Memória – Há um morria Jarbas Passarinho. O
ex-ministro Jarbas Passarinho morreu aos 96 anos em
sua residência em Brasília.
Segundo o governo do Pará, que decretou luto oficial por
três dias, a morte ocorreu em decorrência de problemas de saúde devido à idade
avançada.
Nascido no Acre, Passarinho iniciou sua trajetória política
no Pará, onde foi governador de 1964 a 1966. Foi senador por três mandatos e,
nos governos militares, comandou os ministérios do Trabalho, Educação e
Previdência Social. No governo de Fernando Collor, chefiou o Ministério da
Justiça.
Em 1968, durante a reunião que decidiu a criação do AI-5
(Ato Institucional nº 5), Passarinho, então ministro do Trabalho, disse uma
frase que se tornou célebre. "Às favas, senhor presidente, neste momento,
todos os escrúpulos de consciência." O ato aumentou substancialmente os
poderes do governo militar e marcou o endurecimento da ditadura no país.
Passarinho era a penúltima pessoa viva que havia participado
do encontro que selou o AI-5. A última é o ex-ministro, economista e colunista
da Folha Delfim Netto.
O corpo do ex-ministro foi velado na tarde deste domingo na
Paróquia Militar do Oratória do Soldado, em Brasília.
Além de familiares e amigos, compareceram à cerimônia
fúnebre o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello, o
ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Sérgio Etchegoyen,
e o chefe da Casa Militar, Marcos Antônio Amaro.
Para o ministro do Supremo, Passarinho deixa um exemplo para
a nacionalidade do país e atuou na vida pública com "desprendimento"
e "pureza". "Um homem que teve uma passagem na vida pública
muito fértil. Ele foi exemplar em todos os títulos e honrou o Senado",
disse.
Na cerimônia, foi rezada uma missa de corpo presidente pelo
capelão militar José Eudes e, por volta das 15h30, o corpo foi levado ao
cemitério Campo da Esperança, para o enterro.
Nas redes sociais, o presidente interino, Michel Temer,
expressou sentimento de pêsames e o chamou de "grande brasileiro". A
presidente afastada, Dilma Rousseff, não se pronunciou até o momento.
O Exército Brasileiro lamentou a morte, prestou
solidariedade à família e ofereceu apoio material ao velório e ao sepultamento.
DO ACRE A BRASÍLIA
Jarbas Gonçalves Passarinho nasceu em Xapuri, no Acre, em 11
de janeiro de 1920, filho do pequeno empresário Inácio de Loiola e de Júlia
Gonçalves Passarinho. Mudou-se com a mãe e os irmãos para Belém do Pará em
1923. Lá, cursou os ensinos primário e secundário em escolas públicas.
Foi admitido na Escola Preparatória de Cadetes de Porto
Alegre e depois na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, onde foi
presidente do diretório. Fez carreira destacada na arma de artilharia, em
Belém, Resende, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Agulhas Negras e outros locais.
Foi nomeado superintendente da Petrobras na região amazônica
em 1959. Já no posto de tenente-coronel, chefiou de 1962 a 1964 o estado-maior
do Comando Militar da Amazônia, em Belém.
Envolveu-se em conspirações militares desde os anos 1950.
Contribuiu para o êxito do golpe de 1964, constituindo-se em um dos principais
quadros políticos do novo regime.
Logo após o golpe, foi nomeado Governador do Pará, cargo que
ocupou até janeiro de 1966, quando foi substituído por seu pupilo, o major
Alacid Nunes, com quem viria a se desentender posteriormente, eleito pela UDN
(União Democrática Nacional).
Após a extinção dos partidos políticos em outubro de 1965,
Passarinho filiou-se ao novo partido governista, a Arena (Aliança Renovadora
Nacional).
Em 1966, foi eleito senador pelo Pará. Apoiou a candidatura
presidencial indireta do general Costa e Silva, que o nomeou Ministro do
Trabalho e Previdência Social logo que tomou posse, em março de 1967.
A essa altura, encerrou a carreira militar, indo para a
reserva com a patente de coronel.
Como ministro do Trabalho, colaborou com a política
considerada de arrocho salarial, que levaria às greves de Contagem, MG, e de
Osasco, SP, em 1968, apesar do controle governamental sobre as atividades
sindicais.
Apoiou pequenas concessões salariais no caso de Contagem, e
outras para minorar a insatisfação latente do conjunto dos trabalhadores, como
a instituição da previdência rural. Mas a greve de Osasco acabou sendo
duramente reprimida, com o aval do ministro.
MOBRAL
No governo Médici, ocupou o Ministério da Educação e
Cultura, já sob vigência de uma forte legislação repressiva (como o decreto nº
477), que durante alguns anos conseguiu calar o movimento estudantil. Ao mesmo
tempo, levou adiante a reforma universitária e do ensino médio.
Não conseguiu implantar o ensino superior público pago para
os alunos mais abastados, devido à resistência interna no governo,
"receoso da agitação estudantil", segundo Passarinho.
Como resposta ao método politizado de alfabetização de
adultos levado adiante por Paulo Freire antes de 1964, implantou o Mobral
(Movimento Brasileiro de Alfabetização) em 1971.
Durante o governo Geisel, com quem tinha menos afinidade do
que com Medici, atuou como senador pelo Pará. Foi dos poucos eleitos pela Arena
em 1974 –seis senadores, contra 16 do MDB (Movimento Democrático Brasileiro).
Nessa época, passou a ter participação parlamentar ativa na
Arena, foi vice-líder do governo de 1975 a 1977, mas estava distante do círculo
mais íntimo do presidente.
Quase 30 anos mais tarde, numa entrevista em 2004,
Passarinho viria a dizer que os militares deveriam ter deixado o poder no
início dos anos 70. Nessa entrevista, avaliou que o golpe havia sido inevitável,
diante do temor que o comunismo representava. "O problema é que durou
demais. Deveríamos ter deixado o poder e realizado eleições livres em
1973", disse.
Na gestão de Figueiredo, iniciada em março de 1979, logo
após o fim do AI-5, Passarinho assumiu a liderança da Arena e do governo no
Senado.
Ajudou a articular a anistia em agosto de 1979, bem como a
reforma partidária que extinguiu a Arena e o MDB. Foi um dos fundadores do PDS
(Partido Democrático Social), principal base de sustentação do governo.
Elegeu-se presidente do Senado em fevereiro de 1981. No
mesmo ano, entrou em conflito pela imprensa e também em plenário com setores da
Igreja católica que defendiam direitos de trabalhadores rurais no Pará.
CONTRA AS DIRETAS
Nas eleições de 1982, fragilizado pelo avanço da oposição e
pelos desentendimentos com Alacid Nunes no seio do PDS, Passarinho perdeu as
eleições para o Senado. Mas logo assumiu o Ministério da Previdência e
Assistência Social.
Ele atuou contra a proposta de eleições diretas para a
presidência da República. Seu nome chegou a ser cogitado para a sucessão
indireta do presidente Figueiredo.
Passarinho apoiou a candidatura, derrotada dentro do PDS, de
Mário Andreazza à presidência da República. Buscou inviabilizar a Frente
Liberal, dissidência do PDS que ajudou a eleger Tancredo Neves, candidato da
oposição.
Em 1986, elegeu-se novamente senador pelo Pará (PDS, em
coligação com o PMDB de Jader Barbalho e outros partidos). Participou
ativamente da Assembleia Nacional Constituinte, presidindo ou integrando várias
comissões.
Como então presidente do PDS e líder do partido no Senado,
ajudou a obter do Congresso a aprovação do mandato de seis anos para o
presidente José Sarney.
Nas eleições presidenciais de 1989, discordâncias com o
candidato Paulo Maluf levaram Passarinho a deixar o comando do PDS.
ALIADO A COLLOR
Em outubro de 1990, foi nomeado Ministro da Justiça pelo
presidente eleito, Fernando Collor de Mello. Buscou articular politicamente o
governo, que tinha dificuldades no Congresso.
Sem lograr êxito, acabou substituído na reforma ministerial
de abril de 1992. Como senador aliado, testemunhou o impeachment de Collor.
Durante o governo Itamar Franco, seguiu no Senado, atuou por
exemplo na Presidência da CPI que apurou denúncias de corrupção da chamada
"máfia do Orçamento" Geral da União, que envolvia parlamentares (18
deles foram processados, 4 cassados em janeiro de 1994).
Candidatou-se ao governo do Pará em 1993 pelo PPR (Partido
Progressista Reformador), fruto da fusão do PDS com o PDC (Partido Democrata
Cristão). Foi derrotado no segundo turno por Almir Gabriel, do Partido da
Social Democracia Brasileira (PSDB).
Sem mandato, assumiu cargo na CNI (Confederação Nacional da
Indústria) em Brasília, onde já trabalhara nos anos 1980. Passou a escrever
regularmente para jornais como "O Estado de S. Paulo".
Após a fusão do PPR com o PP (Partido Popular), em 1995,
aderiu ao novo PPB (Partido Progressista Brasileiro), e foi eleito presidente
da Fundação Mílton Campos, ligada ao partido.
Na eleição disputada entre Fernando Henrique Cardoso e Luiz
Inácio Lula da Silva, em 1994, o então senador alertava para o perigo do
"radicalismo" de algumas alas do PT, que poderiam deixar Lula
isolado, caso ele fosse eleito. Passarinho dizia que o próximo governo tinha de
ser democraticamente forte. Mas afirmava que "entre a justiça e a ordem, é
preferível a ordem".
No primeiro mandato de FHC, em setembro de 1996, foi nomeado
consultor do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que acabou deixando
menos de um ano depois, sentindo-se desconfortável com o que lhe parecia
excesso de tolerância com esquerdistas.
Não obstante, acompanhou a decisão do PPB de apoiar a
reeleição do Presidente e a candidatura do tucano Almir Gabriel no Pará.
Integrou o comitê de assessoramento político da campanha de Cardoso. Em
dezembro de 1998, foi nomeado membro do Conselho da República.
Em pleno século 21, seguiu no debate público como um dos
defensores mais ardorosos do regime instaurado em 1964 e também dos militares
acusados de violação aos direitos humanos. Mas dizia que a tortura não era uma
política de Estado e sim uma "deformação profissional".
ESCRITOR
Menos conhecida é sua atividade como escritor e intelectual:
em 1949, ganhou prêmio de concurso da Prefeitura de Belo Horizonte com o conto
"Um Viúvo Solteiro". Em 1959, com o romance "Terra
Encharcada", recebeu da Academia Paraense de Letras o prêmio Samuel
Wallace Mac Dowell.
Em maio de 1991, lançou Na planície, o primeiro volume de
suas memórias. Em 1996, o conjunto das memórias foi publicado com o título
"Um Híbrido Fértil". Autor de outras obras, como "Amazônia, o
Desafio dos Trópicos" (1971) e "Liderança Militar" (1987).
Pertencia à Academia Paraense de Letras, ao Instituto
Histórico e Geográfico do Pará e ao Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro.
Recebeu inúmeras condecorações e 17 títulos de doutor
honoris causa de universidades federais (como as do Rio de Janeiro, Pará,
Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba) e católicas (Rio Grande do
Sul, Campinas, Petrópolis, Bahia, Recife e Goiás), entre outras.
Era pai de cinco filhos com Ruth de Castro Gonçalves
Passarinho, de família tradicional paraense, que a princípio se opusera ao
casamento. Ficou viúvo em agosto de 1987.
Marcelo Ridenti é professor titular de Sociologia na
Unicamp.
Do UOL em 05/06/2016.
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