Antes de acelerar pelo autódromo de Abu Dhabi a bordo de um
Aston Martin, em fevereiro deste ano, o prefeito de São Paulo, João Doria
(PSDB), teve o cuidado de gravar um vídeo para explicar as condições em que
pilotaria.
"Eu vou fazer isso, evidentemente, dentro de toda a
segurança e seguindo as normas do circuito", disse ele, mostrando, na
sequência, os dedos indicador e médio na horizontal. "Acelera!",
finalizou, com o lema de sua gestão.
Se estivesse no Brasil, contudo, o tucano não poderia
assumir o volante do veículo e sair pelas ruas. Isso porque, naquele mesmo
período, ele estava com a habilitação suspensa justamente por desrespeito às
normas de trânsito.
A suspensão do direito de dirigir vigorou entre 13 de janeiro
e 12 de março e se deu porque o prefeito acumulou mais de 20 pontos na carteira
após uma série de infrações, a maioria delas por excesso de velocidade.
Hoje, mesmo com o prazo de punição vencido, Doria continua
impedido de dirigir, já que ainda não participou do curso de reciclagem (de 30
horas) obrigatório para recuperar a sua habilitação.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o tucano afirma que
não "costumava" dirigir seus veículos à época das infrações e que
perdeu o prazo para indicar os condutores.
A reportagem obteve a dica sobre a suspensão da habilitação
do prefeito pelo Folhaleaks, canal criado pela Folha para receber informações e
documentos. A informação foi confirmada depois pela reportagem, por meio de
documentos oficiais.
O prefeito está sem carteira porque foi multado cinco vezes
entre novembro de 2014 e junho de 2015, sendo três por transitar com velocidade
acima da permitida (até 20%), uma por manobra irregular e a outra, a mais grave
delas, por avançar o sinal vermelho.
Durante a campanha eleitoral, no ano passado, Doria fez
duras críticas ao que considerava uma indústria de multas de trânsito na gestão
de Fernando Haddad (PT).
O tucano também prometeu, e depois cumpriu, ampliar o limite
máximo de velocidade das marginais Tietê e Pinheiros. O número de acidentes com
vítimas tem crescido desde essa mudança.
MAIS MULTAS
Segundo os dados oficiais obtidos pela reportagem, não é
possível dizer onde foram cometidas as infrações que levaram à suspensão da
carteira do prefeito neste ano.
É possível afirmar, porém, que dois veículos (um Porsche
Cayenne e um Audi A8) usados pelo prefeito naquela época foram multados outras
cinco vezes entre junho de 2016 a abril de 2017.
Dessas irregularidades, de acordo com informações
disponíveis no site da CET (companhia de trânsito ligada à prefeitura), três
delas também foram por excesso de velocidade e cometidas nas marginais Tietê e
Pinheiros.
À época, o limite permitido para as vias era de 50 km/h, mas
os veículos de Doria foram flagrados pelos radares da prefeitura com
velocidades entre 58 km/h e 65 km/h.
As multas nas marginais foram aplicadas em 2016, antes de
Doria assumir a prefeitura. Na lista de infrações recentes, há uma por trafegar
com passageiro sem o cinto de segurança (esta já em 2017) e outra por
estacionar em local proibido.
Esta última autuação ocorreu na avenida Brigadeiro Luís
Antônio, 453, em frente a um cartório eleitoral.
Os veículos estão em nome de Doria Administração de Bens e,
também, de João Agripino da Costa Doria Junior (o nome de batismo do prefeito).
Nesses casos de infrações recentes, com base nos dados
oficiais disponíveis, não é possível afirmar quem dirigia. O prefeito pode ter
indicado um outro condutor, algo permitido pela legislação e que, assim,
evitaria uma nova suspensão a ele.
O dono do veículo, após a notificação, tem 15 dias para
indicá-lo, isso quando não é o responsável pela infração.
Segundo o presidente da comissão de Direito Viário da
OAB-SP, Maurício Januzzi, se o proprietário perde o prazo, não há como
reclamar. "Ele não é obrigado a indicar. Mas, se ele não indicar, quer
dizer que ele é o motorista", afirmou o advogado, ao falar em tese sobre o
tema, sem saber o teor da reportagem.
Com mais de uma multa no prontuário, o prefeito faz parte do
grupo de infratores contumazes. Segundo balanço da prefeitura, 51% das
infrações de 2015 foram cometidas por 5% da frota. Outros 71% não receberam
nenhuma multa.
OUTRO LADO
Por meio da assessoria de imprensa da Prefeitura de São
Paulo, João Doria disse que não "costumava" dirigir seus próprios
veículos na época das infrações e que assumiu como seus os pontos na carteira
de motorista porque perdeu os prazos para indicar os infratores.
Em nota, "sobre as multas relativas a 2015 e aos demais
anos", a prefeitura diz que "o empresário João Doria" não
"costumava" dirigi-los, tarefa repassada para "motoristas
profissionais".
"As multas aplicadas contra os veículos acabaram
assumidas por Doria porque perdeu-se o prazo de 30 dias [sendo 15 dias após a
notificação] para que os nomes dos condutores fossem informados ao Detran no
prazo regimental", diz a nota.
"João Doria assumiu os pontos e pagou as multas. Como
houve superação do limite de pontuação [mais de 20 pontos], ele entregou sua
carteira de motorista ao Detran em 13 de janeiro deste ano."
O prefeitura diz ainda na nota que, após entregar sua
carteira de habilitação ao órgão estadual, o tucano cumpriu a penalidade
administrativa "sem dirigir".
A assessoria diz que o prefeito chegou a agendar a
reciclagem, mas, por causa de sua agenda, não conseguiu comparecer. Não há previsão
de quando ele pretende participar do curso, com carga de 30 horas e que inclui
legislação e direção defensiva.
A assessoria confirmou à reportagem que a carteira de Doria
continua no Detran.
Questionado pela Folha, Doria não respondeu se essas multas
aplicadas contra ele desde 2014 influenciaram, de alguma forma, na decisão de
aumentar o limite máximo de velocidade nas marginais.
O prefeito também não informou, embora questionado, se,
entre as multas aplicadas por velocidade acima do permitido entre 2014 e 2015,
há alguma cometida nas marginas Pinheiros e Tietê.
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