O presente estágio da crise indispõe os três Poderes: STF x
Senado, Câmara e STF x Presidência da República. Na teoria das aproximações, do
general Hamilton Mourão, o colapso institucional deu um passo à frente. A
República agoniza.
A decisão do STF de suspender o mandato do senador Aécio
Neves não tem base constitucional, mas tem precedente. O hoje presidiário
Eduardo Cunha foi submetido ao mesmo procedimento.
Como Cunha era um fato isolado, e seu afastamento, dado o
seu desgaste, seria benéfico à instituição, ninguém reclamou.
O caso de Aécio é diferente. Além de ocorrer num momento
mais avançado da faxina jurídico-política, em que a cúpula do Legislativo vive
situação análoga à dele, entra em cena o espírito de corpo. Daí o inesperado
fenômeno de uma punição judicial unir a todos, direita, esquerda, sobreloja e
subsolo (sobretudo este).
O STF estaria bem na fita não fosse o fato de, mais uma vez,
usar de pesos e medidas diferenciados. O mesmo tribunal que libertou o
condenado José Dirceu, cuja pena já foi confirmada e agravada em segunda
instância, mostrou-se implacável com um senador que nem sequer foi julgado.
O argumento de medida cautelar contra Aécio, que tem efetiva
base nos fatos – e, portanto, é justo -, não se aplicou a Lula, cuja ação, esta
semana exposta, de fraudar provas, forjando recibos de aluguel, não mereceu
qualquer providência.
Não é despropositado, pois, falar em ativismo político da
Suprema Corte, comportamento que tem sido padrão desde antes do impeachment,
quando ministros como Luís Roberto Barroso, hoje paladino da moralidade,
empenhou-se em impedi-lo, dificultando o trâmite do processo. Chegou a impor ao
Senado que repetisse o rito de recepção da Câmara, alegando que, afinal, o que
estava em pauta era o mandato de uma presidente da República.
Não demonstra o mesmo zelo em relação ao atual presidente.
Dois pesos e duas medidas. Temer se empenha agora, mais uma vez, em pôr à prova
o seu propalado prestígio parlamentar, que não decorre de carisma ou adesão a
uma causa pública majoritária.
Apoio é verba – e grande parte dela foi gasta quando da
primeira denúncia. O que o favorece agora é o fato de que não está só na
denúncia. Há muitos parlamentares com ele, interessados tanto quanto ele em
rejeitar a acusação.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já avisou que não
fatiaria a denúncia, focando-a apenas no que se refere ao presidente. Ali estão
figuras graduadas como os senadores Eunício Oliveira, Renan Calheiros e Romero
Jucá, entre outros.
Em outras circunstâncias, o Quadrilhão (termo com que a PGR
se referiu à patota) não teria dificuldades de contornar a situação. Aqueles patriotas
já enfrentaram e venceram outros desafios. Mas, nesta etapa, a paciência e o
olhar crítico da sociedade estão menos tolerantes. E as palavras do general
Mourão ainda repercutem.
A Câmara sabe que uma eventual rejeição sairá mais cara que
a anterior – e que será cobrada na campanha eleitoral. Pior: teme que, no curso
da avaliação da denúncia, surjam outras, como se espera das delações do doleiro
Lúcio Funaro e de Eduardo Cunha.
Sabe-se que o Ministério Público tem ainda muita bala na
agulha – e que sua metralhadora é giratória, indo da direita à esquerda. PT e
PSDB deixaram de lado suas diferenças – que, na verdade, nunca foram muitas – e
exercem o abraço dos afogados.
O STF, internamente dividido, incomoda-se com o papel que
três de seus ministros, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luís Fux, decidiram
encenar, de tolerância zero com os corruptos.
Gilmar Mendes, transfigurado em vilão, reclama que se jogue
para a arquibancada. O resultado é que, ainda que agrade a plateia, a Corte não
agrada a si mesma e não reduz o desgaste a que há muito está submetida. Ali
também o embate é político.
O Senado, por sua vez, está diante de um nó institucional:
se rejeitar a decisão do STF, recolocando Aécio no exercício do mandato, estará
sujeito a uma medida de força, por descumprimento de ordem judicial, que teria
de vir do Executivo, que, por sua vez, não tem interesse de atender o
Judiciário.
Para que isso não aconteça, cogita-se de submeter Aécio
novamente ao Conselho de Ética, que anteriormente arquivou as acusações contra
ele, sem sequer as examinar. Estaria assim contornando o choque com o STF e
preservada a soberania do Senado. Uma solução teatral que, de qualquer forma,
sai mais barata que uma queda de braço por uma má causa.
Em meio a tudo isso, mais um general de quatro estrelas, e à
frente de um dos principais comando do país, o Comando Militar do Sul, general
Edson Leal Pujol – o sucessor do general Mourão naquele posto -, veio a público
reiterar o que disse seu antecessor: que a intervenção é uma possibilidade,
desde que o povo a peça nas ruas. E incentivou-o a que o façam.
A teoria das aproximações está em pleno curso.
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