Artigo de Fernando Gabeira
Nas horas de folga, tenho conversado com amigos, quase todos
preocupados com o Brasil. Alguns pensam até em se candidatar e contribuir com o
processo. Por que não? Em todo o país há um apelo por renovar. Aos que tomam o
caminho de concorrer a cargos públicos, lembro apenas que não basta uma troca
de nomes. Com as mesmas regras do jogo, o sistema resulta em perversão.
Há ainda os que querem fazer algo, sem deixar o seu
trabalho, só como eleitores. O que fazer? Sinceramente a melhor resposta é
trocar ideias entre as pessoas que querem fazer algo. Dessa teia de relações,
acabam surgindo os rumos e possibilidades.
Há sempre no ar uma certa nostalgia de um nome, um líder
para o processo de renovação. No entanto, é é preciso seguir conversando,
independente disso. Quanto mais amadurecida estiver a sociedade no seu desejo
de renovação, quanto mais tiver clareza do que quer e não quer mais, mais fácil
aparecer alguém para liderá-la. Não são necessárias qualidades extraordinárias.
Outra vantagem de uma sociedade mais informada é que pode
trocar seus líderes com facilidade. Não depende de um salvador. A recente
tragédia da esquerda brasileira foi também ter depositado todas as suas
esperanças num líder. Ela não estava preparada para o ocaso de Lula e
simplesmente não consegue admiti-lo.
Palocci descreveu, em sua carta, algo que já mencionei em
alguns artigos. A necessidade de dar as costas às evidências, a transformação
num movimento religioso que cultua o líder e o considera um perseguido apesar
dos fatos. Nem sei se a expressão religiosa é adequada. Não faz justiça, por
exemplo, ao budismo, que estimula o encontro da iluminação por um caminho
próprio e afirma que ela está dentro de cada um.
Na história do budismo, houve momentos em que não havia Buda
e, mesmo sem ele, um grupo de pessoas compreendeu todos os ensinamentos por
contra própria. São tratados com admiração: os que chegaram ao conhecimento sem
a ajuda de um grande mestre.
A política não dispensa lideranças. Mas as virtudes
necessárias dependem do momento histórico. O fracasso do populismo de direita
abriu caminho para líderes messiânicos de direita.
Lula é uma divindade para os adeptos, Bolsonaro é um mito
para os seus. Naturalmente essa emoção domina milhares de pessoas. Mas é
crescente o nível de informação da sociedade e, na medida em que amadurece, a
tendência majoritária é não acreditar em mitos ou divindades políticas.
Durante alguns anos, presenciei a transformação que o mundo
digital nos trouxe. No princípio, a cena política a considerou apenas algo que
estava aí, fervilhando, mas correndo em paralelo, sem influenciá-la. Agora, os
mecanismos de controle são muito maiores. O próprio governo Temer foi levado a
mudar de posições por pressão da sociedade.
Outro fator positivo é o impacto da Lava-Jato. O processo de
corrupção pode até continuar, mas hoje se está mais equipado para investigá-lo,
e tanto políticos como empresários conhecem o alto risco dessas práticas. Se a
maioria moderada conseguir impor um caminho, certamente terá de derrotar o
populismo, os futuros luminosos, os amanhãs que cantam, o paraíso prometido.
Mais informada e consciente, a sociedade poderá escapar de outras divindades
que às vezes se apresentam como absolutas: o mercado e o Estado.
Sem um grande líder messiânico, sem soluções radicais mas
apenas um esforço para reerguer o Brasil e deixar que siga os seus passos, a
alternativa pode parecer até um pouco monótona. No entanto, não tenho visto
ninguém se abalar, nos novos grupos e experiências que, às vezes, mostro na
televisão, por ideias fantásticas, fórmulas revolucionárias.
A maioria das pessoas com quem falo está preocupada com a
decadência do Brasil, querendo fazer algo para que o país não se derreta no
pântano em que foi lançado. São jovens que chegam à política agora, em 2018,
com uma grande compreensão de como as pessoas informadas podem influir no
processo. Certamente estarão preparadas para concluir que o caminho de
consolidar as conquistas será pela educação.
Talvez esteja terminando também, com tantos outras
deformações, um tipo de político que não se importa com a educação, que depende
de ignorância para se manter na carreira. Reconheço que isso é uma posição
otimista: apoiar-se na clássica ideia de que o ser humano pode saber, logo
tornar-se livre.
Segundo Karl Popper, existe também o polo contrário: o do
descrédito na capacidade humana de achar a verdade. Esses polos estão sempre em
confronto e dividem os que querem ampliar a democracia e os que, baseados na
sua convicção pessimista, tendem para a busca de uma autoridade forte para
evitar o pior. Se estivesse na conferência do general Mourão, aquele que
admitiu a possibilidade de intervenção militar, concordaria com suas críticas
aos políticos. No entanto, diria apenas que acredito na capacidade de
resolvermos nossos problemas, sem recuar na democracia.
O ano que entra é o começo de um novo ato. Um oásis
potencial para nossos olhos, voltados hoje para a sujeira do passado e a
mediocridade do presente.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 01/10/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário