Artigo de Fernando Gabeira
No terceiro ano da Lava-Jato, um assessor do presidente é
filmado correndo com uma mala preta. No interior da mala, R$ 500 mil de uma
pizzaria. Antigamente, tudo acabava em pizza. Aqui começou numa pizzaria
chamada Camelo. Depois da delação da JBS, Temer entrou em guerra com a
Lava-Jato. Os métodos são os mesmos, politizar a denúncia, investir contra
juízes e investigadores. Os detalhes da denúncia da JBS são conhecidos, foram
repetidos ad nauseum na televisão. A iniciativa de Temer ao partir para o
confronto marca mais um capítulo de uma resistência histórica à Lava-Jato.
Nas gravações divulgadas, Lula foi o primeiro a articular
uma reação, criticando os procuradores, confrontando Sérgio Moro, politizando
ao máximo a luta ao que chama de República de Curitiba. Lula tentou articular
uma reação. Ele percebeu que todo o sistema politico partidário poderia ruir.
Não conseguiu avançar. Havia a possibilidade do impeachment, e o tema da luta
contra a Lava-Jato caiu para segundo plano.
Num outro compartimento, as gravações de Sérgio Machado
mostram a cúpula do PMDB tramando para deter as investigações. Nas intervenções
de Romero Jucá fica claro que a expectativa era deter a sangria. Mas ao mesmo
tempo era preciso derrubar o PT. Possivelmente, julgavam-se mais capazes, uma
vez no poder, de realizar o sonho de preservação do sistema.
As intervenções de Aécio Neves, presidente do PSDB, são mais
ambíguas. Aécio não assumia publicamente que era contra a Lava-Jato. No
entanto, articulava leis para neutralizá-la, seja pela anistia ao caixa dois ou
pela Lei de Abuso de Autoridade. No terceiro ano da Lava-Jato, Aécio é gravado
tratando de dinheiro com Joesley Batista, um empresário, por boas razões,
investigado em várias frentes.
A resistência do velho sistema foi se esfacelando até
encontrar, agora em Temer, o último general, com uma tropa de veteranos da
batalha de Eduardo Cunha, como o deputado José Carlos Marin. É um presidente
impopular que se escora apenas na cativante palavra estabilidade. A mesma que
Gilmar Mendes utiliza ao absolver a chapa Dilma-Temer diante de provas que o
relator Herman Benjamin classificou de oceânicas.
Que diabo de estabilidade é essa? O Tribunal Superior
Eleitoral, num espetáculo caro aos cofres públicos, perdeu toda a
credibilidade. Mas mesmo ali, julgando um fato passado, a Lava-Jato estava em
jogo. Não só porque desprezaram provas da Odebrecht.
O ministro Napoleão Nunes mostrou-se um bravo soldado do
sistema em agonia. Referindo-se aos seus delatores, falou na ira do profeta
passando a mão pelo pescoço, como se fosse decapitá-los. Num mesmo espetáculo,
soterram provas contundentes, e um deles se comporta, simbolicamente, como se
fosse um terrorista do Estado Islâmico.
Nada mais instável do que abalar a confiança na Justiça. As
reformas necessárias, os 14 milhões de desempregados são uma realidade inescapável.
Mas a estabilidade que o núcleo do governo está buscando é uma proteção contra
a Lava-Jato. Oito ministros são investigados. O chamado núcleo duro, Moreira
Franco e Padilha se agarram ao foro privilegiado.
Olhando o futuro próximo, não é a estabilidade que vejo, e
sim turbulência. Um presidente desmoralizado pelos fatos policiais vai buscar
todas as maneiras de se agarrar ao poder. Quando tiver de hesitar entre a
estabilidade fiscal e a do seu cargo, certamente lançará mão de pacotes de
bondades.
Mesmo um presidente indireto teria de seguir a sina de Lula,
Renan, Jucá, Aécio e do próprio Temer. Uma das condições para que o Congresso
escolha alguém é a promessa de proteção contra a Lava-Jato. Tarefa inglória.
Todos falharam até agora. Por que um presidente nascido de uma escolha indireta
teria êxito?
O seu trabalho seria desenvolvido num período eleitoral. A
experiência mostra que nesses períodos a sociedade tem um peso maior sobre as
decisões do Congresso.
Isso completa a visão de que não há estabilidade à vista,
mas uma rota de turbulência. A escolha portanto é voar para frente ou para
trás. Desligar ou não os aparelhos do velho e agonizante sistema politico
partidário, ancorado na corrupção.
A ausência das manifestações de rua não significa que a sociedade
perdeu o interesse. Pelo contrário, o impacto de espetáculos como o do TSE tem
um longo alcance. É muito provável que, num momento em que achar necessário, vá
comparecer com a célebre voz da rua. Se tudo o que aconteceu passar em branco,
corremos o risco de nos transformar numa nação de zumbis. Com a exceção de
praxe: os índios isolados da Amazônia.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 18/06/2017
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