O cantor, compositor e historiador Zezé di Camargo está coberto de razão ao dizer que não existiu ditadura militar no Brasil. Numa entrevista a Leda Nagle, ele explica que houve, isso sim, um “militarismo vigiado”. A expressão não deixa claro se os militares eram vigiados ou se eles é que vigiavam os demais, mas isso não tem importância porque a simples ideia de opressão soa ridícula num país democrático como o nosso.
Sendo assim, vamos esclarecer de uma vez por todas o que
houve entre 1964 e 1985.
Não foi ditadura e não foi “militarismo vigiado”, combinado?
Foi um negócio que se chama “pau no miolinho”. Funcionava assim: se o
brasileiro quisesse votar para presidente, nada como um pau no miolinho para
passar a vontade. Se quisesse falar o que vinha na cabeça, pau no miolinho até
fechar a boca. Se inventasse de ler livros com ideias estranhas, outro pau no
miolinho para resolver a questão. Greve, talvez? Pau no miolinho, agora com
força redobrada.
É claro que o método alcançaria todos os setores da vida
pública. O pau-no-miolismo foi largamente aplicado à atividade jornalística, ao
cinema e à televisão. Livros didáticos, então, nem se fala. Gente informada
corria um risco maior de tomar um pau no miolinho, por isso o negócio era
deixar todo mundo no escuro e evitar as filas nos hospitais. Às vezes o pau no
miolinho não era suficiente, mas aí era preciso improvisar: não havia nada que
um choquinho ou outro não pudesse resolver.
Tem uma história muito bonita de dois meninos de Goiás que
formaram uma dupla e foram cantar no rádio. Já que a letra da música tinha a
palavra “tirania”, foi por pouco, muito pouco, que o pau não comeu nos
miolinhos do radialista e do pai dos meninos. A história é tão bonita que virou
filme de sucesso. A cena do rádio segue abaixo, mas fique claro que a frase do
radialista — “daqui a pouco vai todo mundo preso” — jamais ocorreria numa
ditadura ou num “militarismo vigiado”, apenas na República Democrática do Pau
no Miolinho.
Na parte final da entrevista, Zezé prova que não é apenas um
intelectual de gabinete e faz uma proposta prática para os impasses do país.
— Acho que o Brasil precisa de uma depuração.
Entenda-se por depuração o desejo de entregar o poder a
militares que possam usar a força para reorganizar a pátria. Não se trata de
uma nova ditadura, é lógico, apenas do tal “militarismo vigiado”, brando e
saudável, com censura e torturadores eventuais. Na realidade, é da turma do
pau-no-miolinho que Zezé está falando, um pessoal acostumado a fazer faxinas e
— santa ingenuidade! — devolver o governo de mão beijada aos civis. O melhor é
que essa turma faz a entrega em tempo recorde.
Na última vez, foram apenas 20 anos.
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