Artigo de Fernando Gabeira
Quando o “Casseta & Planeta” lançou a ideia do conglomerado
de empresas Organizações Tabajara, não tinha como objetivo lançar o desenho do
futuro do Brasil. Muito menos, o patriarca da OT, Gilvan Saturnino Tabajara, ao
aportar no Brasil trazendo na bagagem apenas um produto, o Supositório de
Magnésia Bisurada, não tinha a mínima ideia de como seu império iria crescer,
faturando bilhões e abarcando 27 empresas.
O “Casseta & Planeta” se desfez, e das Organizações
Tabajara não resta mais nada de pé, nem o Salsichão Brasil, uma das joias do
império de Gilvan. Sobrou apenas um nome próximo de Gilvan, Gilmar, Gilmar
Mendes, para lembrar a epopeia do criador do Supositório de Magnésia Bisurada,
ao afirmar que o Brasil se parece com as Organizações Tabajara.
A ideia dos criadores do “Casseta & Planeta” era
apresentar sob o rótulo Tabajara empresas toscas, precárias, ridículas, uma
crítica indireta ao que não funcionava bem no país. Surgiu até o Tabajara
Futebol Clube, que, na sua trajetória de derrotas, jamais conseguiu superar a
realidade do Íbis de Pernambuco, o pior time do mundo.
Ao comparar o Brasil com as Organizações Tabajara, Gilmar
Mendes se esqueceu de um dado essencial do momento: o país está sendo passado a
limpo e, pela primeira vez na sua história, vivemos algo parecido com uma
sociedade na qual a lei vale para todos.
Inegável que vivemos numa crise. Mas supor que essa crise
está nos jogando para trás é obra de um personal enganator, para usar linguagem
comum aos memorandos das Organizações Tabajara.
Gilmar recentemente foi grampeado combinando com Aécio Neves
como iria cabalar votos de senadores para a lei contra o abuso de autoridade,
destinada a inibir a Lava-Jato e proteger os políticos. Um ministro do STF que
articula nos bastidores do Congresso votos para uma lei escapa completamente de
suas funções. É um ministro Tabajara.
Em outro momento, numa situação anterior à Lava-Jato, Gilmar
foi grampeado consolando o ex-governador de Mato Grosso, Silval Barbosa, famoso
por conceder milionárias isenções fiscais, inclusive à JBS. Gilmar, no áudio,
considerava absurda a incursão da PF para apreender documentos na casa de
Silval.
Mais recentemente, depois do célebre grampo de Joesley
Batista, Gilmar admitiu que se encontrou com o empresário da Friboi, mas apenas
para discutir questões ligadas ao comércio de gado, pois sua família vendia
carne para os irmãos Batista.
Não seria um pouco Tabajara um ministro do Supremo tratar de
negócios de gado com um empresário investigado. Pode-se dizer que Joesley ainda
não era investigado. Mas todas as pessoas bem informadas sabiam muito bem que
se ele não era ainda investigado, fatalmente o seria, pois seus negócios
cresciam milagrosamente.
Na conglomerado de Gilvan Saturnino Tabajara, se me lembro
bem, não houve assaltos ao dinheiro público, embora, certamente, tenha havido
uma série de atos politicamente incorretos, sem os quais o humor não prospera.
Falar mal do Brasil é comum. É uma prática antiga que usamos
sempre que algo nos incomoda. O momento é difícil, uma razão a mais para a
multiplicação das críticas. Mas é preciso acentuar que, pela primeira vez na
história, surgiu uma oportunidade consequente de desmontar o gigantesco esquema
de corrupção formado por partidos políticos e empresas ambiciosas. É um momento
de valor inestimável, que abre inúmeras possibilidades para que o Brasil entre
no rol dos países avançados, nos quais a corrupção existe em escala menor; em
outras palavras, ela não é banida totalmente mas é administrável.
Isso significa desde já, com os riscos maiores para os
corruptos, que grande parte dos recursos nacionais podem ser canalizados para
os serviços públicos. Em seguida, vai abrir também a possibilidade de um
planejamento baseado nas necessidades do povo e nas limitações dos recursos
naturais.
Isso já é algo bastante diferente de obras construídas para
atender a empreiteiras ou isenções fiscais que, simultaneamente, nos empobrecem
e tornam inviáveis alguns aspectos vitais, como, por exemplo, a mobilidade
urbana.
Se Bussunda estivesse vivo, creio que interpelaria o
ministro: fala sério, Gilmar. Livrar o país da promiscuidade entre empresas e
governo, colocar corruptos na cadeia, conquistar um alto nível de liberdade de
imprensa, viver numa sociedade em que as pessoas são mais informadas e
compartilham, incessantemente, suas ideias, tudo isso é indicação de um novo
país surgindo.
O que parece Tabajara para alguns é, para outros, a desordem
natural de um grande movimento renovador.
O Brasil que está acabando nesses anos tumultuados até que
poderia vender, maciçamente, no mercado de Brasília, inclusive para o residente
Temer, um produto de alta necessidade nesses tempos convulsionados: o olho
mágico de caixão, o que daria uma boa ideia do que acontece do lado de fora.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Jornal O Globo em
04/06/2017
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