupla cidadania no país europeu onde seus avôs
nasceram.
Seu avô foi residente permanente nos EUA mas nunca se
naturalizou americano.
Ela está preocupada com as pessoas que Trump escolheu para
formar o seu governo e a possibilidade de restrições de direitos no país.
Marisa também teme viver em um lugar onde o racismo e a
xenofobia se manifestam agora abertamente.
Onde mora, ouve pessoas dizendo que Trump é o presidente que
vai mandar os imigrantes embora e colocar as pessoas "no seu devido
lugar". Mas a linguagem que usam é bem ofensiva, conta Marisa, que também
pede para não dizer o sobrenome.
Seu irmão mais velho, diz, já conseguiu a dupla cidadania.
Ninguém tem planos imediatos de mudança, mas Marisa explica que o irmão já
começou a procurar trabalho na Europa e avisa que logo vai fazer o mesmo.
Para Sarah, a mudança não é algo que ela e a família
tivessem planejado. Ela diz que está "totalmente desanimada" e que
sempre pensou que criaria as duas filhas nos EUA.
"Mas preciso protegê-las", afirma. "Não posso
ficar aqui quando tenho a opção de ir embora".
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